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domingo, 25 de novembro de 2018

STF 2.0

O Brasil está batendo à porta da liga dos regimes autoritários no aniversário de 30 anos da Constituição. Esse crepúsculo não é o fim, mas sua antessala

Regimes autoritários não abrem mão da servilidade judicial. Seja pela cooptação de uma magistratura venal, seja pela exclusão de dissidentes e supressão da independência, um Poder Judiciário domesticado presta serviços indispensáveis ao autoritarismo. Juízes dóceis e adeptos da populisprudência, o populismo com fachada de jurisprudência, ajudam a coordenar ações e emprestam uma estampa de legalidade à violência. São parceiros no projeto de ataque às liberdades.

A exata conformação do autoritarismo bolsonaresco ainda não está pronta, mas ingredientes já se fazem sentir: contra a divergência, não só convoca seu clube de apoiadores, que ele chama de “povo” (ou “pátria”, ou “nação”), como ameaça expelir quem não for sócio; contra este “outro”, dispensa a formalidade da lei, converte discursos em autorização informal para agredir (na “ponta da praia”) e faz promessas de leniência institucional ao agressor (prevaricação); contra a crítica e a imprensa livre, rotula tudo que lhe afeta de “ideológico” (ou “comunista”, ou variações) e desqualifica o jornalismo profissional; contra os fatos, fabrica realidade paralela e investe em comunicação segmentada para espalhar teorias da conspiração longe do radar público. Semeia “pânico e circo” e entoa a velha melodia populista “o povo sou eu, os infiéis não me merecem”. A tecnologia impulsiona essa arte à enésima potência.

Resta saber, entre outras coisas, sua receita para o Judiciário. Do quartel de inteligência bolsonara já saíram dois balões de ensaio: a ampliação das cadeiras do STF de 11 para 21 (e assim “botar pelo menos dez isentos lá dentro”, já que “decisões do Supremo têm envergonhado a todos nós”); e a revogação da Emenda da Bengala (que estendeu a aposentadoria dos 70 para 75 anos) com objetivo de aposentar de imediato os ministros com mais de 70 anos e liberar vagas mais rápido.

Um Judiciário de apologistas se constrói tirando quem não agrada e colocando quem, por instinto ou convicção, prefere rezar a cartilha do regime à da legalidade. Os meios variam entre aumentar o número de cadeiras de uma Corte e povoá-la de correligionários; ameaçar, aposentar ou criminalizar os insubmissos; impor procedimentos discricionários de nomeação e retaliação; criar órgãos de controle subordinados ao “povo” (no fundo, ao chefe). O apelo a essas técnicas é universal: Getúlio Vargas e a ditadura militar brasileira abusaram do expediente; Chávez e Maduro construíram por aí um Judiciário a sua imagem e semelhança; a Hungria, do presidente Orban, eviscerou em poucos anos uma das Cortes constitucionais mais inspiradoras das democracias pós-comunistas; no caso mais recente, em sincronia com Bolsonaro, o governo do partido Legalidade e Justiça, na Polônia, também diminuiu a idade de aposentadoria para limpar a Suprema Corte dos comunistas. Multidões foram às ruas, a presidente da Corte recusou aposentar-se e até Lech Walesa chamou por desobediência civil.

Muitas propostas berradas por Bolsonaro foram elaboradas com o fígado. Ideias do fígado não passam no teste constitucional. O STF 2.0 que Bolsonaro almeja tem ao menos duas contraindicações: a separação de Poderes e o direito adquirido.  A Constituição prevê alguns botões de fuga e resistência, mas dependemos de um STF hábil e corajoso para apertá-los. O ministro Toffoli tem defendido um “grande pacto nacional entre os Três Poderes”, que
 promova “diálogo e ação coordenada na busca por objetivos comuns”. Defende também que o Judiciário deva “se retrair e retomar a clássica divisão dos Poderes”.

A mensagem é vazia e diversionista: falta contar que na separação de Poderes clássica não há nem controle de constitucionalidade, nem direitos de bem-estar, nem compromisso estatal de combater discriminação e reduzir desigualdades; falta também combinar com os outros dez ministros. Melhorar o STF tem menos a ver com seu posicionamento na separação de Poderes, supondo que haja um, do que com correção de sua arbitrariedade decisória e respeito à ética judicial. Um STF mais atento à Constituição, com tudo que isso significa em seus ritos e costumes, é melhor pedida. Ou pode se contentar com o plano STF 2.0 e um dos melhores salários judiciais do mundo.


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