Até gravações de reuniões da sigla são enviadas para a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba
Mesmo preso
há mais de cem dias em Curitiba, Lula continua dando as cartas em todas
as movimentações políticas do PT. Graças a uma estrutura montada pela
legenda para permitir rapidez na troca de informações entre a cela na
Superintendência da Polícia Federal e os líderes em São Paulo e Brasília, Lula
consegue delegar tarefas e participar de todas as decisões importantes, do
posicionamento do partido nas eleições estaduais às negociações com aliados na
disputa presidencial. Até gravações de reuniões da sigla ele recebe na prisão.
Lula tem
uma rede de advogados autorizados a visitá-lo. Oito o fazem com regularidade.
Participam desse grupo não só os defensores que atuam no processo criminal, mas
também aliados políticos que têm registro profissional de advogado como
ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão e o coordenador de seu programa de
governo, Fernando Haddad. Nas quintas-feiras, Lula recebe a visita de dois
políticos. Além de dirigentes petistas, já estiveram com ele nesse dia, entre outros,
João Pedro Stédile, do MST, e o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica.
Essa rede
ampla faz com que o entre e sai na sala do petista seja intenso ao longo do
dia. Pela manhã, um advogado costuma levar ao petista um resumo do que foi
publicado de mais importante naquele dia nos jornais e sites de internet. É por
ali que o ex-presidente começa a tomar conhecimento da conjuntura e das
movimentações de potenciais aliados e adversários. Sempre
que uma visita deixa a Superintendência da PF, mensagens escritas a mão pelo
ex-presidente são entregues a Marco Aurélio Ribeiro, de 32 anos, funcionário do
Instituto Lula, que fotografa os bilhetes e os despacha ao destinatário por
aplicativo de troca de mensagem de celular. Em pequenos bilhetes, Lula pede a
lideranças petistas que escrevam relatórios sobre negociações e conjuntura
política de determinado estado. A estrutura montada permite que, algumas vezes,
na tarde do mesmo dia, o relatório já esteja com o chefe. —Ele
acompanha tudo quase em tempo real. Opina sobre toda a movimentação e quer
análises sobre o que está acontecendo — conta um dirigente petista.
GRAVAÇÕES
DE REUNIÕES ENVIADAS A LULA
Lula
também consegue saber a temperatura das discussões no PT. Feitas a cada 15
dias, as reuniões do conselho político informal do partido são gravadas e
enviadas à cela da PF em Curitiba, por meio de pendrive, segundo o mesmo
dirigente. Criado pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, após a prisão do
ex-presidente, o grupo conta com integrantes da executiva nacional, líderes de
movimentos sociais e ex-ministros como Haddad, Aloizio Mercadante e Ricardo
Berzoini.
Quase
nada é feito sem a anuência de Lula. Em 19 de julho, a cúpula do PT se reuniu
com o PCdoB para negociar a aliança na disputa presidencial. Os comunistas se
frustraram porque os petistas não ofereceram a vice. Lula havia orientado que a
definição de quem será o seu parceiro só deve ocorrer mais para frente. — O que
Lula sabe é filtrado. Eles monopolizam — reclama um comunista.
A
presidente do PCdoB, Luciana Santos, queria visitar o ex-presidente numa
quinta-feira, mas o PT não viabilizou o encontro. Um outro
episódio que teve a participação direta de Lula foi a visita de Gleisi e dos
vice-presidentes Márcio Macedo e Paulo Teixeira ao governador de Pernambuco,
Paulo Câmara (PSB), há cerca de duas semanas. Dias antes, o ex-presidente havia
enfatizado aos dirigentes de seu partido que um acordo com o PSB era fundamental
e prioritário. Os petistas saíram de lá com o compromisso público de Câmara de
que defenderá em seu partido um apoio ao candidato do PT.
Lula
barrou ainda, em junho, que Haddad, coordenador do programa de governo, desse
entrevista sobre o documento. A autorização para Haddad falar sobre o assunto
só saiu dia 20, quando Gleisi divulgou os pontos centrais do documento, sem
combinar com o ex-prefeito. No mesmo dia, Haddad foi a Curitiba e recebeu o
aval do chefe para dar entrevistas. Sem Lula,
o partido não tem uma definição sobre quem será o vice se o cenário sem aliança
se confirmar. Apesar de Lula preencher os requisitos para ser enquadrado na Lei
Ficha Limpa, o PT vai registrar a sua candidatura no dia 15 de agosto.
BILHETES
DE EX-PRESIDENTE NÃO PASSAM POR TRIAGEM DA PF
Os
bilhetes com orientações políticas do ex-presidente Lula para os petistas não
precisam passar pela triagem da Polícia Federal porque são transmitidos por
meio de advogados.
— A
comunicabilidade entre o preso e seu advogado é inviolável — lembrou o
ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, quando deixava a carceragem na última
quarta-feira, depois de passar duas horas com Lula e entregar-lhe uma leva de
cartas e documentos.
Naquele
dia, havia sido divulgada uma entrevista em que o pré-candidato do PDT, Ciro
Gomes, dizia ser o único presidenciável capaz de tirar Lula da prisão. E o
empresário Josué Gomes publicava carta aberta com elogios ao projeto de Geraldo
Alckmin (PSDB) para disputar a Presidência. Aragão transmitiu ao partido o pedido
urgente de Lula (“O PT tem que procurar o Josué”) e a indiferença do
ex-presidente às sinalizações positivas de Ciro (“é um sujeito inconstante, um
dia bate, no outro assopra”).
Quem
convive com Lula na PF conta que os dias costumam ser ocupados por visitas de
longa duração e com a porta da cela aberta. As noites estão mais propícias à
leitura e à redação dos bilhetes com orientações. Lula tem costume de reclamar
da falta de precisão do que sai nos jornais. — Falei
uma coisa para o cara ontem, no dia seguinte está no jornal o contrário do que
eu falei! — reclamou, certa vez.
A juíza
da 12ª Vara Federal em Curitiba, Carolina Lebbos, autorizou o ex-presidente a
receber um dispositivo para reprodução de arquivo de música e fone de ouvidos,
mas Lula não precisou receber o aparelho. Escuta música, vê filmes e até mesmo
audiências da Justiça (com alguma impaciência, porque as considera longas
demais) por meio de pendrive que acopla à TV instalada em sua cela.
Sem
contato com outros presos, Lula gosta de conversar com seus carcereiros e
delegados da PF. Já confidenciou aflição por sentir que não vê nome à altura
para substitui-lo como candidato à Presidência. E também já falou do medo de ver
o PT perder espaço e importância por causa da falta de sua foto na urna
eletrônica.
JUÍZA NÃO
SE MANIFESTA
Decidir
sobre as regras relacionadas à prisão de Lula na PF é um desafio para a juíza
Lebbos. Isso porque, embora a Lei de Execuções Penais seja referência para
estabelecimento das regras que regem o encarceramento do ex-presidente, seu
caso não é considerado transitado em julgado (não foram esgotados os recursos).
Redigida
no início dos anos 80, a lei autoriza que o preso mantenha contato com o mundo
exterior apenas “por meio de comunicação escrita, da leitura e de outros meios
de informação que não comprometam a moral e os bons costumes”. O GLOBO
perguntou à juíza se há algum impedimento legal para o ex-presidente receber ou
gravar áudios ou vídeos em sua cela, ou mesmo fazer articulações políticas por
meio de correspondências e mensagens transmitidas a seus advogados e
visitantes. Ela informou que preferia “não se manifestar sobre questões
específicas da execução penal em curso”.
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