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sexta-feira, 23 de março de 2018

STF - [sob nova denominação = STL] - protege Lula contra jurisprudência do STF


O Supremo Tribunal Federal esteve mais surrealista do que o habitual nesta quinta-feira. Reunido para julgar um habeas corpus de Lula, decidiu adiar a decisão para 4 de abril. Mas havia o risco de Lula ser preso a partir de segunda-feira. Então, por 6 votos a 5, o Supremo proibiu o TRF-4 de aplicar contra Lula a resolução do próprio Supremo que autoriza o encarceramento de condenados na segunda instância. Atingiu-se a suprema esculhambação: o Supremo ofereceu a Lula, pelo período de pelo menos 13 dias, um escudo contra sua própria jurisprudência. Coisa costurada no cafezinho, durante um intervalo da sessão.


A concessão do salvo-conduto que livra Lula de uma ordem de prisão de Sergio Moro, liberando-o para passar a Páscoa com os netos, foi precedida de um exaustivo debate hamletiano: tomar conhecimento ou desconhecer o habeas corpus?, eis a questão. Por um placar de 7 a 4, a maioria decidiu que o pedido de Lula deveria, sim, ser julgado. Mas a discussão se arrastou por mais de quatro horas. E já era noite. Marco Aurélio precisava tomar um avião. Ricardo Lewandowski tinha compromisso. Exausto, o Supremo optou por não resolver nada —exceto servir refresco a Lula.


Relator do habeas corpus, Edson Fachin já havia negado aos advogados de Lula duas liminares. Antes, o habeas corpus fora indeferido um par de vezes pelo Superior Tribunal de Justiça primeiro em decisão individual, depois por um colegiado de cinco ministros —decisão unânime. Fachin recordou aos colegas que, em 2016, o plenário do Supremo autorizou a prisão em segunda instância em um, dois, três julgamentos. Embora um pedaço da Corte sonhe com a reversão da jurisprudência, ela continua vigorando.

“Ressalto que, até o momento, não há neste plenário colegiado orientação majoritária que tenha alterado esses três julgamentos”, disse Fachin. “E não havendo modificação daquela orientação expressa na apreciação das medidas cautelares e também a repercussão geral, das quais resultei vencedor, em homenagem à colegialidade, deferir a liminar neste momento seria subverter esses três julgamentos do colegiado”.


Alexandre de Moraes ecoou Fachin: “Entendo que conceder essa medida liminar pleiteada agora, em verdade, é conceder uma liminar contra a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”


Luís Roberto Barroso foi na mesma toada: “Eu não considero irrelevante que é ex-presidente da República. Republicanamente, deve ser tratado como qualquer brasileiro. E não tenho conforto de abrir exceção nesse caso de uma jurisprudência em vigor. Eu sinceramente não vejo razão da concessão de medida liminar.”


E Luis Fux: “Tendo em vista que a nossa jurisprudência ainda autoriza a execução [da prisão em segunda instância], eu não fico confortável em ter uma posição de mérito já manifestada e conceder essa medida.”.


Cármen Lúcia, a presidente da Corte, seguiria a posição dos quatro colegas. Mas Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello optaram por colocar os interesses de um condenado em duas instâncias acima da jurisprudência da Suprema Corte. Alegaram que há precedentes que autorizam a extravagância. Mas não se dignaram a mencionar um mísero caso.

“Tem precedente, só que não me lembro agora o número do processo”, disse Rosa Weber. Ela realçou que não se pode prejudicar o autor do pedido de habeas corpus por conta da incapacidade do Supremo de deliberar. Como se Lula estivesse prestes a se tornar vítima de grave injustiça.Já concedemos liminar, infelizmente não lembro o número do processo”, insistiu Rosa. Gilmar Mendes e Celso de Mello também mencionaram os tais precedentes, sem especificá-los.


Embora se declarasse “absolutamente confortável” em fornecer a Lula proteção contra uma jurisprudência que ajudou a criar no Supremo, Gilmar invocou em sua defesa um argumento inusitado: “Estou absolutamente confortável, porque é difícil me imputar simpatia pelo PT.” Resta saber se o magistrado cogita declarar-se suspeito quando lhe chegarem às mãos processos do interesse de amigos como Michel Temer, Aécio Neves ou José Serra.


Chega um momento na vida em que as pessoas precisam tomar uma decisão definitiva. Não se trata de uma escolha qualquer. Não é como escolher uma gravata ou um vestido entre muitos. É bem mais do que isso. É como escolher uma personalidade entre muitas. Os ministros do Supremo vivem um desses momentos.  Se mantiverem a regra da prisão em segunda instância, permitindo que a lei alcance os poderosos da República, estarão fazendo a coisa sensata. Impedirão que a Lava Jato seja afundada por uma sequência de casuísmos. Se restabelecerem a sistemática que permite a corruptos endinheirados recorrerem em liberdade até a prescrição dos crimes, a única coisa que os ministros do Supremo têm a fazer é mandar abrir as portas das cadeias, soltando os mais de 220 mil brasileiros que mofam atrás das grades sem nenhum julgamento.


Nos últimos tempos, sempre que é convocado a optar entre o interesse público e a conveniência política, o Supremo decepciona. Dobrou-se para Renan Calheiros. Ajoelhou-se diante de Aécio Neves… Os magistrados tinham uma nova chance para demonstrar sua supremacia. Impor a lei a Lula seria um ótimo começo.  Entretanto, um ministro precisou viajar. Outro tinha compromisso inadiável. Trabalhar na sexta-feira estava fora de cogitação. Suspender o feriadão hipertrofiado da Páscoa, nem pensar. Melhor congelar o habeas corpus de Lula e livrar o condenado de Sergio Moro até que a regra da prisão em segundo grau seja revogada. A maioria do Supremo já decidiu o que deseja ser. E não é boa coisa.


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