Na juventude, Adolf Hitler viveu situações de atração e
repulsa pelo sexo oposto. Transcorria a primavera de 1906 quando o
então adolescente da cidade austríaca de Linz anunciou a um amigo que
estava apaixonado. A escolhida era uma garota mais velha, alta e loira. O
fato de Stefanie Isak ter sobrenome judeu mostra que, aos 17 anos, o
futuro condutor das atrocidades nazistas ainda não exibia nem sinal do
ódio que ceifaria 6 milhões de vidas no Holocausto. Ao contrário: por
quatro anos, Hitler escreveu róseas cartas de amor para sua paixão
judia. Nunca, no entanto, chegou a enviá-las nem a se declarar a
Stefanie: o encanto platônico se quebrou quando ela se casou com outro.
Mais tarde, nos anos conturbados da I Guerra Mundial (1914-1918), o
combatente Hitler revelou-se incomodado com a ideia de fazer sexo com
mulheres. Na reta final da fragorosa derrota alemã, aos 29 anos, ele
usou de um argumento já bem próximo de suas infames teses racistas para
rechaçar o convite para uma noite de prazer em companhia de belas
francesas. Deitar-se com estrangeiras no front seria, em sua visão
distorcida da realidade, trair a “nacionalidade” alemã.
Enquanto os colegas arrasados pela experiência da guerra buscavam válvulas de escape na bebida e nas farras, Hitler era objeto de chacota por manter-se crente na vitória e inquebrantável na vontade de lutar. “Vocês ainda vão ouvir muito sobre mim”, vociferava. Os trechos de O Jovem Hitler, do jornalista e historiador australiano Paul Ham, demonstram que já era possível vislumbrar o homem que o mundo tristemente viria a conhecer nas histórias frugais sobre a descoberta do amor ou nas suas dificuldades em se iniciar sexualmente.
Poucas figuras históricas tiveram a vida tão esquadrinhada quanto o líder nazista. Além das biografias monumentais de autores como o alemão Joachim Fest e o inglês Ian Kershaw, há um sem-número de livros que abordam desde a saúde do ditador da Alemanha até a suposta influência de drogas sobre seu comportamento cruel.
Quem precisa, enfim, de mais uma biografia de Hitler?
Paul Ham prova que vale insistir na investigação do personagem. Seu livro ilumina fatos obscuros, como a paixonite de Hitler pela moça judia. Com lances desenterrados de sua atuação na I Guerra, põe ainda em evidência uma fase bastante estudada, mas pouco valorizada: os anos de formação do político Hitler. “Nenhum biógrafo até hoje deu a merecida ênfase a seus tempos como soldado no conflito que ele próprio definia como essencial para forjar quem era”, diz Ham.
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O JOVEM HITLER,
de Paul Ham (tradução de Leonardo Alves; Objetiva; 304 páginas; 64,90 reais e 39,90 reais na
versão digital) ./.
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Para traçar um retrato de Hitler quando jovem, o autor navega em águas turvas: é preciso separar os fatos de fake news nos relatos de gente disposta a bajular ou difamar o líder nazista. A disposição feroz do Führer em dourar lances de seu passado e apagar detalhes inconvenientes — o que incluía a eliminação de testemunhas e antigos companheiros — é outro complicador. Remando nesse mar de contradições, Ham consegue extrair uma visão palpável do garoto que adorava a mãe, mas temia e desprezava os modos “cosmopolitas” do pai violento; do adolescente que sonhava em ser pintor, mas sobrevivia da venda de cartões-postais de paisagens junto com um amigo trambiqueiro; e dos obscuros dias de juventude em que Hitler, no fundo do poço, vivia como mendigo nas ruas de Viena.
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