Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER

domingo, 11 de março de 2018

Com violência, empresas do Rio alteram rotina e adotam novos códigos de conduta


Adoção de medidas para evitar situações de insegurança tem resultado em custos extras e exigido planejamento

Instalação de geradores de energia para evitar perdas por corte de luz durante operações militares, mudança nos horários de troca de turno nas fábricas, jornada de produção encerrada mais cedo, executivos usando uniforme de técnicos ou operários, restrição de circulação de frota e funcionários em vias de alto risco, planos para blindar caminhões. A escalada da violência provocou mudanças na rotina de empresas instaladas no estado, resultando em custos extras e exigindo planejamento. A adoção de medidas para evitar situações de insegurança é ainda mais forte entre as multinacionais e os executivos estrangeiros, afirmam especialistas.

As empresas com instalações no Rio — sede, fábrica ou centro de distribuição — vêm recorrendo ainda a serviços especializados em aumentar a segurança para evitar impactos no faturamento. Grupos de áreas como varejo, comércio eletrônico, alimentos e bebidas, principais alvos das quadrilhas de roubos de carga, são os que mais buscam o serviço, destacam consultorias especializadas em segurança. — A discussão sobre segurança na indústria no país ganhou fôlego há dois anos. Mas vem crescendo em um ritmo que fez o tema voltar a ser uma prioridade para o setor. No Rio, antes da intervenção federal, já havia estratégias. E elas vão se intensificando. Temos relatos de que as empresas recomendam a seus executivos voando em jatos privados a pousarem em ponto seguro e mais distante, para chegar à cidade de forma mais discreta, sem usar carros caros e chamativos. Já se recomenda que executivos usem uniformes de técnicos da empresa, por exemplo — conta Renato da Fonseca, gerente-executivo de pesquisa e competitividade da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

RESTRIÇÃO ÀS LINHAS VERMELHA E AMARELA
O setor produtivo, explica Fonseca, vem pagando um preço elevado pelo aumento da violência no Rio. Além dos custos diretos, resultantes de perdas por roubos e atos de vandalismo, existem ainda os gastos com seguro e o reforço da segurança privada.
— Atualizando cálculos de 2016, estimamos que a indústria investiu R$ 30 bilhões em segurança em 2017. Em pesquisa e desenvolvimento, esse montante não passou de R$ 12,5 bilhões em 2015, que é o dado mais recente disponível no IBGE. Isso significa que recursos estão sendo retirados de outras frentes, é menos produtividade, menos emprego e menos renda gerados para garantir segurança — diz Fonseca.

Para as multinacionais, há a preocupação com executivos que trabalham no Rio ou têm de viajar a trabalho, ressalta Thomaz Favaro, especialista da Control Risks, empresa global de consultoria em avaliação de risco e integridade. As companhias estão revisando o protocolo de segurança e recorrendo ao uso de carros blindados para deslocamentos no estado.  — As empresas no Brasil têm que reportar a suas matrizes (no exterior) o aumento da criminalidade. Em muitos casos, se o funcionário for exposto a uma situação de risco, a companhia pode ser responsabilizada. Por isso, elas têm que mostrar que estão tomando medidas de mitigação do risco, como aumento da segurança. A intervenção aumentou a sensação de que há uma deterioração na segurança pública do Rio — destaca Favaro.

MATÉRIA COMPLETA, clique aqui 


A restrição ao uso de vias importantes do Rio e também do Arco Metropolitano, inaugurado em 2014 com a meta de melhorar a logística no Estado, é verificada por uma companhia de rastreamento via satélite. É pedido de diversos clientes corporativos, muitos deles estrangeiros. — As empresas estão deixando de pensar em eficiência ao traçar rotas mais longas por conta da maior segurança. Isso traz um impacto direto nos negócios, com maior gasto de combustível, por exemplo. Além disso, as seguradoras não fazem mais seguro para as cargas trafegadas no Rio. Com isso, as empresas tomam o risco e quem sente o impacto é o consumidor, já que esse custo é repassado — diz Sergio Duarte, vice-presidente da Firjan.

Com centro de distribuição em Madureira, na Zona Norte, e fábrica em Queimados, na Baixada Fluminense, a Piraquê já gasta em torno de R$ 1,5 milhão por ano com segurança, sem considerar vendas perdidas devido a roubo de carga, conta Alexandre Colombo, diretor de marketing da empresa: — Dobramos o efetivo na escolta dos caminhões. Mas os roubos, mesmo com a intervenção, persistem. Já tivemos seis ou sete este ano. Em 2017, houve ao menos um por semana. Foram 53 no ano. Gastamos 70% mais para renovar o seguro da carga.

