Adoção de medidas para evitar situações de
insegurança tem resultado em custos extras e exigido planejamento
Instalação
de geradores de energia para evitar perdas por corte de luz durante operações
militares, mudança nos horários de troca de turno nas fábricas, jornada de
produção encerrada mais cedo, executivos usando uniforme de técnicos ou
operários, restrição de circulação de frota e funcionários em vias de alto
risco, planos para blindar caminhões. A escalada da violência provocou mudanças
na rotina de empresas instaladas no estado, resultando em custos extras e
exigindo planejamento. A adoção de medidas para evitar situações de insegurança
é ainda mais forte entre as multinacionais e os executivos estrangeiros, afirmam
especialistas.
As
empresas com instalações no Rio — sede, fábrica ou centro de distribuição — vêm
recorrendo ainda a serviços especializados em aumentar a segurança para evitar
impactos no faturamento. Grupos de áreas como varejo, comércio eletrônico,
alimentos e bebidas, principais alvos das quadrilhas de roubos de carga, são os
que mais buscam o serviço, destacam consultorias especializadas em segurança. — A
discussão sobre segurança na indústria no país ganhou fôlego há dois anos. Mas
vem crescendo em um ritmo que fez o tema voltar a ser uma prioridade para o
setor. No Rio, antes da intervenção federal, já havia estratégias. E elas vão
se intensificando. Temos relatos de que as empresas recomendam a seus
executivos voando em jatos privados a pousarem em ponto seguro e mais distante,
para chegar à cidade de forma mais discreta, sem usar carros caros e
chamativos. Já se recomenda que executivos usem uniformes de técnicos da
empresa, por exemplo — conta Renato da Fonseca, gerente-executivo de pesquisa e
competitividade da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
RESTRIÇÃO
ÀS LINHAS VERMELHA E AMARELA
O setor
produtivo, explica Fonseca, vem pagando um preço elevado pelo aumento da
violência no Rio. Além dos custos diretos, resultantes de perdas por roubos e
atos de vandalismo, existem ainda os gastos com seguro e o reforço da segurança
privada.
—
Atualizando cálculos de 2016, estimamos que a indústria investiu R$ 30 bilhões
em segurança em 2017. Em pesquisa e desenvolvimento, esse montante não passou
de R$ 12,5 bilhões em 2015, que é o dado mais recente disponível no IBGE. Isso
significa que recursos estão sendo retirados de outras frentes, é menos
produtividade, menos emprego e menos renda gerados para garantir segurança —
diz Fonseca.
Para as
multinacionais, há a preocupação com executivos que trabalham no Rio ou têm de
viajar a trabalho, ressalta Thomaz Favaro, especialista da Control Risks,
empresa global de consultoria em avaliação de risco e integridade. As
companhias estão revisando o protocolo de segurança e recorrendo ao uso de carros
blindados para deslocamentos no estado. — As
empresas no Brasil têm que reportar a suas matrizes (no exterior) o aumento da
criminalidade. Em muitos casos, se o funcionário for exposto a uma situação de
risco, a companhia pode ser responsabilizada. Por isso, elas têm que mostrar
que estão tomando medidas de mitigação do risco, como aumento da segurança. A
intervenção aumentou a sensação de que há uma deterioração na segurança pública
do Rio — destaca Favaro.
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A
restrição ao uso de vias importantes do Rio e também do Arco Metropolitano,
inaugurado em 2014 com a meta de melhorar a logística no Estado, é verificada
por uma companhia de rastreamento via satélite. É pedido de diversos clientes
corporativos, muitos deles estrangeiros. — As
empresas estão deixando de pensar em eficiência ao traçar rotas mais longas por
conta da maior segurança. Isso traz um impacto direto nos negócios, com maior
gasto de combustível, por exemplo. Além disso, as seguradoras não fazem mais
seguro para as cargas trafegadas no Rio. Com isso, as empresas tomam o risco e
quem sente o impacto é o consumidor, já que esse custo é repassado — diz Sergio
Duarte, vice-presidente da Firjan.
Com
centro de distribuição em Madureira, na Zona Norte, e fábrica em Queimados, na
Baixada Fluminense, a Piraquê já gasta em torno de R$ 1,5 milhão por ano com
segurança, sem considerar vendas perdidas devido a roubo de carga, conta
Alexandre Colombo, diretor de marketing da empresa: —
Dobramos o efetivo na escolta dos caminhões. Mas os roubos, mesmo com a
intervenção, persistem. Já tivemos seis ou sete este ano. Em 2017, houve ao
menos um por semana. Foram 53 no ano. Gastamos 70% mais para renovar o seguro
da carga.
