Ação controlada, flagrante preparado e a gravação que não é prova
Gravações clandestinas só podem ser usadas em juízo para a pessoa preservar um direito ou se defender de agressão. Ocorre que a questão é política
[o 'estado democrático de direito' vigente no Brasil, especialmente sob a ótica do STF é tão democrático e tão de direito quanto o vigente na União Soviética nos tempos de Stalin.]
Se a questão fosse apenas jurídica,
parece não haver muita dúvida, do ponto de vista penal, que as “provas” —
chamemos a coisa assim enquanto não se tem mais informação — obtidas
pelos irmãos Wesley e Joesley Batista são ilegais.
Por quê?
A Justiça só aceita como provas
gravações clandestinas — um dos lados não sabe que a conversa está sendo
registrada — quando a pessoa as apresenta em defesa própria (para
preservar seu próprio direito) ou para se proteger de um criminoso —
extorsão, por exemplo.
Até onde se sabe, as gravações dos
irmãos Batista não se encaixam nem em uma coisa nem em outra — tanto no
caso de Aécio como no de Temer. Os agentes da gravação nem tentam se
proteger de bandidos nem manter intactos seus direitos. Como eles próprios participam da conversa, não se trata de crime. Mas também não se produz prova.
“Ação controlada”
A Lei 12.850, de 2013, traz, na Seção II, as regras da chamada ação controlada.
Transcrevo seus termos.
Art. 8º – Consiste a ação
controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa
à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde
que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se
concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de
informações.
- 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.
- 2º A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada.
- 3º Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.
- 4º Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada.
Vamos ver
O que se viu nos dois casos foi uma ação controlada ou um flagrante preparado?
O que se viu nos dois casos foi uma ação controlada ou um flagrante preparado?
Acho que foi flagrante preparado. Que
tipo de gente marca uma audiência com o presidente da República e leva
junto um instrumento de gravação, induzindo, até onde se percebe — e a
ser tudo verdade —, o presidente a condescender com a compra do silêncio
de um preso?
Vejam lá a transcrição do diálogo no
caso de Temer. O empresário teria anunciado a, digamos, “pensão” a Cunha
e a Lúcio Funaro. E o presidente teria dito “Tem que manter isso,
viu?”. Qual é o problema desse tipo de
procedimento? Joesley sabia o que iria dizer para provocar o
interlocutor, a exemplo de Sérgio Machado, mas o interlocutor não.
Num caso assim — INSISTO: PRECISAMOS
OUVIR AS GRAVAÇÕES —, e a ser como dizem, o que Temer poderia responder?
“Parem com isso imediatamente!”? Convenham: iria se comportar como se
fosse chefe da turma.
No caso de Aécio, note-se outra vez, não
existe — até agora ao menos — evidência de crime. “Ah, por que ele
pediria o dinheiro a Joesley?” Bem, há infinitas respostas para isso que
não são criminosas. [e a irmã de Aécio que está presa preventivamente devido suspeitas de que pediu dinheiro a um dos irmãos Batista; nada existe que comprove o tal pedido e mesmo que tenha sido efetuado, pedir dinheiro a alguém não é, a princípio, crime.]
Mas e daí?
A turma não quer nem saber! Vivemos tempos em que sutilezas ou mesmo distinções legais acabam não fazendo a menor diferença. A pressão de grupos organizados contra Temer já começou. A de militantes do PSDB contra Aécio também. E a avalanche não o colhe no seu melhor momento.
A turma não quer nem saber! Vivemos tempos em que sutilezas ou mesmo distinções legais acabam não fazendo a menor diferença. A pressão de grupos organizados contra Temer já começou. A de militantes do PSDB contra Aécio também. E a avalanche não o colhe no seu melhor momento.
A “ação controlada”, mesmo com
características de flagrante preparado, realiza na cabeça de muita gente
aquele momento mágico, catártico, em que o vivente pensa: “Olhe aí! Eu
sempre disse que todo mundo era mesmo ladrão. Ainda bem que sou
honesto”.
E aí, meus caros, pouco importa o que digam esse ou aquele: surge o gostinho de sangue na boca.
Não será a questão legal a definir os próximos passos, mas a questão política.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA
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