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sexta-feira, 15 de julho de 2022

Supremo tribunal de pequenas causas - Revista Oeste

Cristyan Costa

Enquanto a Suprema Corte dos EUA se atém à Carta Magna, o STF julga de furto de chiclete à redução do IPI

Suprema Corte Norte-Americana e Supremo Tribunal Federal, no Brasil | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Suprema Corte Norte-Americana e Supremo Tribunal Federal, no Brasil | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Enquanto o texto norte-americano se debruça sobre questões estritamente constitucionais, como as liberdades públicas e a organização do Estado, a brasileira tenta resolver praticamente todos os problemas do país. A Constituição de 1988 abrange uma série de temas, que vão da “busca pela felicidade” a propostas para a educação e a economia, passando pelo “interesse social” de imóveis e pela reforma agrária. Tudo num texto só.

Essa diferença faz com que a Corte brasileira julgue casos como o de um homem que furtou dois xampus, no valor de R$ 10 cada um, em um supermercado de Barra Bonita, no interior de São Paulo. Em julho de 2020, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou uma liminar ao acusado. Na decisão, a magistrada lembrou que o bandido havia cometido outros delitos da mesma natureza.

Depois de quatro meses, contudo, a juíza do STF decidiu soltar o bandido e extinguir a ação por causa da repercussão na mídia. Um ano mais tarde, foi a vez de Nunes Marques julgar e decidir manter presauma mulher que furtou barras de chocolates e uma caixa de chicletes em Boa Esperança (MG), em 2013. A Defensoria Pública informou que vai recorrer da decisão.

Sentenças dessa natureza estão longe de fazer parte do cotidiano da Suprema Corte dos EUA, que se dedica a analisar casos maiores — e de sua competência. No mês passado, o tribunal ampliou o acesso a armas de fogo. Seis dos nove juízes, equivalentes aos nossos ministros do STF, anularam uma lei de Nova Iorque que exigia das pessoas um comprovante de legítima defesa para usarem armas de fogo em público. A decisão impede ainda que outros Estados restrinjam o direito dos cidadãos de portarem armas nas ruas.

“A Constituição protege o direito de um indivíduo de portar uma arma de fogo para autodefesa fora de casa”, constatou o relator do caso, Clarence Thomas, ao citar a Segunda Emenda da Carta Magna. “Não sabemos de nenhum outro direito constitucional que possa ser exercido por um indivíduo apenas depois de demonstrar a autoridades do governo a existência de uma necessidade especial.”

Respeitando o federalismo previsto na Carta Magna, a Suprema Corte deu a Estados o poder de decisão sobre o aborto e provocou o Legislativo a se mexer. Nos EUA, proibir a interrupção da gravidez não era possível desde 1973, em razão de uma interpretação da Corte no caso conhecido como Roe vs Wade. Em junho, a maioria dos juízes argumentou que a “Constituição não faz referência ao aborto, e tal direito não é implicitamente protegido por qualquer disposição constitucional”. Portanto, a partir de agora, caso os norte-americanos queiram impedir a proibição do aborto em nível federal, precisam eleger parlamentares suficientes para aprovarem uma lei assim.

Caso Roe vs Wade | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em Direito público administrativo pela FGV, explica que o Judiciário norte-americano é mais eficiente, em virtude do sistema jurídico simples do país: o chamado common law. Nesse modelo, as fontes do Direito são os costumes da sociedade e as decisões anteriores de outros juízes, que servem de referência, apoiados na lei e na Constituição.

“O Brasil optou por um modelo chamado civil law”, observou a especialista. Esse formato leva em conta mais as leis do que os costumes para dar uma sentença. Por exemplo: vamos supor que a Constituição dos EUA permitisse a condenaçãoapenas depois do “trânsito em julgado”. É lógico você decidir que as pessoas precisam cumprir a pena depois de condenação em segunda instância, sem precisar seguir a letra fria da lei. “Além disso, o sistema permite uma série de recursos nos Tribunais Superiores para chegar à justiça plena, o que torna o Judiciário bastante lento.” Chemim disse ainda que, como a Constituição é ampla, os juízes brasileiros precisam se debruçar sobre vários temas. “Torna-se algo moroso.”

Guardiões das liberdades
Em junho, os juízes da Suprema Corte norte-americana limitaram o poder da Agência de Proteção Ambiental para reduzir os “gases de efeito estufa” na atmosfera, parte dos planos do presidente Joe Biden de “lutar contra as mudanças climáticas”. A Corte acolheu um processo de 19 governadores, que demonstraram preocupação com a possibilidade de seus setores de energia serem regulamentados, além de forçados a abandonar o carvão a um alto custo econômico. A maioria dos juízes escolheu a liberdade econômica e a sobrevivência das empresas do país.