Os
cuidados não se restringem aos gastos com segurança. Uma empresa internacional
do setor de petróleo, por exemplo, já recomendou aos funcionários evitar o uso
das pistas laterais da Rodovia Presidente Dutra devido aos assaltos. No braço
de uma multinacional americana, os funcionários não podem passar pelas linhas
Amarela ou Vermelha ou voar a partir do Galeão. Em casos de extrema
necessidade, aprovados pela administração, é preciso usar transporte blindado. — Tudo
isso gera uma perda financeira e de produtividade. O jeito foi criar uma série
de recomendações aos funcionários, para evitar problemas sérios de segurança.
Na hora do almoço, também orientamos os colaboradores a almoçarem no
restaurante que fica dentro da companhia e não no shopping, que fica perto da
unidade fabril — conta a diretora de uma dessas empresas, que não quis ser
identificada.
A
violência também afugenta negócios. O Magazine Luiza tem perto de 800 filiais
no país e nenhuma no Rio. Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de
Administração do grupo, reconhece que a empresa “tem um débito com o estado”,
pela falta de lojas físicas no mercado fluminense. — Minha
tia, que fundou a empresa, tinha muito medo do Rio de Janeiro. Ela sempre
falava: “No Rio, não é para montar loja por causa da violência”. Mas acho que o
que pesa é que não tivemos uma rede para comprar aqui na época em que estávamos
fazendo isso (em outras regiões). Achamos o Rio um mercado espetacular —
afirmou Luiza durante visita ao Rio na semana passada, admitindo, porém, que
não há previsão de inaugurações no estado.
Na busca
pela redução de riscos, cresce a procura por empresas especializadas em
desenvolver protocolos de segurança. A ICTS Security, consultoria de origem
israelense, com duas centenas de clientes no país, afirma que a procura subiu
200% ao longo do último mês, sobretudo após o anúncio da intervenção federal.
Carlos Guimar, especialista em segurança da ICTS, conta como a operação e o
aumento da violência estão alterando a rotina das empresas. A maior preocupação
dos clientes, explica, é criar um plano de continuidade nos negócios, como
forma de mitigar os riscos com possíveis operações militares e o número de
roubos. —
Propomos mudanças como a troca dos turnos dos funcionários. Isso é algo que já
aconteceu. Em muitos casos, dependendo do local da empresa, os colaboradores
deixam a companhia antes do anoitecer, por exemplo. Outra mudança envolve a
hora em que as empresas recebem a matéria-prima e o momento em que as
mercadorias saem da fábrica. Isso tudo é para evitar perdas no processo. Sem
isso, o faturamento é afetado. Outro ponto importante é o nível de estoque, em
caso de não se conseguir receber material — diz Guimar.
ADIAMENTO
DE PROJETOS
Segundo
Guimar, muitas empresas já encerraram suas operações em algumas áreas do Rio,
como Pavuna, São João de Meriti e Belford Roxo. Na Baixada, o clima é de preocupação,
relatou o executivo de uma grande companhia: — Os
últimos quatro meses foram muito preocupantes, traumáticos. A situação da
segurança saiu do controle. Já há relatos de empresas em áreas de risco em que
milícias cobram valores semanais “em troca” de segurança. Isso é extorsão.
Contratar serviço de segurança aumenta muito os gastos das empresas. Isso pode
afugentar investimentos.
Christino
Áureo, secretário estadual da Casa Civil e Desenvolvimento Econômico, reconhece
o peso da segurança na captação de investimento: — Os
problemas relacionados à segurança pública influenciam as decisões de
investimento não apenas no estado, mas em todas as regiões. Mas as empresas
tomam suas decisões de acordo com avaliações que visam ao médio e longo prazos,
e há um esforço concentrado e integrado hoje, entre as forças federais e
estaduais, para sanear esse problema.
Apesar da
recessão, diz Áureo, o Rio atraiu R$ 5,5 bilhões em investimento nos últimos
dois anos, de 32 empresas que se instalaram ou ampliaram suas instalações no
estado, gerando 7 mil empregos. Mas
Octavio Vaz, sócio da AQ3 Assett, especializada em fundos imobiliários na área
de logística, vê um cenário negativo para os negócios:
— Existe
um claro adiamento de projetos na área de logística. Os investidores estão
esperando terminar a intervenção, com medo de vir ao Rio. Cogitamos desmontar
algumas locações no estado. Com o problema da segurança, o custo sobe demais.
Vias:
Empresas, sobretudo multinacionais, têm orientado funcionários a evitarem
algumas vias do Rio por causa da violência. É o caso das pistas laterais da
Rodovia Presidente Dutra e as linhas Amarela e Vermelha, duas das mais
importantes da cidade
CÓDIGOS
DE CONDUTA
Horários:
Companhias
vêm alterando os turnos de seus funcionários. Dependendo do local da empresa,
os colaboradores devem deixar as instalações antes do anoitecer
Transporte
de cargas: Indústrias
estão alterando os horários em que recebem matérias-primas e o momento de
distribuir suas mercadorias ao varejo. Em geral, tentam evitar o período
noturno e a madrugada. Na maior parte dos casos, essas cargas contam com
reforço de escolta armada e monitoramento em tempo real por companhias especializadas
em segurança
Energia
elétrica:
Consultorias de segurança estão sugerindo que empresas invistam em geradores.