Os cuidados não se restringem aos gastos com segurança. Uma empresa internacional do setor de petróleo, por exemplo, já recomendou aos funcionários evitar o uso das pistas laterais da Rodovia Presidente Dutra devido aos assaltos. No braço de uma multinacional americana, os funcionários não podem passar pelas linhas Amarela ou Vermelha ou voar a partir do Galeão. Em casos de extrema necessidade, aprovados pela administração, é preciso usar transporte blindado.  — Tudo isso gera uma perda financeira e de produtividade. O jeito foi criar uma série de recomendações aos funcionários, para evitar problemas sérios de segurança. Na hora do almoço, também orientamos os colaboradores a almoçarem no restaurante que fica dentro da companhia e não no shopping, que fica perto da unidade fabril — conta a diretora de uma dessas empresas, que não quis ser identificada.

A violência também afugenta negócios. O Magazine Luiza tem perto de 800 filiais no país e nenhuma no Rio. Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do grupo, reconhece que a empresa “tem um débito com o estado”, pela falta de lojas físicas no mercado fluminense. — Minha tia, que fundou a empresa, tinha muito medo do Rio de Janeiro. Ela sempre falava: “No Rio, não é para montar loja por causa da violência”. Mas acho que o que pesa é que não tivemos uma rede para comprar aqui na época em que estávamos fazendo isso (em outras regiões). Achamos o Rio um mercado espetacular — afirmou Luiza durante visita ao Rio na semana passada, admitindo, porém, que não há previsão de inaugurações no estado.

Na busca pela redução de riscos, cresce a procura por empresas especializadas em desenvolver protocolos de segurança. A ICTS Security, consultoria de origem israelense, com duas centenas de clientes no país, afirma que a procura subiu 200% ao longo do último mês, sobretudo após o anúncio da intervenção federal. Carlos Guimar, especialista em segurança da ICTS, conta como a operação e o aumento da violência estão alterando a rotina das empresas. A maior preocupação dos clientes, explica, é criar um plano de continuidade nos negócios, como forma de mitigar os riscos com possíveis operações militares e o número de roubos. — Propomos mudanças como a troca dos turnos dos funcionários. Isso é algo que já aconteceu. Em muitos casos, dependendo do local da empresa, os colaboradores deixam a companhia antes do anoitecer, por exemplo. Outra mudança envolve a hora em que as empresas recebem a matéria-prima e o momento em que as mercadorias saem da fábrica. Isso tudo é para evitar perdas no processo. Sem isso, o faturamento é afetado. Outro ponto importante é o nível de estoque, em caso de não se conseguir receber material — diz Guimar.


ADIAMENTO DE PROJETOS
Segundo Guimar, muitas empresas já encerraram suas operações em algumas áreas do Rio, como Pavuna, São João de Meriti e Belford Roxo. Na Baixada, o clima é de preocupação, relatou o executivo de uma grande companhia:  — Os últimos quatro meses foram muito preocupantes, traumáticos. A situação da segurança saiu do controle. Já há relatos de empresas em áreas de risco em que milícias cobram valores semanais “em troca” de segurança. Isso é extorsão. Contratar serviço de segurança aumenta muito os gastos das empresas. Isso pode afugentar investimentos.

Christino Áureo, secretário estadual da Casa Civil e Desenvolvimento Econômico, reconhece o peso da segurança na captação de investimento: — Os problemas relacionados à segurança pública influenciam as decisões de investimento não apenas no estado, mas em todas as regiões. Mas as empresas tomam suas decisões de acordo com avaliações que visam ao médio e longo prazos, e há um esforço concentrado e integrado hoje, entre as forças federais e estaduais, para sanear esse problema.

Apesar da recessão, diz Áureo, o Rio atraiu R$ 5,5 bilhões em investimento nos últimos dois anos, de 32 empresas que se instalaram ou ampliaram suas instalações no estado, gerando 7 mil empregos.  Mas Octavio Vaz, sócio da AQ3 Assett, especializada em fundos imobiliários na área de logística, vê um cenário negativo para os negócios:
— Existe um claro adiamento de projetos na área de logística. Os investidores estão esperando terminar a intervenção, com medo de vir ao Rio. Cogitamos desmontar algumas locações no estado. Com o problema da segurança, o custo sobe demais.
Vias: Empresas, sobretudo multinacionais, têm orientado funcionários a evitarem algumas vias do Rio por causa da violência. É o caso das pistas laterais da Rodovia Presidente Dutra e as linhas Amarela e Vermelha, duas das mais importantes da cidade

