O desembargador Antonio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região, mandou soltar Michel Temer e Cia. O magistrado não entrou no mérito
das acusações de grossa corrupção que pesam contra o ex-presidente e seus
supostos comparsas.
Apenas considerou que, soltos, os encrencados não impedem a
Lava Jato de realizar o seu trabalho. Foi como se dissesse aos procuradores:
"Mãos à obra, doutores." Em seu despacho, o desembargador foi
cirúrgico. Dono de uma biografia turbulenta, Antonio Athié cuidou vacinar-se,
por assim dizer, contra o 'efeito Gilmar Mendes'. Elogiou a competência do juiz
Marcelo Bretas, que ordenou as prisões agora revogadas. Enalteceu também as
qualidades dos procuradores da força-tarefa do Rio, que pediram as detenções.
De resto, declarou-se um defensor da Lava Jato:
"Ressalto que não sou contra a Lava Jato, ao
contrário, também quero ver nosso país livre da corrupção que o assola.
Todavia, sem observância das garantias constitucionais, asseguradas a todos,
inclusive aos que a renegam aos outros, com violação de regras não há
legitimidade no combate a essa praga", escreveu o juiz.
Complementando
a autoimunização, o desembargador reconheceu que há nos autos indícios que
podem levar à responsabilização criminal dos encrencados. Sustentou,
entretanto, que não há fatos novos que justifiquem as prisões. Nesse ponto, o
descompasso entre o juiz Bretas e os procuradores da Lava Jato socorreu Temer.
O que os procuradores consideravam novo, Bretas não achou relevante. O que
Bretas considerou importante, o desembargador Athié tratou como coisa antiga.
Por exemplo: os procuradores valorizaram relatório do Coaf sobre uma
suposta tentativa de depósito de R$ 20 milhões em dinheiro vivo numa conta da
Argeplan, empresa na qual Temer seria sócio oculto do seu faz-tudo, o coronel
da PM João Baptista Lima. Não há vestígio de menção ao depósito no despacho de
Bretas, Os procuradores também realçaram que investigadores estariam sendo
monitorados pela quadrilha. De novo, Bretas deu de ombros. Desprezando o que
seria novo, o juiz encostou a ordem de prisão em fatos antigos. Citou, por
exemplo, evidências de que provas poderiam estar sendo destruídas na sede da
Argeplan. Tais evidências foram recolhidas numa operação policial batizada de
Patmos. Coisa de 2017. Quer dizer: se havia documentos a serem destruídos, eles
já foram para o espaço há dois anos.
Apegando-se a um velho brocardo da
advocacia —O que não está nos autos, não existe— o desembargador Antonio Athié
sentiu-se à vontade para concluir que, soltos, Temer, o ex-ministro Moreira
Franco, o coronel Lima e os demais envolvidos não oferecem perigo a outras
pessoas, não comprometem a ordem pública, não atrapalham uma instrução criminal
que está praticamente concluída, não embaraçam a aplicação das leis e não
impedem a adoção de providências para a recuperação de valores eventualmente
desviados. Por isso, madou abrir as celas. A decisão do magistrado é liminar
(temporária). Se quiser, o Ministério Público Federal pode recorrer.
Entretanto, parece mais produtivo a essa altura seguir o conselho que salta das
entrelinhas do despacho de Antonio Athié: "Mãos à obra, doutores".
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