Número de escolas públicas “militarizadas” no país cresce sob o pretexto de enquadrar os alunos
Total de escolas geridas pela PM cresceu 212% em cinco anos. O Sudeste é a única região onde não há colégio militarizado. o primeiro deve ser criado no Espírito Santo
Atualmente, Goiás conta com 46 escolas, com 53 mil alunos, sob
administração da Polícia Militar. Há cinco anos, o estado tinha apenas
oito colégios militares
O dia nos colégios geridos pela Polícia Militar começa com gritos de
guerra, hasteamento da bandeira brasileira e o Hino Nacional
Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
“Quartel”, aliás, é a palavra usada pelos oficiais da Polícia Militar de Goiás para se referir ao Colégio Estadual Waldemar Mundim, na periferia de Goiânia, onde Ítalo cursa o ensino fundamental. A rotina diária dos alunos do Waldemar Mundim é militar, como mostra a “primeira revista” feita por dois militares na porta da escola, que costumam barrar meninas com esmalte nas unhas ou cabelos soltos e rapazes com costeleta fora do padrão ou barba e bigode por fazer.
Especialistas afirmam que o processo de militarização de escolas
públicas é inconstitucional, fere a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação e coloca em risco a capacidade cognitiva dos estudantes - Daniel Marenco / Daniel Marenco
[quando o crítico não tem argumentos, ele opta por dizer que um 'especialista' disse ...]
A “segunda revista” é feita pelos próprios alunos, liderados e auxiliados por PMs. Cada pelotão tem um chefe de turma — responsável pela chamada —, um comandante de companhia e um chefe-geral, que recebe a chamada e a passa para um militar responsável. “Os alunos ajudam a fechar a fiscalização. Olham o cabelo, barba, sapato. Um deles fica encarregado dos atrasados, que são encaminhados para uma segunda chamada. É feita então uma apresentação para o militar que destina cada atrasado para a sala de aula. É como num quartel”, explicou o tenente-coronel Luzimário Guimarães, comandante diretor do Waldemar Mundim.
A sala do tenente-coronel é adornada por 30 cabeças de caveira de plástico e metal. É nesse espaço que ele recebe os pais para tratar das sanções aplicadas aos alunos. Nos dias em que a reportagem de ÉPOCA visitou o colégio, o comandante diretor exibia com orgulho sua nova conquista para reforçar a segurança da escola, que já era patrulhada internamente por militares ostensivamente armados: um recém-implantado sistema de videomonitoramento, que instalou uma câmera em cada sala de aula a fim de controlar os alunos em tempo integral . “Havia muito furto de pulseira, relógio, celular”, disse Guimarães. “Colocamos a câmera para combater esses furtos.”
Há três anos, a realidade do Waldemar Mundim era diferente. O colégio tinha uma gestão civil, além de um grêmio estudantil que organizava apresentações musicais e de dança, bazares, aulas de teatro e almoços comunitários. Todas as atividades eram compartilhadas num blog criado pelos próprios alunos, que atualmente está desativado, assim como o grêmio. A página ainda no ar mostra alguns alunos ostentando barbas e alunas com cabelos levemente pintados, às vezes vestidos com roupas extravagantes e chapéus. Na mesma página, é possível ver como os professores do colégio comemoraram, no final de 2014, a aprovação de mais de 30 alunos do terceiro ano do ensino médio no vestibular. Na lista, havia aprovações em cursos tradicionais da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiânia, como Direito, psicologia, engenharia, fisioterapia, farmácia e economia. O destaque ficou para uma aluna que passou em medicina na UFG.
Em 19 de julho de 2015, depois de um projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa do estado, o então governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), transferiu a gestão do Waldemar Mundim para a PM. Em uma transição que demorou menos de um mês, a direção civil do colégio foi destituída e um coronel da reserva foi indicado para assumi-la. Outros 16 policiais foram escalados para a missão de implantar um novo modelo de ensino, baseado num regimento de 74 páginas escrito pelo Comando de Ensino Policial Militar, subordinado à Secretaria Estadual de Segurança Pública e que tem a Secretaria de Educação apenas como parceira. No mesmo ano em que o Waldemar Mundim foi transferido aos militares, outras 14 escolas de Goiás passaram pelo mesmo processo, e salas e corredores viraram “alas” e “pavilhões”.
Entre as transgressões que não são admitidas nos colégios administrados
pela PM estão, para os garotos, o cabelo comprido e barba ou bigode por
fazer. As meninas precisam usar sempre rabo de cavalo - Daniel Marenco / Agência O Globo
Atualmente, Goiás conta com 46 escolas, com 53 mil alunos, sob administração da Polícia Militar. Há cinco anos, o estado tinha apenas oito colégios militares. De 2013 para cá, 30 escolas foram retiradas da administração civil da Secretaria de Educação e foram transferidas para a PM. Inicialmente, a militarização das escolas estaduais goianas foi justificada pelo governo Perillo como uma medida para atenuar altos índices de violência em áreas de periferia. Ela ganhou impulso e virou bandeira política com a melhoria do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) dos colégios militarizados.
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