Amadorismo na política e corporativismo militar são riscos à aprovação da proposta
Poucos presidentes na história recente do Brasil tiveram a oportunidade
de, com uma única ação, definir o sucesso de seu governo e ter quatro
anos de relativa tranquilidade econômica e política. Mas Jair Bolsonaro
não enxerga a reforma da Previdência como prioridade. E aí reside um
risco enorme não só à aprovação da medida, mas ao êxito de seu
quadriênio presidencial. Na transmissão ao vivo que fez do Chile na última quinta-feira,
Bolsonaro explicitou exatamente o que pensa do assunto: por ele, não
gostaria de fazer reforma nenhuma. Mais: o presidente da República
voltou a agir como um sindicalista, se referindo aos militares como
“nós” e defendendo a forma excepcionalíssima com que as Forças Armadas
foram tratadas na discussão da reforma. [comentário 1: o 'nós' é normal entre os militares - quem foi, ou é militar, sempre será;
o lema da PE - Uma vez PE! Sempre PE! - vale para qualquer uma das Forças, seja singular ou auxiliar.]
A má vontade com que encaminha o projeto se traduz no desastre da
articulação política. Nem o PSL, a colcha de retalhos em forma de
partido à qual hoje o presidente é filiado, tem manifestado apoio firme à
reforma. Insistindo no discurso vazio de que não cederá à velha política para
negociar, Bolsonaro corre o risco de perder o principal interlocutor
pró-reforma hoje, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ainda que tenha procurado
reduzir o tom nas últimas entrevistas, o presidente da Câmara deixou
claro o que pensa do governo: um deserto de ideias mais preocupado com o
Twitter que em resolver os problemas do País, como desemprego e
pobreza. E ele está correto no diagnóstico.
Isso fica evidente quando um dos assessores diretos do presidente,
Filipe Martins, faz no mesmo Twitter uma série de posts com pretensão de
alta filosofia política em que identifica uma suposta ala
“anti-establishment” no governo, que seria a chave para, com base em
mecanismos próprios de democracia direta, promover uma mobilização
popular permanente via redes sociais capaz de pressionar o Congresso a
aprovar as agendas do governo, entre elas a reforma.Trata-se de um diagnóstico absolutamente descolado da realidade, típico
de alguém que nunca acompanhou os meandros do Legislativo e ignora as
diferentes realidades sociais de um país complexo como o Brasil, no qual
a militância virtual é uma ínfima e irrelevante fração. [comentário 2: a Venezuela se f ... foi com a tal democracia direta - primeiro passo para o governo plebiscitário.
o nosso presidente precisa dizer a esse seu assessor que a hora é oportuna para reformas, os diagnósticos de outros problemas e soluções ficam para depois e serão feitos por quem de direito - o que não inclui o Martins.]
Mas Bolsonaro está preso a essa quimera. Três meses depois de empossado
segue acreditando que o discurso ideológico de Foro de São Paulo para
cá, ideologia de gênero para lá será capaz de lhe garantir governança. A
ponto de chegar ao ridículo, sem ter ninguém que o alerte para tal, de
repetir essas platitudes em plena Casa Branca. E desdenha dos índices
que mostram rápido derretimento de sua popularidade no mundo real,
aquele em que as pessoas precisam de emprego e a economia continua
travada. Além de viver a ilusão de que é possível governar a partir das redes
sociais, o presidente dá corda ao corporativismo militar. Por mais que
as Forças Armadas estejam com suas carreiras e seus soldos defasados,
fazer essa reestruturação concomitantemente com a inclusão dos militares
na reforma foi um tiro no pé.
Como defender um discurso de que a reforma foca em privilégios se o
ganho com o aperto no Benefício de Prestação Continuada, que atinge os
mais pobres, responderá por uma fatia bem maior do sacrifício que
exigido dos poderosos militares? Não há como, e isso ficou patente no
semblante derrotado dos outrora confiantes técnicos do Ministério da
Economia, que viram o esforço de narrativa virtuosa da reforma ir por
terra. Com o amadorismo na política e o corporativismo renitente de Bolsonaro, a
reforma corre risco. Mas não parece haver humildade nem sabedoria da
cúpula do governo, com exceção da “ilha” Paulo Guedes, para mudar o rumo
e salvar o único projeto capaz de definir o sucesso da administração.
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