Não há ‘meio ditador’, mas Geisel foi um ditador que operou pelo fim da ditadura
Tudo nestes tempos revoltos vira uma guerra insana e até cruel na
internet e é exatamente esse o caso, agora, da bombástica revelação da
CIA de que o então presidente Ernesto Geisel transformou a execução de
opositores em política de Estado. Isso mexe com as mais profundas
feridas e as mais arraigadas ideologias, mas a radicalização, para
qualquer lado, continua sendo o pior caminho.
Como ponderou o presidente Michel Temer, em conversa comigo na
sexta-feira, não se trata de uma versão nacional, mas da CIA, e nem tudo
o que a CIA diz é necessariamente verdade. Acrescente-se: os Estados
Unidos invadiram e aniquilaram o Iraque, sem aval do Conselho de
Segurança da ONU, com base na informação da sua agência de inteligência
de que Saddam Hussein desenvolvia sofisticadas armas químicas e
biológicas. Foi um erro grosseiro. Ou uma mentira intencional. [nem sempre as informações da CIA retratam a verdade;
a CIA é antes de tudo uma agência de inteligência mas que também opera na contra informação e é extremamente simples divulgar determinado memorando, que vai parar nas mãos de pessoa não confiável, que o divulga de forma deturpada.
Além do que não pode ser olvidado que o Brasil vivia uma situação de guerra, uma guerra suja - e a sujeira era consequência das ações covardes dos terroristas (procurem se informar sobre um dos mentores do terrorismo: Marighella - verão que em nada pensado por um verme daquela laia pode haver lealdade, dignidade, honra.)
Agora mesmo a turma pró esquerda trouxe de volta o que tentam passar como um argumento que prova que Vladimir Herzog foi assassinado no DOI-CODI - tentam desmentir a versão oficial, e verdadeira, de que Herzog se suicidou.
Que fazem: alegam que a verdadeira causa da morte de Herzog se tornou conhecida, visto que que o atestado de óbito, segundo os esquerdistas de plantão, forjado por um médico foi substituído por um verdadeiro.
O considerado verdadeiro aponta como causa da morte do jornalista ''lesões e maus-tratos sofridos durante o
interrogatório nas dependências do segundo Exército DOI-Codi'' enquanto o anterior (segundo a esquerda, forjado) dava como causa da morte "enforcamento por asfixia mecânica''.
A turma que defende a esquerda pode ser tudo menos burra e qualquer imbecil com alguma lucidez sabe que em um atestado de óbito deve constar a causa da morte e não a causa de causa de morte.
FATO: a causa da morte do jornalista Vladimir Herzog segundo laudo oficial foi
"enforcamento por asfixia mecânica'' e ninguém discute que asfixia causa a morte de qualquer ser vivo.
O enforcamento também pode causar a quebra do pescoço da vítima. Assim, é inequívoco que uma pessoa que seja enforcada morrerá por asfixia mecânica (constrição), ou por quebra do pescoço ou ambas as causas.
"lesões e maus-tratos sofridos durante o
interrogatório nas dependências do segundo Exército DOI-Codi'' - ou em qualquer outro local - jamais podem causar a morte de alguém.
Um ser humano pode levar porrada por dias e dias, sofrer maus tratos por dias e dias e simplesmente não morrer - na hipótese, as porradas e outros maus tratos causaram lesões de gravidade leve ou média, não suficientes para levar à morte.
O que mata a pessoa, ainda na hipótese, é se as lesões e maus tratos forem de grande gravidade, que causem danos a órgãos vitais, ou prive a pessoa de funções vitais, levando-a a óbito.
Em suma: Vladimir Herzog morreu por enforcamento por asfixia mecânica;
jamais morreu por lesões e maus tratos - tais lesões e maus tratos, se houve, causaram a asfixia mecânica que foi a verdadeira causa da morte.
A digressão é apenas para mostrar que se a esquerda é capaz de transformar a causa da causa mortis para acusar os militares, também são capazes de considerar verdade Bíblica um documento da CIA.]
O documento trazido à luz pelo professor Matias Spektor é uma nova
frente de pesquisa sobre a verdadeira identidade e os reais propósitos
do governo Geisel. Mas funciona como uma delação premiada: é uma versão,
precisa ser recheada de provas. Dúvidas: como a reunião e a decisão de
Geisel jamais vazaram no próprio Brasil?
Por que um ou mais generais
envolvidos contariam justamente para os norte-americanos, se eles se
baseavam no velho nacionalismo que exalava ojeriza aos EUA? Para agradar
a Washington?
Mas, “se non é vero, é ben trovato”. Apesar da “distensão lenta,
gradual e segura” de Geisel, a ditadura continuou executando e
torturando os adversários – ou “subversivos perigosos”, como registra a
CIA.
Presidentes não são obrigados a saber tudo (assim como Lula nunca
soube do mensalão?) e Geisel poderia até não saber de uma ou duas
mortes. Mas de tantas? Ele demitiu o general Ednardo D’Ávila Mello após o
assassinato de Wladimir Herzog, mas pelas mortes e torturas? Ou porque
ele desafiava a abertura e o que o então presidente mais prezava: sua
autoridade?
O fato é que o documento atinge profundamente a biografia de Geisel,
com quem eu conversava uma a duas vezes por ano, depois da Presidência. E
ele sempre com muito cuidado de não se vender como o “mocinho” lutando
contra os “bandidos” do seu próprio regime. Criticava genericamente a
“linha dura”, mas nunca foi enfático, indignado, contra seus métodos.
Subliminarmente, era como se fossem um “mal necessário”.
A partir da CIA, há dois personagens num só: o ditador determinado a
devolver o País aos civis e o pragmático convencido de que tinha de
dançar conforme a música dominante no regime: a favor de matar e
torturar, inclusive quase meninos, em nome do combate ao comunismo. Esse
confronto entre as intenções de Geisel e sua submissão ao regime é
claro na obra magistral de Elio Gaspari sobre a ditadura. E foi bem
resumido, ontem, por Spektor: “O que Geisel fez foi chamar para si a
responsabilidade (da repressão), para poder abrir”.
Ceder para avançar.
Seria mais fácil, e aplaudido, escrever um texto apaixonado contra o
ditador assassino ou, muitíssimo pior, em defesa da guerra contra o
comunismo. A política e a história, porém, não se fazem com paixão. Se
comprovada, a informação da CIA derruba Geisel do pedestal de quem
jamais compactuou com os “desaparecimentos”. Mas não apaga a realidade
de que ele efetivamente se empenhou pela abertura. Não existe “meio
ditador”, mas Ernesto Geisel foi um ditador que operou para derrubar a
ditadura.
Que o documento da CIA reabra serenamente a Comissão da Verdade e o
debate sobre o reconhecimento de responsabilidade das Forças Armadas,
como defende seu último presidente, Pedro Dallari. A verdade às vezes
dói, mas nada como a verdade para curar velhas e evitar futuras feridas. [a Comissão da Verdade não pode ser reaberta pelo simples fato que foi extinta por força de determinação legal; podem, caso queiram, até criar uma outra, mas jamais vão conseguir tornar verdadeiro o que são apenas boatos.
A verdade exige um pequeno detalhe: cuida de fatos e para ser fato é necessário que tenha ocorrido.]
Eliane Cantanhêde - O Estado de S. Paulo
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