Janot e Temer terão que explicar suas atitudes suspeitas à sociedade
A crise instalada com a delação premiada
da família Batista, que põe o presidente Michel Temer sob suspeita e
seu governo sob o risco iminente de ser deposto, não pôs fim ao Fla-Flu a
que os desgovernos petistas submeteram a sociedade brasileira em seus
13 anos, quatro meses e 12 dias de mandarinato. E que se estendeu ao
longo do ano e sete dias do mandato-tampão do indigesto ex-vice Michel
Temer, conforme agora nos é revelado.
A esquerda, flagrada em ladroagem
intensa e explícita e derrotada nas eleições de 2016 graças às
revelações feitas nas investigações da Operação Lava Jato, comemora o
fato e prega diretas já na esperança de iludir de novo a população na
eleição com marketing político bilionário. Financiado, aliás, com as
sobras do roubo na Petrobrás, no BNDES, nos fundos de pensão e em todos
os cofres públicos durante o tempo em que o PT governou em sociedade com
o PMDB e políticos de todos os partidos. E com o beneplácito da
oposição, cuja leniência também foi comprada com dinheiro público,
repassado por propinas de empresários amigos e sócios.
Um setor expressivo da população teme a
queda do governo com medo de cair nas mãos de algum político aventureiro
e não menos suspeito do que ele. E praticamente a sociedade inteira tem
uma dúvida que se torna um dilema atroz: viver num país presidido por
um suspeito, que até agora não justificou como caiu na armadilha que um
delinquente confesso e espertalhão amarrou em seus tornozelos, ou
mergulhar na treva do incerto.
O delator Joesley Batista, da JBS, estar
solto, com a família, em Nova York, enquanto outros acusados nos mesmos
processos a que ele responde foram condenados e optaram entre ficar
presos e fazer delação premiada, é algo tão absurdo que pode ser
caracterizado como abuso de autoridade de quem lhe concedeu essa
condição. E para isso nem se precisa de lei nova.
Em pronunciamentos convocados para
responder às denúncias do delator, Temer definiu-o como falastrão.
Comprova-o a afirmação que o próprio Joesley fez de ter blefado ao dizer
que teria comprado dois juízes. Esse crime põe em dúvida tudo o que não
se comprovar nas delações. E também poderia servir de motivo para
cancelar o acordo, além de comprometer o instituto da delação premiada
e, com isso, o trabalho da Operação Lava Jato, que tem apoio amplamente
majoritário na população.
Mas ser falastrão é o de menos. Agora
Joesley está sendo acusado de ter cometido outro crime, o de ter
embolsado US$ 400 milhões na compra e de dólares à véspera e venda no
dia da divulgação da delação, que provocou uma alta expressiva no valor
da moeda americana. Só isso justificaria um mandado de prisão e o
cancelamento do acordo espúrio. A multa de US$ 220 milhões é ínfima, se
comparada com os US$ 10 bilhões que os irmãos Batista tungaram no BNDES
sob as bênçãos de outros delatados dele: Lula, Dilma, Palocci e Mantega.
Isso precisa ser explicado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot o mais rapidamente possível, sob pena de o trabalho dos
procuradores cair no descrédito geral.
Aliás, até agora não vi na delação de
Joesley uma narrativa completa de como ele deixou de ser um
pecuaristazinho dos ermos de Goiás, tornando-se com dinheiro nosso o
maior processador de carne do mundo.
Mas isso não dispensa Temer de também
dar explicações ao público. Estranhei notícia do UOL de que o
criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, assessor jurídico do
presidente, num jantar de desagravo a outro suspeito, Aécio Neves,
atacou o juiz Sergio Moro, que nada tem que ver com o episódio, e o
relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin. Este, sim, terá ocasião de
justificar sua participação no episódio suspeito da premiação excessiva
aos delatores da JBS, no julgamento do episódio pelo STF. O problema é
que, nos pronunciamentos de quinta-feira e de sábado, o presidente
trocou seu estilo de circunlóquios, apostos e mesóclises por indignação,
mas não foi convincente, pois nada justificou nem explicou.
Desde o início, Temer esforçou-se em
desqualificar como prova a gravação do encontro clandestino que teve com
o delator. No fim de semana, os meios de comunicação informaram sobre
dúvidas levantadas por perícias. As perícias apresentadas levantam mais
dúvidas do que as por elas mesmas levantadas. Nenhuma dessas dúvidas
questiona o fundamental. O essencial – a prevaricação ao receber um
suspeito de ter cometido uma capivara de delitos, o silêncio sobre a
tentativa deste de calar Eduardo Cunha e a omissão diante da notícia de
que o delator obstruiu a Justiça subornando dois juízes e um procurador –
não foi explicado. A rádio CBN atestou que o truque usado por Joesley
de manter na gravação a transmissão da emissora à entrada e à saída do
Palácio do Jaburu, funcionou. E a eventual edição da fita não elimina
outros deslizes.
