Governo muda articulador e busca aperfeiçoar gestão
Está em curso um rearranjo em cargos estratégicos do governo federal,
que entrará numa nova fase a partir da aprovação da reforma da
Previdência pela Câmara dos Deputados. Esse novo momento não será
caracterizado apenas pelo início de uma série de anúncios a serem feitos
pela equipe econômica, mas passa também por uma reformatação nas áreas
de gestão e articulação política. Autoridades do governo têm a clareza
de que o Executivo precisa entregar mais e cada vez mais rápido.
Afinal, apesar da euforia inicial com uma proposta de reforma da
Previdência com um potencial impacto de aproximadamente R$ 1 trilhão em
dez anos, não tardou para que integrantes do governo e agentes do
mercado concluíssem que ela não seria a panaceia para todos as
dificuldades vivenciadas no país nos últimos anos. Muito menos a solução
para os problemas do presente e do futuro. Não à toa, apesar de ainda manterem segredo em relação a diversos
detalhes, agora integrantes da equipe econômica começam a falar com mais
clareza sobre as medidas que estão em gestação.
A postura ainda é defensiva, uma vez que inevitavelmente as medidas
deverão atingir interesses setoriais e em Brasília a gritaria dos
insatisfeitos quase sempre ecoa no Congresso Nacional. Tudo que o
governo não quer neste momento é que a reforma da Previdência seja usada
como moeda de troca ou fique refém de outras agendas. No centro do poder decisório do Palácio do Planalto, as alterações vão
sendo feitas com discrição e garantindo mais poder a quem conta com a
confiança pessoal do presidente Jair Bolsonaro. É o que se passa
atualmente, por exemplo, na Casa Civil, na Secretaria de Governo e na
Secretaria-Geral da Presidência da República.
Antigo amigo da família Bolsonaro, o novo secretário-geral da
Presidência, Jorge Antonio de Oliveira Francisco, já era o responsável
por assegurar a constitucionalidade e a legalidade dos atos
presidenciais, além de supervisionar a elaboração de projetos e atos
normativos de iniciativa do Poder Executivo. [causa surpresa é que o atual secretario-geral da Presidência, em sua função anterior era o responsável pela, digamos, legalidade de todas as normas de iniciativa do Poder Executivo, não tenha bloqueado os chamados 'decretos das armas' - ostensivamente inconstitucionais em vários aspectos, especialmente pela pretensão de modificar Leis.
Convenhamos que esse vacilo, descuido do Jorge Antonio, em muito facilitou aos que pretendem transformar o nosso presidente Bolsonaro em 'rainha da Inglaterra', por fornecer-lhes farta munição.] Antes subordinado ao chefe
da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, agora ele acumula a função com o status
de ministro e mais ferramentas para levar adiante a missão de modernizar
o Estado.
Quem já colocou um pé na Casa Civil, em meio ao desgaste de Onyx
Lorenzoni, foi o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas. Elogiado
por colegas e empresários, Tarcísio teve influência direta na recente
mudança no comando do programa de concessões - um dos principais
instrumentos que o governo terá nos próximos anos para atrair
investimentos estrangeiros, impulsionar obras e, portanto, gerar
empregos.
Além disso, a pasta deixou de ter peso na articulação política, cedendo
espaço para o secretário de Governo. Assim, a Casa Civil começa a voltar
a se concentrar na gestão dos programas prioritários do Executivo,
acompanhar seu andamento e coordenar os trabalhos dos demais
ministérios.
O ponto de inflexão será justamente a aprovação da reforma da
Previdência na Câmara, a partir da qual o ministro Onyx Lorenzoni
encerrará de vez o curto período em que pôde fazer promessas mas pouco
entregar a deputados e senadores. Deixará a função com pendências na
liberação de emendas parlamentares e nomeações para cargos federais nos
Estados, as quais não tardarão a chegar ao escaninho do novo articulador
político do Palácio do Planalto. O ministro Luiz Eduardo Ramos assume o posto com outros desafios de
curto prazo. Assim que a Câmara concluir a aprovação da reforma da
Previdência, os deputados passarão a discutir a reforma do sistema
tributário com prioridade. E tudo indica que não será a que está em
elaboração no governo.
Na reforma da Previdência, a briga se dá hoje no Congresso entre
categorias, cada uma classificando seus benefícios como direito
adquirido e os benefícios dos outros como privilégios. Quando chegar a
vez da próxima reforma, o governo corre o risco de não conseguir centrar
as discussões na carga tributária ou na simplificação do sistema. Nos
últimos anos, os debates sobre o tema acabaram colocando Estado contra
Estado, município contra município e todos os entes federados contra a
União, numa luta fratricida pela divisão do bolo arrecadatório.
Horizonte desafiador para quem não demonstrou até agora a intenção de
construir uma base aliada que dê o mínimo de segurança ao Executivo.
Ramos também se defrontará em seus primeiros meses no cargo com o início
das discussões sobre o Orçamento do ano que vem, quando aumentará o
peso das emendas parlamentares. Já estava em curso na Secretaria de
Governo da Presidência, ainda durante a gestão do ex-ministro Carlos
Alberto Santos Cruz, um trabalho técnico para a identificação das ações
do governo federal que poderiam servir de destino para essas verbas.
O objetivo do Planalto é poder apresentar a deputados e senadores uma
espécie de cardápio, para que parlamentares e bancadas possam direcionar
suas emendas impositivas a projetos que atendam tanto à necessidade de
suas bases eleitorais como estejam dentro do rol de programas
prioritários do Executivo. O novo ministro tem experiência nesse
trabalho, pois quando atuou como assessor legislativo do Exército uma de
suas funções era justamente tentar contemplar a Força com os recursos
das emendas parlamentares.
Apesar das mudanças que estão sendo promovidas, o presidente Jair
Bolsonaro não deu sinais de que pretende mudar sua estratégia na relação
com o Congresso, considerada dentro do governo um sucesso por aos
poucos ir alcançando os resultados sem ceder às exigências dos partidos
políticos. Na sua posse, por exemplo, o novo articulador plítico fez
acenos à bancada evangélica e hoje almoçará com a bancada ruralista. O presidente exibe sua popularidade em locais públicos sempre que pode,
mas até no Palácio do Planalto acredita-se que a resignação do mais
fervoroso bolsonarista deva ter um limite. O discurso de que tudo de
negativo é herança de governos passados também tem prazo de validade.
Fernando Exman - Valor Econômico
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