Jair Bolsonaro coloca todo o seu governo a perder. Semeia ondas para
colher tsunamis. Comporta-se assim porque viciou-se no ar intoxicado das redes
sociais. Ali, recebe aplausos fáceis. Basta passar semanas repetindo que não
fará "aliança com a turma da Lava Jato", governará "sem fazer
concessões ao toma-lá-dá-cá", e respeitará os "compromissos assumidos
com o eleitor." Depois, ao desgrudar o nariz da tela do celular, esse
mesmo presidente firma acordos com políticos sob investigação, entrega anéis
para salvar os dedos e continua fazendo pose de limpinho para a plateia da
bolha. Tanto é assim que Bolsonaro achou razoável participar de uma reunião com
os investigados Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Onyx Lorenzoni e Fernando
Bezerra. Nesse encontro, trocou a recriação de dois ministérios pela aprovação
da MP que reorganizou o governo. Para divertir a turma da bolha, o capitão
distribuiu portes de armas. Horas depois, Bolsonaro levou uma série de pancadas
do centrão. Aprovou-se numa comissão especial a volta dos dois ministérios. E
nada de contrapartida.
A MP que repaginou a Esplanada foi virada do avesso. Na paulada mais
forte, o Coaf foi arrancado de Sergio Moro e devolvido para Paulo Guedes. Foi
como se o centrão informasse ao capitão que ele negocia com gente errada, dá
pouco perto do que se deseja tomar e flerta com novas derrotas. Perderá inclusive
o decreto das armas. Com água pelo nariz, Bolsonaro veio à boca do palco nesta
sexta-feira para declarar o seguinte: "Me elegi e a decisão foi, como
havia falado por anos, que não teríamos indicações políticas. Escolhi os nossos
ministros por critério técnico. Todos têm 100% de liberdade para escolher seus
subordinados. […] E assim estamos governando. Alguns problemas? Sim, talvez
tenha um tsunami na semana que vem. Mas a gente vence esse obstáculo com toda
certeza. Somos humanos, alguns erram. Uns erros são imperdoáveis, outros
não." Ai, ai, ai…
O tsunami
a que Bolsonaro se refere é a votação no plenário da Câmara da MP que o centrão
virou de ponta-cabeça na comissão. As previsões oscilam entre o ruim e o muito
pior. Na primeira hipótese, os deputados aprovam a medida provisória com os
retoques feitos na comissão. Na segunda alternativa, o centrão organiza uma
obstrução para retardar a votação. O prazo de validade da MP de Bolsonaro vence
em 3 de junho. Se caducar, volta a valer o organograma anterior, com 29
ministérios. E o centrão terá mais cargos para reivindicar. A satanização da
velha política, expediente muito útil para um candidato em campanha, perde a
serventia quando um presidente recém-empossado envia ao Congresso suas medidas
provisórias, projetos de lei e emendas constitucionais. Nessa hora, o
governante precisa de votos no Legislativo. A única forma de obtê-los é por
meio de negociação. Quem quer tomar alguma coisa precisa expor suas ambições.
Quem se dispõe a dar deve estabelecer os seus limites. Fazer jogo de cena não
resolve.
A Previdência está falida e a economia permanece sedada. Faltam
empregos, dinheiro, escolas que prestem, hospitais que funcionem e segurança
nas ruas. Admita-se que Bolsonaro assumiu há quatro meses e não é responsável
por tudo isso. Entretanto, ninguém o elegeu no ano passado para que o capitão passasse
quatro anos nas redes sociais falando mal da "velha política". Lula
continua preso, Michel Temer amarga sua segunda passagem pela cadeia e Dilma
Rousseff aguarda na fila. E a Previdência continua à espera de uma reforma, a
economia não reagiu, o desemprego só aumentou, o MEC cortou 30% do orçamento
das universidades, os hospitais continuam a mesma porcaria e o brasileiro tem
medo de sair às ruas.
Bolsonaro
coloca todo o seu governo a perder porque se esquece que sua obrigação é
oferecer soluções para velhos problemas, não criar encrencas novas. Para que
seu governo dê certo, o capitão precisa mudar-se das redes sociais para o mundo
real. Em seguida, deve dedicar-se a atividades triviais. Coisas como, digamos,
trabalhar. Mantendo-se no papel de semeador de ondas, chegará ao final do
mandato —se chegar— como um enganador que prometeu reformar o país, fracassou e
condenou-se a passar o resto da vida queixando-se de ter sido bloqueado pelo
Congresso. Esse filme o país já viu. E não gostou.
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