Entre esses deslizes destaco a reunião
fora da agenda, às 23 horas, o truque usado pelo interlocutor para
entrar sem ter de passar pelos controles de portaria e ainda o uso pelo
visitante do nome de um terceiro, Rodrigo, por sinal citado na conversa
gravada. Isso, aliás, tornou possível ao delator entrar com aparelho
para gravá-la. A ação controlada na entrega de propina a Rodrigo Loures
na pizzaria Camelo poderia agravar sua situação se a Polícia Federal
(PF) conseguisse informar o roteiro do dinheiro entregue. A Coluna do Estadão
no fim de semana, no entanto, já levantava dúvidas a respeito do
sucesso do rastreamento. E notícia mais recente deu conta do
desaparecimento da mala do dinheiro. [atualizando: a mala apareceu;foi entregue intacta pelo Rodrigo Loures na PF de São Paulo.]
A tática do segundo pronunciamento de
Temer foi desqualificar o delator. O próprio Joesley confessou pertencer
à organização criminosa que assaltou a República nos quatro desgovernos
petistas. Temer participou de dois deles. E hoje é legítimo presidente,
pois, se não o tivesse como vice, Dilma não teria sequer chegado ao
segundo turno nos dois pleitos.
Se Temer só descobriu os podres do
interlocutor depois que este gravou a tal conversa, estamos diante de
uma absurda ingenuidade de um político veterano que já foi secretário de
Segurança do maior Estado do País e presidente da Câmara dos Deputados.
Ou seja, não condiz com a lógica dos fatos. Mas pior é ele não ter
noção de que desqualificar o interlocutor automaticamente o
desqualifica.
Os eufemismos que Temer usou não ajudam a
tornar sua versão crível. Clandestino não quer dizer ilegal e lamúria
não é sinônimo de delito. Joesley confessou muitos delitos e Temer não o
contestou nem o recriminou nenhuma vez. Tampouco tomou atitude alguma.
Poderia tê-lo denunciado. Por que não o fez? Agora ele tem o dever de
confirmar que recebe rotineiramente jornalistas, empresários,
trabalhadores e cidadãos comuns, divulgando sua agenda, pelo menos, do
último mês.
Temer escorregou ainda ao dizer que
Joesley criticou o governo. O delator, de forma desabusada e incorrendo
em tráfico de influência, não criticou sua gestão, mas pediu autorização
para pressionar o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que foi
empregado dele. Em vez de repreendê-lo e, depois expulsá-lo, autorizou-o
a usar seu nome na pressão.
Ainda espero do presidente um laivo de
lucidez, que, pelo visto, falta a quem está mais próximo dele para
assessorá-lo neste momento crítico, seu ex-quase ministro da Justiça.
Temer deve um pronunciamento submetido a perguntas de jornalistas, para
corrigir os deslizes a que recorreu nos pronunciamentos sem perguntas.
E, sobretudo, demitir os investigados que o cercam no palácio e ainda
estão no seu governo. Mantendo-os, atesta que continua resistindo a se
livrar dessa patota, o que, aliás, foi comprovado no número de vezes que
se referiu a seu ex-secretário de governo afastado por suspeição,
Geddel Vieira Lima.
Agora, como não acredito que ele tome
essas providências, nem que os tucanos desçam do muro, nem que o DEM se
desapegue do poder da hora, só resta esperar a decisão final do plenário
do Supremo Tribunal Federal (STF). Tudo isso seria menos traumático se
Temer tivesse renunciado, mas, como não o fez e, assim, não facilitou o
desenlace do imbróglio em que nos encalacrou, não adianta chorar pelo
leite derramado. Teremos, pois, de aguardar o desfecho legal, a ser
imposto pelas instituições.
Outra decisão importante será o
julgamento da ação do PSDB contra a chapa Dilma-Temer na reeleição de
2014. E assegurar que a Constituição seja cumprida tanto no julgamento
quanto na eventual sucessão. Tudo feito rigorosamente dentro da lei é o
mínimo a esperar para evitar o caos.
E agora, Michel?
Fonte: Blog do José Nêumanne - O Estado de S. Paulo
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