O presidente Jair Bolsonaro tem um entendimento muito peculiar do que é
democracia, e isso ele demonstra não só em rompantes. Por não respeitar
limites institucionais, termina criando atritos sucessivos com o
Judiciário, o poder republicano que aplica as leis, não importa se
agradem ou não a poderosos de turno, uma característica republicana
repulsiva para espíritos autoritários.
Essas são causas básicas dos curtos-circuitos político-institucionais
produzidos por reações indevidas do presidente diante de atos da Justiça
e do Ministério Público. Nada de novo ocorre nas fricções naturais
entre os poderes que um ex-deputado com 28 anos de mandatos exercidos em
Brasília não tenha visto. E não saiba o que esteja fazendo ao dar
“bastas” ao Supremo. De resto inúteis, porque gritos de nada valem para a
Constituição.
O momento está especialmente carregado para Bolsonaro e família porque
dois inquéritos presididos pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes —
sobre a produção de fake news, de ameaças contra a Corte e seus
magistrados, e a organização de manifestações antidemocráticas — estão
em andamento no STF.
Na terça-feira, Alexandre de Moraes quebrou o sigilo bancário de 11
parlamentares bolsonaristas, dez deputados e um senador, na apuração das
fontes de financiamento dessas manifestações, maneira indicada de se
desvendar o funcionamento de organizações criminosas. Antes, de domingo
para segunda, a Polícia Civil de Brasília prendeu autores de uma salva
de fogos de artifícios contra o Supremo, um grupo a que Bolsonaro já se
referiu como sua “base”. O ministro do STF tem sido vítima de ameaças torpes de falanges
bolsonaristas, embora o inquérito das manifestações tenha sido
instaurado a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras,
assim como a quebra dos sigilos dos parlamentares. O que deveria levar
Bolsonaro, sempre acometido de crises persecutórias, a deixar de ver o
Supremo como um centro de conspirações.
Na noite de terça, Bolsonaro tuitou informando que “tomaria todas as
medidas legais” para proteger a Constituição e a liberdade dos
brasileiros. Cumpridos os mandados contra parlamentares, já na manhã de
ontem garantiu à claque que o espera à porta do Alvorada, num de seus
movimentos pendulares, “que está chegando a hora de tudo ser colocado no
seu lugar”. Reclamou que em nenhuma democracia quebram-se sigilos dessa
maneira. Esqueceu-se de que presidentes da Câmara (Eduardo Cunha), do
Senado (Renan Calheiros) e da República (Michel Temer) já tiveram os
seus quebrados.
O presidente esperneia, e a vida continua: o Supremo ontem formou
maioria de votos que garante a constitucionalidade do inquérito das fake
news e, portanto, a continuação de outra linha importante de
investigações dos porões bolsonaristas. Na democracia de Bolsonaro, decisões do Judiciário que o atingissem, a
família e seguidores não valeriam. Mas também não seria democracia.
Editorial – O Globo
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