Isso porque, em caso de operação militar nas redondezas, o fornecimento de
eletricidade é suspenso, o que pode afetar os negócios
Estoques:
Empresas
estão reavaliando seus níveis de estoque. O objetivo é evitar que, com as
operações da intervenção, o transporte de mercadorias e insumos sofra atrasos,
gerando perdas financeiras inesperadas no processo fabril ou nas vendas
Uniformes: Executivos e diretores passaram
a usar uniformes iguais aos de funcionários, em algumas situações, como forma
de reduzir a exposição
Blindados: Houve aumento no uso de veículos
blindados para aumentar a segurança no transporte de funcionários de alto
escalão na cidade
MONITORAMENTO
DE VIAS E BLINDAGEM DE VEÍCULOS
Em meio
ao processo de intervenção, alguns segmentos da economia, como os de blindagem
de veículos, geradores de energia e análise de rastreamento de transporte via
satélite, têm uma oportunidade de crescimento. A Associação Brasileira de
Blindagem (Abrablin) afirma que a demanda pela blindagem de veículos no Rio
dobrou nos últimos três anos — na contramão do resto do país. Em 2017, 15.145
veículos foram blindados no país por companhias que integram a entidade, contra
18.865 mil um ano antes. No Rio, porém, o número dobrou. — Essa
retração tem a ver com o cenário econômico do país. São Paulo se preserva como
o mercado mais forte, mas manteve a demanda estável. No Rio, dobrou para 200
veículos por mês, numa demanda que vem principalmente do segmento executivo,
multinacionais e profissionais estrangeiros — conta Marcelo Christiansen,
presidente da entidade.
Ele diz
ainda que aumentaram os gastos das empresas com sistemas de monitoramento de
frotas de caminhões para entregas e logística: — Com a
intervenção, já fizemos reuniões com empresas de transporte interessadas em
blindar seus caminhões para atuar no Rio. Mas é inviável blindar a carroceria.
IMPACTO
NO SETOR PRODUTIVO
Fábio
Rovêdo de Melo, diretor da blindadora Concept, diz que, no segmento
corporativo, a demanda para blindar automóveis subiu 20% no Rio em 2017: — A
demanda vem das empresas. O consumidor final está com menos dinheiro por causa
da crise. A blindagem de um sedã demora 30 dias e custa, em média, R$ 52 mil no
nível 3A de proteção, resistente a armas de mão. Para resistir a um fuzil, só
no nível 3, mas o custo é quatro ou cinco vezes maior.
Outra
preocupação das empresas diz respeito ao fornecimento de energia. Como em casos
de operações militares o serviço de luz é desligado, consultorias vêm
recomendando o investimento em geradores. — As
empresas já estão investindo em geradores de energia. Uma empresa não pode
parar simplesmente porque acabou a energia elétrica. A intervenção é bem vista
pelo mercado corporativo. Mas as operações militares terão impacto nas
atividades do setor produtivo, mesmo que seja algo momentâneo. E o impacto
econômico já é muito grande — pondera Carlos Guimar, especialista em segurança
da ICTS Security.
Na última
semana, Light e Enel informaram que o próprio consumidor deverá arcar com os
custos em caso de avarias em eletroeletrônicos ou eletrodomésticos causados
pelo corte de fornecimento de energia derivados de ações militares decorrentes
da intervenção.
O roubo
de carga é outro impulsionador de mudanças nas empresas. Somente no ano
passado, houve alta de 7,3% nas ocorrências, para 9.874, causando um prejuízo
de R$ 607,1 milhões, segundo dados da Firjan, que reúne as principais
indústrias do Rio. Sergio Duarte, vice-presidente da instituição, destaca que
muitas dessas companhias estão evitando trafegar por vias como Avenida Brasil,
Rodovia Presidente Dutra e em cidades como São Gonçalo.
O cuidado
com as rotas se reflete ainda na maior procura por empresas que fazem o
monitoramento via satélite de veículos e que contam com sistemas de
inteligência em tempo real. — Muitas
companhias estão aumentando a contratação de serviços de inteligência que monitoram
em tempo real as vias do Rio e vão enviando alertas para os clientes. Assim, se
uma empresa recebe a orientação de que há incidentes em determina via, a rota é
alterada — conta Thomaz Favaro, especialista da consultoria Control Risks.
O Globo
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