Barbosa diz bobagens assombrosas ao deixar a condição de pré-candidato. Mas uma coisa fica: o país que o viu como viável está encalacrado
Se alguém quer saber o bem que Joaquim
Barbosa fez ao Brasil ao desistir de sua candidatura à Presidência da
República, que leia a entrevista que
o valente concedeu ao jornal “Valor Econômico”. É um assombro. O doutor
não se entende nem com os termos técnicos do debate. A razão por que
diz não crer que “esta eleição mude o país” pode ser tomada em sentido
mais geral. Na verdade, ele não crê que o processo eleitoral tenha
serventia para a mudança que ele imagina, seja lá qual for.
Barbosa tem uma visão do Brasil que eu
ousaria chamar ser a de um estrangeiro. O que será que ele quer dizer ao
afirmar que “o Brasil tem problemas estruturais gravíssimos,
sociológicos, históricos, culturais, econômicos”? Digam-me cá: qual
país, nessa perspectiva, não os tem? Ademais, o que quer diz “um problema
sociológico”? Isso não existe! É como afirmar que alguém tem um
“problema termológico” se está com febre ou com hipotermia. A sociologia
oferece um conjunto de ferramentas de análise. E olhem que nem se pode
associá-la a um termômetro porque este é um instrumento de medição
objetiva. A sociologia depende, em grande medida, das escolhas feitas
pelo sociólogo, das suas crenças, da sua ideologia. Onde um “estudioso”
vê um problema, outro, podem acreditar, enxerga uma solução. E, a rigor,
o mesmo se pode dizer mesmo da economia. Há correntes de pensamento
que preferem um pouco mais de inflação com um pouco mais de crescimento.
E há os que, e me alinho com estes, entendem que piscar para o processo
inflacionário corresponde a flertar com o desastre. Há quem queira mais
estado na economia; há quem prefira menos.
Isso expõe a visão deformada que Barbosa
tem do país, do direito, das instituições. Ele enxerga a realidade
segundo o prisma do defeito, do que tem ter de ser corrigido para
deixá-la a seu gosto, do que nos falta… Pessoas com esse viés, quando
políticas, tendem a fazer grandes besteiras. Por quê? Porque veem o
mundo apenas como uma deformação. Nem mesmo se sentem parte do problema
que detectam; veem-no com distanciamento. As pessoas reais viram meros
objetos de suas estripulias ligadas à engenharia social. Ele dá a entender que uma das razões de
ter desistido está no fato de que há candidatos que querem aprofundar as
desigualdades sociais e de que estes se uniriam contra a sua
candidatura. Entendi. Os outros encarnam “o mal”, e ele, Barbosa, o
“bem”. Assim, o Mal se uniria contra o Bem. Corajosamente, então, ele
decide cair fora.
A entrevista constitui uma formidável
coleção de bobagens. Que ele tenha sido considerado pré-candidato e que
tenha, com efeito, seduzido muita gente — tinha, acreditem!, potencial
de disputar o segundo turno — indica a porcaria que se está fazendo com a
política. Barbosa não é causa de nada. Ele é sintoma. É um sinal dos
anos que vêm pela frente. E, acreditem!, não serão fáceis enquanto não
aprendermos a conciliar o necessário trabalho da polícia com o vital
exercício da política.
Quanto ao olhar estrangeiro, dizer o
quê? Procurador da República, ele pediu licença em 1988 e foi estudar na
França. Quatro anos depois, veio à luz sua tese de doutorado: “A
Suprema Corte e o Sistema Político Brasileiro”. Redigida, originalmente,
em francês, o que pode nos dizer bem seu… francês. Não deixa de ser
notável que alguém decida ficar quatro anos em Paris para tentar
entender direitinho o que se passa com o sistema político brasileiro e
seu tribunal constitucional. Mas entendo: o alarido da brasileira
certamente comprometia a sua concentração. Paris, para essas coisas, é
bem melhor. Afinal, os franceses não têm nossos “problemas sociológicos”
Aquele que nem veio já vai tarde. Até
porque, convenham: vai que ele resolvesse todos os tais problemas. A
sociologia no Brasil chegaria ao fim.
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