Se nada mudar, será possível assistir ao nascimento de um grupo de milionários no serviço público estadual
Três bilhões e meio de dólares já não são o que costumavam ser. Pelo
menos no Espírito Santo, um estado de quatro milhões de habitantes,
industrializado, mas ainda resiliente na pobreza, capaz de encantar
Brasília com a magia do equilíbrio fiscal numa federação à beira da
falência. A burocracia capixaba é pródiga. Exemplo: se nada mudar, a partir do
próximo ano será possível assistir ao nascimento de um grupo de
milionários no serviço público estadual.
Há 23 mil servidores na fila de credores dos cofres estaduais para
receber um total de três bilhões e meio de dólares, ou R$ 14 bilhões.
Equivale a um ano de arrecadação tributária. Entre esses, se destaca um grupo de quatro dezenas de burocratas da
elite estadual. Cada um deles convive com a expectativa judicial de
embolsar mais de 50 milhões de dólares, ou R$ 200 milhões, a título de
“gratificação” por apenas uma dúzia de semanas de serviços prestados ao
estado, há mais de trinta anos. Em 1987, a burocracia local resolveu se dar um prêmio com o dinheiro dos contribuintes.
Por lei, criou uma novidade na floresta de penduricalhos salariais do
setor público — a gratificação de “trimestralidade” no trabalho. Durou
somente três meses, foi revogada, mas os beneficiários ainda estão na
fila dos credores estaduais. A base de cálculo foi inflada. Um integrante da elite burocrática passou
a ter direito a gratificação 1.500 vezes superior à sua remuneração —
isto é, a um prêmio equivalente a 810 meses (67 anos) por 90 dias de
serviço. Quando o caso chegou ao Tribunal de Justiça, em 2008, o juiz Pedro Valls
Feu Rosa escreveu: “Os valores claramente inchados, cristalinamente
incorretos, irreais, tornaram a dívida impagável.” Acrescentou: “Se isto
não é um escândalo, então já não sei mais o que é um escândalo!”
A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça marcou para janeiro uma
visita ao estado. Se o cálculo dessas gratificações não for resolvido, o
feitiço do equilíbrio fiscal do Espírito Santo pode se transformar em
desastre financeiro para quatro milhões de capixabas.
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