Para especialistas ouvidos pelo Correio, se proposta apoiada pelo governo for aprovada como está, concursos públicos correm o risco de acabar.
Eles também questionam constitucionalidade da medida
O governo federal espera que, em breve, a Câmara dos Deputados vote
o Projeto de Lei 4.302/1998, que permite a ampliação do trabalho
terceirizado no Brasil. Como o texto regulamenta a contratação de mão de
obra terceirizada sem restrições, incluindo na administração pública,
uma das principais dúvidas é como a proposta, caso seja aprovada como
está agora, afetará os concursos.
Para o advogado
Max Kolbe, membro da Comissão de Fiscalização de Concursos Públicos da
OAB/DF, o projeto de lei não só afeta as futuras seleções, como pode
representar o fim dos concursos públicos no país. Para
Kolbe, o PL pode ser considerado "uma nefasta aberração jurídica", no
que diz respeito à acessibilidade ao cargo ou emprego público. "Sob a
ótica da atual Constituição Federal, seria absolutamente incabível",
avalia o especialista.
Compartilha
de opinião semelhante o professor de direito constitucional Aragonê
Fernandes. Para o também juiz de direito substituto do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o projeto vai
prejudicar os concursos públicos. Para Fernandes,
no entanto, o texto deve encontrar resistências. "Acho difícil a
proposta passar nos moldes em que está. Certamente o projeto foi
retirado da gaveta apenas para forçar uma discussão", considera.
Weslei
Machado Alves, professor do curso de direito da Universidade Católica
de Brasília, também acredita que o texto ameaça os concursos. "A
extensão da terceirização, inclusive à atividade fim da administração
pública, poderá afetar os concursos públicos e, por consequência,
ter-se-á a criação de um empecilho à isonomia constitucional nas
contrações pelo poder público. Isso porque ao necessitar de contratação
de mão-de-obra, o gestor público poderá optar pela terceirização, forma
mais simples e desprotegida de admissão de pessoal."
Já para
o professor de direito trabalhista do UniCEUB, Luis Fernando Cordeiro, o
projeto não vai comprometer os concursos. "Os princípios e regras
constitucionais do artigo 37, "caput" e incisos I e II, de necessidade (
obrigatoriedade) de concursos públicos para trabalhar para a
administração pública (direta e indireta) permanecerão." Para
Cordeiro, a possibilidade de terceirização no setor público continuará
como exceção. "Na verdade esse projeto iria beneficiar os órgãos
públicos quando contratarem serviços terceirizados, pois estariam
isentos de responsabilidade patrimonial como hoje reza a Súmula 331 do
TST."
Atualmente,
a legislação prevê que a terceirização pode ser adotada em serviços que
se enquadrarem como atividade-meio, ou seja, trabalhos que não estão
diretamente ligados ao objetivo principal da empresa. É o caso do
serviço de alimentação e limpeza em uma indústria que fabrica carros. A
partir disso, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende, por
exemplo, que uma empresa fabricante de móveis não pode contratar
marceneiros terceirizados, pois esses profissionais realizam a tarefa
que seria a atividade-fim dessa companhia.
O texto
de 1998 que o governo deseja ver aprovado causa polêmica justamente
porque prevê a terceirização de atividade-fim, incluindo no setor
público.
Segundo
Kolbe, a aprovação seria também um retrocesso social. "Em se tratando
de concurso público, só seria legítima a terceirização na
atividade-meio, ou seja, jamais para exercer as mesmas atribuições dos
aprovados no concurso público. Esse é entendimento de todos os tribunais
superiores (STF, STJ e TST). Essa é, inclusive, a razão de centenas de
candidatos ganharem na Justiça o direito a serem contratados."
Para
o especialista, não há dúvida de que, se aprovado, o projeto de lei
será inconstitucional, por ofender o artigo 37, II, da Constituição. "É
inimaginável, após a redemocratização do Estado brasileiro, que exista
um governo que proponha algo com esse viés. Seria o mesmo que legalizar,
para alguns, o 'saudoso trem da alegria'."
Alves,
da UCB, tem preocupação semelhante. Para ele, a medida poderá facilitar
apadrinhamentos na escolha dos terceirzados. O professor acrescenta:
"Ao necessitar de contratação de mão de obra, o gestor público poderá
optar pela terceirização, forma mais simples e desprotegida de admissão
de pessoal". Kolbe argumenta ainda que, sob a
ótica do concurso público, esse projeto de lei só possui pontos
negativos. "Não é apenas a máquina administrativa (órgãos e entidades)
que perde com a precarização dos serviços, mas a sociedade no geral,
pois o princípio da eficiência e isonomia estaria sendo assassinado com a
aprovação desse projeto de lei."
Na opinião dos integrantes do governo, a votação dará início à agenda de retomada do crescimento econômico em 2017 e é uma das frentes em movimento com o apoio do governo para mudar as regras trabalhistas. Além de permitir a terceirização de qualquer atividade, em qualquer setor da economia, o texto autoriza as empresas terceirizadas a subcontratarem outras terceirizadas.
Fonte: Correio Braziliense
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