Os governadores reeleitos e a nova composição do Congresso mostram que o pêndulo ideológico do país oscilou para a direita
Em um olhar mais superficial, o resultado da votação de 2 de outubro é muito parecido com o de quatro anos atrás, quando foram para o segundo turno dois candidatos — Jair Bolsonaro e Fernando Haddad — alimentados pela força do antipetismo e pela polarização política. A mensagem emitida pelas urnas agora, no entanto, é muito mais profunda e complexa, e vai além da escolha entre Lula e Bolsonaro. Ganhe quem ganhar, o novo presidente governará um país, a partir de janeiro de 2023, em que os conservadores fincaram sua bandeira não só na Praça dos Três Poderes, mas na própria sociedade. Os eleitores mostraram claramente que o pêndulo ideológico, por muito tempo estacionado entre o centro e a esquerda, mudou e oscilou para a direita.
Não foi exatamente uma virada inesperada. O conservadorismo estava latente na alma nacional, mas de forma envergonhada, disfarçado sob a fachada centrista. Não mais. Empurrada por uma série de fatores tanto no cenário doméstico quanto soprados por ventos internacionais, uma multidão de brasileiros postou-se sem filtros à direita do espectro político. “O conservadorismo saiu do armário”, resume a cientista política Camila Rocha, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
A direita brasileira mais aguerrida, empunhando a bandeira anticorrupção (que não era só dela, mas da qual se apoderou) e impulsionada pela ascensão do nacionalismo radical na Europa e nos Estados Unidos de Trump, em 2017, subiu no palanque e chegou ao poder. Seguiu-se então uma sequência de tropeços e equívocos embalados por um discurso de ódio associado ao negacionismo, atalho para se imaginar que fracassaria na arena política. Ao contrário, os conservadores ganharam tração, expressada na reeleição de nove governadores bolsonaristas no primeiro turno e, mais significativo ainda, na ocupação de quase todas as vagas para o Senado. “Começamos há vinte anos, fazendo reuniões com não mais que trinta pessoas, passando nossos valores adiante”, diz o pastor evangélico Magno Malta (PL), senador eleito pelo Espírito Santo e um dos pilares da muralha conservadora no Congresso.
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Comprovando o tamanho de seu impacto nestas eleições, a questão religiosa foi a primeira a pipocar quando se definiram os candidatos ao Planalto no segundo turno. Mal fechadas as urnas, grupos bolsonaristas difundiram um vídeo que associava Lula ao satanismo.
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Durante a pandemia, a negação da ciência se manifestou, disfarçada de liberdade individual, na forma de minimização do perigo e inaceitáveis campanhas antivacina. O pretexto de levar o progresso a áreas atrasadas serviu para “passar a boiada” sobre os marcos regulatórios e leis de preservação da Amazônia. Os dois ex-ministros de Bolsonaro responsáveis por essas aberrações, Eduardo Pazuello, da Saúde, e Ricardo Salles, do Meio Ambiente, se elegeram deputados federais e levam sua postura nociva para o Congresso. [em que pese a alegada e infundada nocividade ambos foram eleitos e Pauzuello, malhado pela CPI = Circo da Covid-19, foi o mais votado do Rio.]“O que vemos agora no Brasil está mais para reacionarismo do que para conservadorismo, um movimento de transformação estrutural que invalida avanços da democracia e glorifica o passado”, diz o cientista político Pedro Castelo Branco, professor da UERJ.
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A identificação da população brasileira com a direita mais do que triplicou entre 2010 e 2020, segundo o Latino barômetro, pesquisa anual de opinião pública realizada em dezoito países da América Latina. No mesmo período, a afinidade dos eleitores com partidos liberais, cristãos e nacionalistas se ampliou mais de cinco vezes. Em pesquisa recente do Datafolha, um terço dos brasileiros declara-se de direita. Mas a realidade das urnas mostra que a corrente conservadora arrasta uma legião de direitistas enrustidos. “Há uma vergonha no brasileiro em se dizer de direita, palavra vinculada à ditadura e ao autoritarismo, e as pessoas acabam se definindo de centro”, afirma o cientista político Guilherme Casarões.
Damares Alves
Senadora (Republicanos-DF)
714 562 votos
Posição: como ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, martelou uma pauta de costumes antiaborto, contra o casamento gay e a legalização das drogas — bandeiras que pretende agitar no Congresso.
Eduardo Pazuello
Deputado Federal (PL-RJ)
205 324 votos
Posição: o ex-ministro da Saúde deu as costas à ciência quando a pandemia revelava sua face mortal, minimizando os efeitos da vacina, que custou a comprar, e defendendo o inócuo “tratamento precoce”.
Ricardo Salles
Deputado Federal (PL-SP)
640 918 votos
Posição: o ex-ministro bateu na tecla de menos regras e mais flexibilização na área ambiental enquanto, sob sua gestão, o desmatamento na Amazônia registrava o maior índice em uma década.
Nikolas Ferreira
Deputado Federal (PL-https://veja.abril.com.br/politica/eleicao-confirma-o-proximo-presidente-vai-governar-um-brasil-conservador/MG)
1,5 milhão de votos
Posição: o influencer, de 26 anos, o mais votado no país para a Câmara Federal, diz que antagonizar com a esquerda é sua “guerra genuína” e acredita que cristianismo e política devem caminhar juntos.
Publicado em VEJA, edição nº 2810, de 12 de outubro de 2022
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