Essa vergonhosa saga do presidente Michel Temer atrás de foro
privilegiado para tentar evitar que o deputado afastado Rodrigo Rocha
Loures faça uma delação premiada, repetindo, mesmo que em outras
circunstâncias, o episódio da então presidente Dilma, que nomeou o
ex-presidente Lula para a chefia de seu Gabinete Civil apenas para
dar-lhe a proteção do foro, colocou na ordem do dia a necessidade de
regulamentar com mais rigor essa proteção que abrange cerca de 20 mil
autoridades no país.
Como muitos desconfiavam, a intenção dos
senadores ao aprovar em primeiro turno o fim do foro privilegiado para
todos os níveis, com exceção dos presidentes dos Três Poderes –
Executivo, Legislativo e Judiciário – não era resolver a questão através
de uma emenda constitucional, mas fazer o Supremo Tribunal Federal
(STF) retirar de sua pauta de maio o tema e ganhar tempo, para controlar
o processo decisório. Aprovada em primeiro turno no Senado, a
proposta do senador Álvaro Dias que teve a relatoria do senador Randolfe
Rodrigues não conseguiu tramitar normalmente, e a segunda votação no
Senado ainda não se realizou. A presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF) ministra Carmem Lucia deixou o tema fora da pauta enquanto o
Senado cuidava do assunto, mas diante da demora da decisão, recolocou-o
na pauta deste mês, e ele deverá ser analisado na sessão de hoje.
A
emenda constitucional aprovada no Senado é bem mais ampla que a decisão
que o STF poderá tomar, pois o caso em pauta apenas restringe o foro
privilegiado, mas não o extingue no processo em que o relator, ministro
Luis Roberto Barroso, aproveitando o caso de um prefeito de Cabo Frio,
defendeu a interpretação restritiva do foro privilegiado. Para
ele "é preciso acabar ou reduzir o foro privilegiado, ou reservá-lo
apenas a um número pequeno de autoridades. É uma herança
aristocrática". Se a tese for vitoriosa no plenário, muitos dos casos
hoje no Supremo devem ser encaminhados pelo ministro Fachin para
instâncias inferiores, mas a decisão só atinge os parlamentares.
Barroso
quer restringir o foro privilegiado a casos que envolvam crimes
cometidos durante e em razão do exercício do cargo. O caso de Rocha
Loures, recebendo uma mala cheia de dinheiro de propina, por exemplo,
não pode ser classificado como uma ação parlamentar. O ministro
Luis Roberto Barroso lembrou que os parlamentares não tinham foro
privilegiado antes da Constituição de 1988, e a situação atual é
“inadministrável”, pois cerca de um terço da Câmara dos Deputados está
sob investigação.
Barroso pede que o plenário do Supremo trate do
assunto, pois vê “a necessidade imperativa de revisão do sistema”. Ele
se preocupa com o desprestígio que pode atingir o Supremo, minando sua
autoridade. Embora qualquer mudança deva ser feita pelo Congresso,
através de emenda constitucional, Barroso defende que “é possível
reduzir o problema representado pelo foro privilegiado mediante uma
interpretação restritiva do seu sentido e alcance, com base no princípio
republicano e no princípio da igualdade”.
A tendência da maioria
do Supremo é abraçar essa tese, embora não seja impossível que algum
ministro contrário a ela peça vista para sustar o processo. A ministra
Cármen Lúcia, por exemplo, defende mudanças na prerrogativa de foro,
medida que, para ela, significa privilégio e “não é compatível com a
República”. O ministro Marco Aurélio Mello também é contra “por ele não
ser republicano. Sou de concepção democrata, penso que todo e qualquer
cidadão, independentemente de cargo ocupado, deve ser julgado pelo juiz
de primeira instância, como ocorre nos Estados Unidos”, disse em
entrevista recente.
O decano do Supremo, ministro Celso de Mello,
já se declarou “decididamente contrário à prerrogativa de foro”. Mas
admite que ele seja mantido unicamente para os chefes dos Três Poderes, o
Procurador-geral da República e os ministros do Supremo, como órgão de
cúpula do Poder Judiciário. Celso de Mello diz que, por ele, o foro
privilegiado acabaria de vez, mas abraça a tese defendida por Barroso:
antes que o Congresso decida sobre o tema, o Supremo poderia fazer uma
interpretação restritiva do foro privilegiado.
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