CÓDIGOS DE CONDUTA
Horários: Companhias vêm alterando os turnos de seus funcionários. Dependendo do local da empresa, os colaboradores devem deixar as instalações antes do anoitecer
Transporte de cargas: Indústrias estão alterando os horários em que recebem matérias-primas e o momento de distribuir suas mercadorias ao varejo. Em geral, tentam evitar o período noturno e a madrugada. Na maior parte dos casos, essas cargas contam com reforço de escolta armada e monitoramento em tempo real por companhias especializadas em segurança
Energia elétrica: Consultorias de segurança estão sugerindo que empresas invistam em geradores. Isso porque, em caso de operação militar nas redondezas, o fornecimento de eletricidade é suspenso, o que pode afetar os negócios
Estoques: Empresas estão reavaliando seus níveis de estoque. O objetivo é evitar que, com as operações da intervenção, o transporte de mercadorias e insumos sofra atrasos, gerando perdas financeiras inesperadas no processo fabril ou nas vendas
Uniformes: Executivos e diretores passaram a usar uniformes iguais aos de funcionários, em algumas situações, como forma de reduzir a exposição
Blindados: Houve aumento no uso de veículos blindados para aumentar a segurança no transporte de funcionários de alto escalão na cidade

MONITORAMENTO DE VIAS E BLINDAGEM DE VEÍCULOS
Em meio ao processo de intervenção, alguns segmentos da economia, como os de blindagem de veículos, geradores de energia e análise de rastreamento de transporte via satélite, têm uma oportunidade de crescimento. A Associação Brasileira de Blindagem (Abrablin) afirma que a demanda pela blindagem de veículos no Rio dobrou nos últimos três anos — na contramão do resto do país. Em 2017, 15.145 veículos foram blindados no país por companhias que integram a entidade, contra 18.865 mil um ano antes. No Rio, porém, o número dobrou. — Essa retração tem a ver com o cenário econômico do país. São Paulo se preserva como o mercado mais forte, mas manteve a demanda estável. No Rio, dobrou para 200 veículos por mês, numa demanda que vem principalmente do segmento executivo, multinacionais e profissionais estrangeiros — conta Marcelo Christiansen, presidente da entidade.

Ele diz ainda que aumentaram os gastos das empresas com sistemas de monitoramento de frotas de caminhões para entregas e logística:  — Com a intervenção, já fizemos reuniões com empresas de transporte interessadas em blindar seus caminhões para atuar no Rio. Mas é inviável blindar a carroceria.


IMPACTO NO SETOR PRODUTIVO
Fábio Rovêdo de Melo, diretor da blindadora Concept, diz que, no segmento corporativo, a demanda para blindar automóveis subiu 20% no Rio em 2017: — A demanda vem das empresas. O consumidor final está com menos dinheiro por causa da crise. A blindagem de um sedã demora 30 dias e custa, em média, R$ 52 mil no nível 3A de proteção, resistente a armas de mão. Para resistir a um fuzil, só no nível 3, mas o custo é quatro ou cinco vezes maior.

Outra preocupação das empresas diz respeito ao fornecimento de energia. Como em casos de operações militares o serviço de luz é desligado, consultorias vêm recomendando o investimento em geradores.  — As empresas já estão investindo em geradores de energia. Uma empresa não pode parar simplesmente porque acabou a energia elétrica. A intervenção é bem vista pelo mercado corporativo. Mas as operações militares terão impacto nas atividades do setor produtivo, mesmo que seja algo momentâneo. E o impacto econômico já é muito grande — pondera Carlos Guimar, especialista em segurança da ICTS Security.

Na última semana, Light e Enel informaram que o próprio consumidor deverá arcar com os custos em caso de avarias em eletroeletrônicos ou eletrodomésticos causados pelo corte de fornecimento de energia derivados de ações militares decorrentes da intervenção.

O roubo de carga é outro impulsionador de mudanças nas empresas. Somente no ano passado, houve alta de 7,3% nas ocorrências, para 9.874, causando um prejuízo de R$ 607,1 milhões, segundo dados da Firjan, que reúne as principais indústrias do Rio. Sergio Duarte, vice-presidente da instituição, destaca que muitas dessas companhias estão evitando trafegar por vias como Avenida Brasil, Rodovia Presidente Dutra e em cidades como São Gonçalo.

O cuidado com as rotas se reflete ainda na maior procura por empresas que fazem o monitoramento via satélite de veículos e que contam com sistemas de inteligência em tempo real.  — Muitas companhias estão aumentando a contratação de serviços de inteligência que monitoram em tempo real as vias do Rio e vão enviando alertas para os clientes. Assim, se uma empresa recebe a orientação de que há incidentes em determina via, a rota é alterada — conta Thomaz Favaro, especialista da consultoria Control Risks.

O Globo

Nenhum comentário: