Foi providencial Michel Temer se declarar um “vice decorativo”
naquela carta que enviou à então presidente Dilma, na qual se queixava
de estar relegado a plano secundário no governo. Esse tratamento
depreciativo por parte da ex-presidente, de que se queixava na carta,
pode levar à sua absolvição no processo do Tribunal Superior Eleitoral
que julga o abuso de poder econômico na campanha presidencial.
A
possibilidade de absolver Temer e condenar Dilma separando as contas de
campanha, que não é apoiada pela jurisprudência do TSE, foi aberta
inadvertidamente (será?) pelo vice-procurador-geral Eleitoral, Nicolao
Dino, por outra vertente. No seu parecer ele afirma que não
encontrou nos autos do processo elementos que liguem o presidente atual
aos financiamentos ilegais da campanha revelados pelos executivos da
Odebrecht. Ele considera que não há sequer indícios de que Temer tivesse
conhecimento da prática de qualquer ilícito E vai mais adiante: diz que
não há elementos que liguem o então candidato a vice-presidente aos
fatos relatados nos autos.
Mesmo assim, Nicolau Dino pede que a
chapa Dilma-Temer seja cassada, mas com penas distintas para cada um de
seus componentes. A ex-presidente Dilma ficaria inelegível por um
período de oito anos, enquanto Temer, sem poder ser responsabilizado
pelos atos ilícitos, continuaria com seus direitos políticos intactos. Essa
sentença, se acolhida pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral,
ocasionaria a estranha situação de um presidente cassado poder ser
eleito em seguida, de maneira indireta, pelo Congresso, retornando ao
governo. Isso porque a cassação da chapa obrigaria a uma nova eleição,
desta vez indireta, para um mandato tampão até a eleição de 2018. Temer
provavelmente seria eleito, pois continua tendo a maioria do Congresso, e
a solução esdrúxula impediria que o país entrasse em novo ciclo
eleitoral, causando graves prejuízos à economia do país que, mal ou bem,
começa a sair da depressão.
O julgamento será retomado pelo TSE
no dia 6 de junho, com dois novos ministros: o ministro Henrique Neves
foi substituído por Admar Gonzaga, e a ministra Luciana Lóssio por
Tarcísio Vieira de Carvalho. Não é certo que o julgamento prossiga,
pois um dos dois ministros nomeados por Michel Temer pode pedir vista do
processo, que tem 29 volumes, com depoimentos de mais de 50
testemunhas. Ao que tudo indica, porém, há uma tendência do TSE é resolver o caso o
mais rápido possível, retirando do caminho uma insegurança política
imediata. Se, como salientou o ex-presidente do Banco Central Arminio
Fraga, somente com a definição da eleição presidencial de 2018 os
investimentos voltarão ao país (ou não), imaginem se um problema
adicional, uma nova eleição para um mandato-tampão, saísse do TSE.
É
por isso que a tese da ‘garantia da governabilidade’ entra na análise
dos ministros, e o seu presidente, ministro Gilmar Mendes, sempre
ressalta que o tribunal é ‘cauteloso’ em decisões complexas. O
ministro recém-empossado Admar Gonzaga, em entrevista recente ao Globo,
disse acreditar que todo juiz tem responsabilidade política “até porque o
objeto da nossa jurisdição tem um viés político considerável. Não
porque sofremos interferência política, mas porque as decisões tomadas
aqui têm essa repercussão". Pelas provas que estão nos autos,
além das delações premiadas dos marqueteiros João Santana e Monica Moura
que foram acrescentadas a eles, é impossível não constatar que houve
abuso de poder econômico na campanha de 2014, com a utilização de
dinheiro desviado de obras públicas por diversas empreiteiras.
A
falta de responsabilidade do vice-presidente Michel Temer, constatada
pelo Procurador-Geral Eleitoral, pode levar a uma decisão majoritária
que possibilite a absolvição de Temer e a condenação da ex-presidente
Dilma, o que a levaria a perder os direitos políticos que lhe foram
garantidos quando do seu impeachment por uma decisão tão heterodoxa
quanto seria essa de separar as punições numa chapa que é teoricamente
indivisível. E ainda pode não acontecer nada. Como a ex-presidente Dilma já foi
impedida, arma-se o entendimento de que o processo perdeu o objeto.
Ninguém seria punido, apesar das provas avassaladoras sobre abuso do
poder econômico. Um jeitinho bem brasileiro.
Fonte: Merval Pereira - O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário