Há quem considere que aprovação do Orçamento impositivo pode trazer benefício: acabar o ‘é dando que se recebe’
A munição da Câmara de maldades constitucionais para assumir o
protagonismo na aprovação do Orçamento está longe de esgotada. Deputados
federais de diversos partidos já estudam, entre outras medidas, retomar
os termos de uma emenda constitucional proposta em 2000 pelo falecido
senador Antonio Carlos Magalhães, muito mais rigorosa com relação ao
Orçamento impositivo, que hoje abrange apenas as emendas individuais dos
parlamentares e passará a abranger também as emendas de bancadas com a
PEC aprovada na Câmara.
A proposta de 2000, que pode ser ressuscitada, impõe ao governo limites
rigorosos para contingenciamento de verbas, exigindo explicações formais
ao Congresso. Ou a necessidade de autorização do Congresso para
aumentar os gastos além do Orçamento. Há até mesmo um mecanismo
semelhante em vigor nos Estados Unidos, de paralisação das atividades
dos serviços públicos caso o Congresso não aceite as explicações do
governo.
Nos Estados Unidos, cerca de 400 mil funcionários públicos ficaram em
casa, sem receber, durante a mais recente paralisação pela disputa com o
presidente Donald Trump pela verba adicional para a construção do muro
na fronteira com o México. Repartições públicas não funcionaram, museus
fecharam as portas. Outros tantos foram considerados “essenciais” e
trabalharam sem receber. A disputa entre Executivo e Legislativo em torno do Orçamento tem origem
no que aconteceu com as colônias americanas da Inglaterra, que se
rebelaram por quererem ter representantes presenciais no Parlamento em
Londres, em vez de uma representação virtual como queriam os ingleses.
A frase “No taxation without representation” (Nenhuma taxação sem
representação) tornou-se o símbolo de um movimento de autonomia das 13
colônias americanas que culminou, anos depois, em 1776, na fundação dos
Estados Unidos. Aqui, não há separatismo, mas desejo de ter mais influência na definição
do Orçamento. Por enquanto, o governo ainda mantém certo controle da
situação, tanto que, a seu pedido, o Senado fará uma alteração na
proposta de emenda à Constituição que retira do Executivo poder sobre o
Orçamento. Com isso, a PEC terá que retornar à Câmara.
Mas essa alteração, se realmente acontecer, vai provocar reações da
Câmara, que aumentou no primeiro ano de 0,6% para 1% da Receita Corrente
Líquida o percentual obrigatório das emendas coletivas, um acréscimo de
R$ 4 bilhões nos gastos. A partir do segundo ano, o valor alocado em emendas será corrigido pela
inflação. O Senado está sendo instado pelo governo a voltar atrás, pois a
PEC produz efeitos a partir da execução orçamentária do exercício
seguinte à sua publicação, e não em 2022 como informei ontem, baseado em
um comunicado oficial da presidência da Câmara.
O que causou a confusão foi a correção do valor das emendas
parlamentares e de bancadas, que são impositivas, justamente o que o
governo quer evitar. Se publicada em 2019, a execução do Orçamento de
2020 (a ser aprovado em 2019) será obrigatória no montante de até 1 % da
RCL de 2019. Se aprovada em 2020, a execução obrigatória se dará com o
orçamento de 2021, com a RCL de 2020. Em relação à correção, de acordo com o art. 2º, ela se dará, a partir de
2021, de acordo com o IPCA de junho/19 a julho/20 (se aprovada a PEC em
2019). Se aprovada a PEC no ano que vem (2020), aí a correção se daria a
partir de 2022.
Há quem considere que a aprovação do Orçamento impositivo pode trazer um
benefício: acabar o “é dando que se recebe” com relação às emendas
parlamentares, provocando uma redefinição de forças no Congresso porque
parlamentares deixarão de se alinhar automaticamente com o governo só
para liberar suas emendas. O governo tenta ainda convencer os deputados de que é mais vantagem
apoiar a proposta de desvinculação total que a equipe do ministro da
Economia Paulo Guedes pretende apresentar. A descentralização dos
recursos beneficiaria estados e municípios, pois as despesas hoje
carimbadas como obrigatórias ficariam à disposição para serem usadas em
outras áreas, de acordo com decisões do Congresso. O problema, para o Governo, é que os parlamentares, especialmente na
Câmara, não acreditam nessa promessa, e querem impor mecanismos que
garantam a autonomia do parlamento.
Merval Pereira - O Globo
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