O STF foi na contramão da prudência e derrubou uma portaria do Ministério do Trabalho que impedia a demissão por justa causa de não vacinados

Os juízes também já se manifestaram a favor da liberdade religiosa nos EUA. No fim de junho deste ano, a Corte decidiu que o Estado de Maine, governado por uma democrata, não poderia impedir que fundos públicos fossem usados por escolas que promovam ensino religioso. Segundo a opinião da maioria dos juízes, Maine discriminava os colégios religiosos, por seu ensino da fé. “A exigência de Maine viola a cláusula de livre exercício da Primeira Emenda (que reconhece a liberdade religiosa)”, escreveu o juiz John Roberts, na sentença.

No âmbito da pandemia de covid-19, os magistrados optaram pela sensatez. Em defesa dos direitos individuais, a Suprema Corte barrou a tentativa de Biden de impor a vacinação contra o novo coronavírus em companhias privadas com mais de 100 funcionários. Os não vacinados teriam de apresentar exames negativos semanais e usar máscaras diariamente. Além disso, haveria multa para quem descumprisse a ordem. “Embora o Congresso, indiscutivelmente, tenha dado à OSHA (agência federal do trabalho) o poder de regular os riscos ocupacionais, não deu a essa agência o poder de regular a saúde pública de forma mais ampla”, sustentaram os magistrados, na decisão.

Aqui no Brasil, o STF foi na contramão da prudência e derrubou uma portaria do Ministério do Trabalho que impedia a demissão por justa causa de não vacinados. A pasta havia considerado “discriminatória” a prática de empregadores exigirem o chamado “passaporte sanitário” de seus funcionários. A medida do Palácio do Planalto foi contestada na Corte pela Rede Sustentabilidade, que conseguiu uma liminar do ministro Luís Roberto Barroso. [o ministro Barroso não julgou a portaria do MTb em si, e sim um ato do Governo do seu inimigo = Bolsonaro.] O caso chegou ao plenário do tribunal, mas acabou suspenso. Portanto, enquanto a maioria não voltar a analisar o processo, prevalece a canetada de Barroso.

Ativismo judicial brasileiro
Se nos Estados Unidos a Suprema Corte se dedica à defesa das liberdades, sobretudo individuais
, no Brasil, o STF se mete até na vacinação de crianças, prerrogativa do Ministério da Saúde. 
Em janeiro deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski acolheu um pedido da Rede Sustentabilidade para obrigar a imunização infantil
O juiz do STF decidiu que os Ministérios Públicos e os Conselhos Tutelares têm de fiscalizar a vacinação de crianças e adolescentes. 
A sentença fez com que juízes de instâncias menores passassem a afirmar que os pais poderiam perder a guarda dos filhos, caso não os vacinassem contra a covid.

O STF se intrometeu ainda em um assunto de caráter econômico. Em maio, o ministro Alexandre de Moraes acolheu um pedido do Solidariedade e derrubou dois decretos do presidente Jair Bolsonaro que reduziam em 25% e 35% as alíquotas dos Produtos Industrializados (IPI), assunto que compete à União, como uma forma de estimular a economia. A Moraes, o partido de esquerda argumentou que as ordens do Executivo prejudicavam a Zona Franca de Manaus.

A política também está no menu dos ministros. Há dois anos, o plenário validou o inquérito das fake news, apesar de o próprio STF não ter o direito constitucional de fazer uma investigação criminal. Nesse inquérito, foram presos o jornalista Oswaldo Eustáquio, o ex-presidente do PTB Roberto Jefferson e o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Há dois meses, o parlamentar foi condenado a oito anos e nove meses de prisão por supostas fake news e atos antidemocráticos. Apenas Nunes Marques foi contrário. (Silveira acabou contemplado com uma graça concedida por Jair Bolsonaro.)

Decisões em favor de partidos e crimes menores, como furtos, passam longe da Suprema Corte norte-americana. Raramente um parlamentar vai ao tribunal pedir algo, como o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) faz sempre que discorda de uma decisão do governo e do Congresso Nacional. O jurista Dircêo Torrecillas Ramos diz que, apesar de ser permitido que um parlamentar vá à Suprema Corte, deve prevalecer o bom senso.

“Não se pode usar o STF dessa maneira”, disse o jurista. Segundo Torrecillas, os ministros também podem negar determinados casos imediatamente, se quiserem, visto que a pauta de prioridades é decidida pelos próprios magistrados, diferentemente dos EUA, onde a ordem cronológica prevalece. “Não havia necessidade de o STF abrir aquela CPI da Covid, por exemplo”, constatou. “Deveriam ter deixado o Parlamento resolver. Há tantas coisas mais importantes. Mesmo assim, ultrapassaram barreiras. O ativismo judicial tem de acabar no nosso país.”

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Cristyan Costa, jornalista - Revista Oeste
 
 
 

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