Corregedoria Nacional de Justiça abre procedimento disciplinar para avaliar comportamento de magistrado de Santa Catarina que permitiu ataques verbais do advogado do réu contra a jovem que fez a denúncia. OAB vai investigar possíveis desvios éticos do defensor
“Graças a Deus eu não tenho uma filha
do teu nível e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher
feito você. (...) Isso é seu ganha pão né, Mariana? É o seu ganha pão a
desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem. (…) Não adianta
vir com esse teu choro dissimulado, falso”
Cláudio Gastão Filho, advogado do acusado
“Excelentíssimo, eu estou implorando
por respeito, nem os acusados de assassinato são tratados do jeito que
estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente”
Mariana Ferrer, influenciadora digital
“As provas acerca da autoria delitiva
são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a responsabilidade
penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, ‘melhor absolver cem
culpados do que condenar um inocente’”
Rudson Marcos, juiz da 3ª Vara Criminal de Florianópolis
Advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho, mostrou fotos de Mariana em “posições ginecológicas” para sustentar que “a história de ser virgem” não passaria de uma manipulação e a acusando de utilizar-se da própria virgindade para promoção nas redes. As imagens pessoais, no entanto, não têm nenhuma relação com o caso.
Mariana tentou interromper o advogado, acusando-o de assédio moral, mas ele continuou: “Graças a Deus eu não tenho uma filha do teu nível e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher feito você. Não dá pra tu dar o teu showzinho. Teu showzinho você vai lá dar no Instagram depois, pra ganhar mais seguidores. Tu vive disso”, disparou. (…) “Mariana, vamos ser sinceros, fala a verdade. Tu trabalhava no café, perdeu o emprego, está com aluguel atrasado há sete meses, era uma desconhecida. Vive disso. Isso é seu ganha pão né, Mariana? É o seu ganha pão a desgraça dos outros. Manipular essa história de virgem. (…) Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso, e essa lágrima de crocodilo.”
[Nosso posicionamento favorável a punições rigorosas para o estuprador não impede que tenhamos também o entendimento de que o estupro deve ser provado - por todos os meios válidos em juízo.
No caso em questão, se conclui que o acusado foi denunciado por duas vezes, e na primeira a acusação foi de estupro de vulnerável - considerando o alegado pela vítima de que havia sido dopada, não estando em condições de expressar concordância a prática do ato sexual ou de reagir.
Exames médicos realizados na ocasião comprovaram a realização do ato sexual e o rompimento do hímen.
Com a troca do promotor - para assumir outra promotoria - o substituto concluiu não haver provas de estar a vítima em condições de vulnerabilidade: "Defesa e MP sustentaram que a jovem estava consciente durante o ato sexual — e não sob forte efeito de drogas —, portanto, não haveria estupro de vulnerável". O juiz concordou que não poderia ser caracterizado como estupro de vulnerável, entendimento também abraçado pela defesa do acusado.
O ato sexual entre dois adultos, capazes, ocorreu. Não foi juntado aos autos nenhuma prova válida de de que a 'estuprada' estava incapaz. O fato da Mariana ser virgem, alegação provada ter sido 'perdida' na ocasião do alegado estupro, não constitui atenuante nem agravante.
Só que não há nos autos nenhuma prova de que houve estupro.
"Código Penal
Estupro
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.”
Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.”
DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERÁVEL
Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
“Ação penal
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.”
Enquanto isso, o promotor do caso, Thiago Carriço de Oliveira, e o juiz Rudson Marcos acompanharam calados os ataques. A única intervenção do magistrado foi ao dizer para a vítima se recompor e tomar água e pediu ao advogado para manter “o bom nível” da audiência. Mariana respondeu: “Excelentíssimo, eu tô implorando por respeito, nem os acusados de assassinato são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”
Além de o juiz estar na mira da Corregedoria, Cláudio Gastão é alvo de apuração disciplinar interna pela secção de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil. “A OAB/SC, por intermédio de seu Tribunal de Ética e Disciplina, atua no sentido de coibir os desvios éticos. Estamos dando sequência aos trâmites internos que consistem em oficiar ao advogado para que preste os esclarecimentos preliminares necessários para o deslinde da questão”, informou, em nota oficial.
Já o Senado aprovou, por unanimidade, voto de repúdio a Cláudio Gastão, ao juiz Rudson Marcos e ao promotor Thiago Carriço de Oliveira “por deturparem fatos de um crime de estupro com base em acusações misóginas”. Na mesma direção, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele protocolou uma reclamação disciplinar para analisar a atuação do juiz do caso. Na visão do parlamentar, houve omissão por parte do juiz “ao permitir que o advogado de defesa dirigisse ofensas à honra e a dignidade da vítima”.
“Equivocadas”Em nota, a assessoria de imprensa do MP informou que o promotor Thiago Carriço de Oliveira se manifestou sobre os excessos cometidos pela defesa, mas em uma parte da audiência que não foi revelada. O órgão declarou, ainda, que a absolvição do empresário se deu por falta de provas. “Não é verdadeira a informação de que o promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido estupro culposo, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Salienta-se, ainda, que o promotor de Justiça interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo”, diz o comunicado.
O MP definiu a difusão de informações como equivocadas, “com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente”. Por fim, criticou a postura do advogado, não condizente “com a conduta que se espera dos profissionais do direito”.
De acordo com o MP, a 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso, reafirma que “combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual” e que, por isso, ofereceu a denúncia. “Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado.”
Já o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho afirmou, em comunicado à reportagem, que o “posicionamento adotado foi para elucidar os fatos e mostrar a verdade perante a falsa acusação”, mas que não ia comentar os trechos “fora de contexto” de um “processo que correu em segredo de Justiça”. O juiz Rudson Marcos não se pronunciou sobre o caso.
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O MP catarinense disse, porém, que a absolvição não foi baseada no argumento de “estupro culposo” (sem intenção), como afirmou o The Intercept, mas “por falta de provas de estupro de vulnerável”.
Correio Braziliense - MATÉRIA COMPLETA
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