Antes que alguém afirme que “não é bem assim”, digo eu: o parágrafo acima não tem a pretensão de resumir as 24 páginas da ADI. O que interessa, aqui, para fins de análise, é o ato em si. Ele pode ser visto de muitas maneiras, dependendo da boa vontade ou do antagonismo do leitor em relação à pessoa do presidente.
Em reunião de ontem, virtual, que há décadas mantenho com um grupo de bons e sábios amigos, levantaram-se, como de hábito, questões interessantes. A saber:
1ª Questão
Agiu certo o presidente ao apelar ao STF?
São inquietações que fazem muito sentido. Ao expressar perante o judiciário sua legítima preocupação com os reflexos sociais e econômicos das decisões, pode o presidente estar, sim, legitimando indiretamente as decisões de um tribunal que o tem como inimigo a ser destruído.
O presidente não deveria, então, – conclui-se – dar ele próprio curso a esse processo de judicialização da política e da gestão pública. Apenas para exemplificar o ponto a que chegaram essas intromissões, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu ao TCU que a gestão da Saúde, da Economia e da Casa Civil sejam atribuídas ao vice-presidente Mourão (G1 18/03). Um vereador propõe lançar spray de álcool gel, por avião, sobre sua cidade e o subprocurador-geral do MP no TCU propõe isso. [antes os fósforos devem ser recolhidos.] Não é necessário ser inculto para sugerir bobagens.
2ª Questão
Não seria, a referida ADI, uma armadilha montada pelo presidente contra a Corte?
A pergunta se justifica de modo pleno. Se o STF conceder o que Bolsonaro pediu, estará suprimindo de estados e municípios aquele poder que, de mão beijada, delegou a governadores e prefeitos lá atrás, no início da pandemia. Se recusar o solicitado pela ADI, estará confirmando a perda de poder que impôs ao presidente da República, fato tantas vezes negado em manifestações de seus ministros.
Marco Aurélio Melo viu o assunto na perspectiva do item 2, acima. Indagado, respondeu assim, segundo O Antagonista: “Não sei o que deu na cabeça do Bolsonaro (…). Quem receber essa ação no Supremo pode simplesmente negar seguimento (…). O presidente quer atribuir responsabilidade ao tribunal, como ele vem fazendo(...)”.
Pelo menos outros dois ministros manifestaram entendimento semelhante. Para eles o tribunal já decidiu e não vai repetir ou mudar o que foi decidido. Já o início do comentário do ministro: “Não sei que deu na cabeça do Bolsonaro”, entra na linha do item 1 acima.
O poder se expressa mais e melhor por ações do que por palavras. Os ministros do STF, assim como o presidente, aliás, não se ajudam muito quando falam.
Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.