Alexandre Garcia
Andando pelo meu Rio Grande do Sul, percebo, nos lugares em que se
reuniram para me ouvir, que as pessoas imaginam que, vivendo em
Brasília, posso saber mais do que elas. No entanto, hoje todos têm o
mesmo acesso à informação, desde que as redes sociais substituíram o
monopólio da notícia. Agora, quem está no interior do Rio Grande do Sul —
ou no interior do Acre — tem acesso às mesmas informações que tenho
tido como vizinho da Praça dos Três Poderes. Claro que permanecem alguns
mistérios.
Um deles, para mim, foi aquela ida de Michel Temer ao
Palácio do Planalto, em 9 de setembro, levando um rascunho de
declaração, supostamente para fazer uma paz com Alexandre de Moraes, que
nunca foi posta em prática. Segundo Jair Bolsonaro, Moraes não cumpriu o
que fora combinado.
Outro mistério, que se tornou ainda mais forte aqui no
Rio Grande depois da visita de Lula, e deixou os gaúchos da roda de
chimarrão à beira do fogo ainda mais desconfiados e curiosos: o que
pretende Lula?
Faz declarações que afastam e assustam eleitores. Imagina
dizer que vai desarmar todo mundo.
Aqui no Rio Grande, o referendo de 2005 sobre armas deu
87% a favor delas. O estado foi o campeão das armas, bem acima da média
nacional de 64%. Aliás, a lei do desarmamento não seguiu a vontade da
maioria. Lula contrariou a maioria gaúcha na questão das armas — um
assunto que a diplomacia político-eleitoral recomenda calar por aqui.
Como se sabe, também brigou com o Agro. Aí, foi para o
interior do estado e não conseguiu chegar a Passo Fundo, bloqueado por
manifestações hostis. Cancelou o restante da viagem por razões de
segurança.
Essa atitude de gerar conflito também aconteceu com
parlamentares, que ele recomendou serem assediados com pressão sobre
suas famílias, em seus endereços privados. Faz xingamentos por todos os
lados, deixando a interrogação: o que quer Lula? Tornar sua candidatura
inviável?
Agora mesmo saiu um esboço de programa de governo do
PT: revogar o teto de gastos, que é constitucional; revogar a reforma
trabalhista, as privatizações, controlar o câmbio, a mídia, o direito ao
aborto. [quanto ao direito ao aborto ele não pretende revogar o que já está liberado, ou seja, proibir o que, infelizmente, ainda é permitido. Pretende sim liberar geral = promover, no estilo Biden, a liberdade total para assassinar seres humanos inocentes e indefesos.]Tudo dependendo do Congresso e até de mudança constitucional,
incluindo questões impossíveis de mudar, com fatos econômicos já
consolidados, como estatais privatizadas. Implantar a censura, revogando
o artigo 220 da Constituição, já que fala em "coibir a propagação de
mentiras". (Vão criar o Ministério da Verdade?) O programa tem um
capítulo que é um deboche: combater a corrupção.
Tem gente assuntando por aqui, enquanto sorve o
chimarrão quente para se proteger do frio: o que pretende Lula?
Tornar
sua candidatura inviável e ter um pretexto para desistir e se consolidar
líder de um segmento sem correr o risco de uma derrota como fim de
carreira? [exatamente; o descondenado sabe que se permanecer candidato vai perder e por isso prefere ficar inventando desculpas - pousando de vítima - do que ser atropelado pelo capitão.]
Lula fechou-se para a esquerda moderada ao declarar que o PSDB
acabou. E faz afirmações típicas de extrema esquerda. Parece ter optado
por se tornar um símbolo dessa esquerda que refuta o direito de
propriedade, que é pela luta de classes, pela união de uma América
Latina socialista.
Isso gera mais rejeição, mas garante um lugar na galeria da liderança de esquerda mais à esquerda.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense
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