O prontuário do ex-ministro Geddel Vieira Lima revela que ele é indisciplinado, encrenqueiro e já foi punido por tentar subverter a ordem na Papuda
Descontrolado e aos gritos, o ex-ministro tirou a camisa e a bermuda e, nu, avançou em direção a um dos agentes: “Quer ver meu pinto, seu p…?!”. Houve correria no pátio. Lúcio, que estava de saída, voltou para ver o que acontecia. Nervoso, o ex-ministro foi contido por um segundo carcereiro, vestiu-se e foi levado para o seu pavilhão, onde ficam os presos considerados vulneráveis, como políticos, idosos e os que são alvo de algum tipo de ameaça. Mas a confusão não terminara. A direção da penitenciária, informada sobre o episódio, determinou que Geddel fosse levado a uma delegacia de polícia e orientou os agentes a registrar queixa contra ele por crime de desacato à autoridade. Quando soube disso, o ex-ministro pediu desculpas aos carcereiros e propôs encerrar o assunto sem o boletim de ocorrência. Não foi atendido. Geddel ficou ainda mais irritado, avançou novamente sobre os carcereiros e acabou algemado.
Na delegacia, o ex-ministro preferiu ficar em silêncio. Disse que só daria sua versão sobre a acusação de desacato na presença de um advogado. A polícia abriu um inquérito. O salseiro ainda teria mais um desdobramento. De volta à Papuda, Geddel soube que seria punido com dez dias de isolamento, sem acesso à cantina, sem poder ver televisão e proibido de receber visitas. Em protesto contra a penalização, decidiu iniciar uma greve de fome. Alegou que não podia ingerir a mesma comida que os demais presos. Precisava comprar suas refeições na cantina. “O interno insiste em ter acesso à cantina”, registraram os agentes em relatório encaminhado à direção da penitenciária. Os carcereiros anotaram: “Como o fato narrado é incomum na rotina carcerária, fizemos um documento de controle de entrega de refeições e solicitamos que o interno o assinasse para que ficasse registrado que ele se recusa a receber a alimentação”. Geddel não assinou o documento e também rejeitou o banho de sol.
A história, contada no prontuário do ex-ministro, ao qual VEJA teve acesso, mostra a vida conturbada que ele tem levado na prisão. As 250 páginas que trazem anotações sobre a rotina do detento número 126125 compõem um dossiê com casos de indisciplina, como o descrito acima, laudos médicos e psiquiátricos, conflitos com outros internos, decisões judiciais, pareceres do Ministério Público, petição de advogados, movimentações e até um histórico das aulas frequentadas pelo ex-ministro. Geddel, de acordo com os carcereiros, tem problemas em lidar com a hierarquia e não costuma aceitar ordens. Com comportamento rebelde, vive metendo-se em confusões. Em março do ano passado, ele estava na fila da cantina quando recebeu um esbarrão de um detento. O ex-ministro reclamou, disse que aquilo era desnecessário e que bastaria o colega pedir licença que ele o deixaria passar. O detento não gostou da lição de bons modos, voltou e deu outro empurrão em Geddel — e, depois, pediu licença. “Agora está bom?”, perguntou, em tom desafiador. O desentendimento quase terminou em briga. De novo, o caso foi parar na delegacia, onde o ex-ministro acabou por não registrar a queixa de agressão, com a justificativa de que recebera um pedido de desculpa.
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Em outra anotação do prontuário, um agente conta ter percebido que o ex-ministro estava agindo de maneira estranha na cela. Por prevenção, decidiu-se fazer uma inspeção no local. Foram encontrados onze tipos de medicamento, mais de 200 comprimidos ao todo. Havia relaxantes musculares, calmantes, remédios para insônia e antidepressivos. Um laudo médico anexado ao dossiê constatou que “se todas essas substâncias fossem ingeridas em sua totalidade poderiam causar a morte”. O ex-ministro chegou a ser levado ao Instituto de Medicina Legal para ser submetido a um exame, mas não permitiu ser periciado por “determinação de seu advogado”. Com isso, não foi possível saber se seu comportamento estranho tinha alguma relação com a ingestão excessiva de medicamentos, como suspeitaram os carcereiros. Os remédios foram recolhidos, e até hoje não se tem conhecimento de como eles chegaram à cela.
No fim do ano passado, a defesa de Geddel tentou pela última vez conseguir sua liberdade. Alegou que, com o término da instrução da ação penal, a prisão preventiva não mais se justificava. A procuradora-geral Raquel Dodge manifestou-se contra: “Para evitar o cumprimento da pena só lhe restaria a fuga, exatamente como fez recentemente o italiano Cesare Battisti, e essa opção não é mera conjectura, notadamente porque Geddel Quadros Vieira Lima já deu mostras suficientes do que, em liberdade, é capaz de fazer para colocar em risco a ordem pública e vulnerar a aplicação da lei penal”. O pedido de habeas-corpus foi negado pelo Supremo Tribunal Federal. Nas alegações finais no processo, a procuradora-geral pediu que Geddel seja condenado a oitenta anos de prisão. “A multiplicidade de atos criminosos de lavagens revela uma personalidade voltada ao crime, à lesão à moralidade, à administração da Justiça e da própria ordem econômica”, escreveu Dodge.
Médicos constataram que Geddel, ao ser avaliado no fim do ano passado, estava “muito deprimido e sem perspectivas de futuro”. Diante desse diagnóstico, a direção da Papuda retirou-o do isolamento absoluto e o colocou na cela com mais um detento. Há duas semanas, em sua aparição pública mais recente, Geddel, mais magro e abatido, prestou depoimento sobre um processo de improbidade administrativa. Ao todo, seus advogados já impetraram cinco pedidos de liberdade na Justiça, argumentando que a prisão do ex-ministro é abusiva e ilegal. Enquanto aguarda uma decisão da Justiça, Geddel passa o tempo lendo e concluiu um curso profissionalizante de “vendedor”. Parece ter melhorado. Foi aprovado em disciplinas como “relacionamento interpessoal”, “autocontrole”, “marketing” e “mala direta”. Sua nota foi acima da média: 8.
Publicado em VEJA de 3 de abril de 2019, edição nº 2628
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