Tão essencial quanto reformar as instituições,
recompor a tropa, recuperar viaturas e combater a corrupção nas polícias é
sanear o sistema penitenciário fluminense
O
interventor federal na segurança do Rio, general Walter Braga Netto, decidiu
tocar num ponto crucial — o sistema penitenciário —, mas que,
contraditoriamente, não costuma entrar no foco das autoridades públicas. Talvez
porque, em geral, impere a tese de que quanto menos mexer nesse setor, melhor.
Mas Braga Netto sabe que, para pôr a casa em ordem, não há como ignorar área
tão estratégica. Afinal, o Estado do Rio tem 51 mil presos e déficit estimado
de 22 mil vagas. Não é por outra razão que, como mostrou reportagem do GLOBO na
edição da última segunda-feira, dos seus 92 atos administrativos publicados no
Diário Oficial, 47 (ou 51%) estão de alguma forma relacionados à reestruturação
da Secretaria Especial de Administração Penitenciária (Seap).
A maior
mudança é traduzida por um decreto que acaba com as diferenciações entre as
unidades. Ou seja, as 12 penitenciárias ou cadeias públicas que antes recebiam
apenas presos provisórios foram transformadas em presídios, podendo abrigar
também condenados. Com a medida, 3,8 mil detentos estão sendo transferidos para
outros endereços. O governo não sabe ainda quantas vagas serão criadas com a
reestruturação do sistema, mas aposta que ela solucionará em parte o déficit
atual, atenuando o grave problema da superlotação. O secretário de
Administração Penitenciária, David Anthony Gonçalves Alves, afirma que a
reformulação dará mais flexibilidade para mover os internos. “Hoje não posso
contar, no curto prazo, com a criação de novas vagas. Então tenho que
redirecionar ou gerenciar melhor as que tenho”, argumenta.
Os
presídios constituem uma questão sensível não apenas pelo fato de reunir presos
de facções rivais num caldeirão que parece sempre prestes a explodir. É de
dentro das cadeias que detentos comandam muitos dos crimes cometidos fora dos
muros das penitenciárias. De suas celas, dão ordens para execuções, sequestros
e invasões de comunidades, fato que é de conhecimento público. Um ex-PM e
miliciano que está preso em Bangu 9 é apontado por uma testemunha como um dos
envolvidos no assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu
motorista, Anderson Gomes, como revelou O GLOBO. Os
desacertos se estendem também aos processos de gestão.
A secretaria de
Administração Penitenciária foi alvo da Operação Pão Nosso, desdobramento da
Lava-Jato, deflagrada em março deste ano. Segundo o Ministério Público, entre
2010 e 2015, um esquema de corrupção desviou R$ 44,7 milhões em contratos para
fornecimento de lanches a presídios do estado. Portanto,
no processo de reestruturação da segurança fluminense, que tem como desafio
reduzir índices intoleráveis de violência, tão essencial quanto reformar
instituições, recompor a tropa, recuperar viaturas e combater a corrupção nas
polícias é sanear os presídios, sem dúvida um dos pontos cardeais da
criminalidade.
Editorial - O Globo
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