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terça-feira, 2 de junho de 2020

Falar e fazer. O que interessa é o seguinte: como reagir com eficácia ao discurso em favor da desordem? J.R. Guzzo


O Estado de S.Paulo



Se não quiserem, como dizem o tempo todo em público e em particular que não querem, não vai acontecer nada com a democracia

Se um dia quiserem, os inquéritos do ministro Moraes não vão servir para absolutamente nada.


Já não existe mais nada a dizer, à esta altura, em matéria de condenação à gritaria, nas redes sociais e por trás delas, que pede o fechamento do Supremo Tribunal Federal, “cadeia” para os seus ministros e eliminação do Congresso Nacional – ou a outros sermões histéricos que poluem o debate político do Brasil de hoje. Todo esse xingatório de arquibancada vale nota zero dos pontos de vista moral, político e legal; tem mesmo de ser denunciado com clareza, por sua malignidade congênita, como é o caso de todos os extremismos, de uma ponta a outra do arco-íris. Isso se deve fazer sempre. A questão, agora, vai além de denunciar o que se diz na internet. O que interessa é o seguinte: como reagir com eficácia ao discurso em favor da desordem?



Uma das sugestões mais sensatas e realistas para lidar com o problema vem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF – justo do STF, em nome do qual seu colega Alexandre de Moraes conduz desde março de 2019 um obscuro inquérito criminal para investigar ofensas, falsidades e outras agressões verbais contra o tribunal, seus ministros e suas famílias. Barroso acredita que a maneira mais produtiva de tratar o problema não é na polícia, mas no exercício da própria liberdade de expressão posta em xeque no inquérito de Moraes. Após observar que a internet permitiu o aparecimento de “fontes de informação independentes” e aumentou o “pluralismo de ideias em circulação”, mas abriu espaço para os “terroristas virtuais”, Barroso disse que “a atuação da Justiça é limitada” quando se trata de resolver esses desvios. Sugeriu, então, combater a mentira e as notícias falsas com a livre exposição dos fatos capazes de revelar o que realmente acontece.

“Os principais atores no enfrentamento das fake news hão de ser as mídias sociais, a imprensa profissional e a própria sociedade”, disse o ministro no discurso que fez ao assumir suas funções como novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Haveria alguma ideia melhor para combater o tráfego de notícias falsas sem ferir o direito de livre manifestação do pensamento? Se houver, não apareceu até agora. Com certeza, não é censurar órgãos de imprensa, como já fez Moraes – ou mandar a polícia apreender celulares, revistar casas de pessoas que não estão indiciadas no inquérito que investiga suas ações, convocar para depor deputados em exercício de seus mandatos e outras aberrações do mesmo tipo.

O centro do problema, na verdade, não está aí. Não se trata de saber o que as pessoas falam, mesmo porque estão falando em público, sem segredo nenhum, e sim o que fazem – e, mais que isso, de saber quem faz o quê. Ninguém, obviamente, fecha o Supremo, elimina o Congresso Nacional e dá um golpe de Estado fazendo postagens no Twitter; tudo isso pode ser feito unicamente com tanque de guerra, paraquedista e fuzil automático, coisas que só as Forças Armadas têm. Tanto faz o que o empresário Zé ou o blogueiro Mané estão falando nas redes sociais conversa que não se transforma em ação é só conversa
O que importa é se os chefes militares que estão aí, no exercício de suas funções, no comando de suas tropas e com nome, CPF e endereço conhecidos, querem ou não querem fechar o Supremo, etc. 

Se não quiserem, como dizem o tempo todo em público e em particular que não querem, não vai acontecer nada com a democracia
Se um dia quiserem, os inquéritos do ministro Moraes não vão servir para absolutamente nada. Não haverá saída para a questão das fake news, ou qualquer outra, fora da paz e da legalidade. Jogar gasolina na fogueira do confronto só vai dar conforto aos extremistas, de qualquer dos lados.

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo


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