Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Católica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Católica. Mostrar todas as postagens

sábado, 29 de outubro de 2022

No tempo da vovó, dava para ser atriz pornô; hoje, não - Gazeta do Povo

Bruna Frascolla -  VOZES

Revolução cultural

Em resumo, o que Gertrude Himmelfarb apontava nos EUA é que o país passou de uma cultura hegemônica na qual todos deviam ser castos para uma cultura hegemônica na qual todos devem ser devassos. Segundo ela, que recorre a Smith, a uniformização dos costumes decorre de uma condição material, que é a ausência de classes sociais demarcadas. Sem classes sociais demarcadas, sem moral de pobre e moral de rico bem demarcadas. 
No entanto, olhando em particular para a questão dos costumes sexuais de cada indivíduo, creio que não dê para ter uma explicação tão materialista assim. 
Vejamos: numa sociedade puritana, protestante, não há um lugar nem para uma mulher disposta a transar com vários homens, nem para uma mulher que não queira ter atividade sexual nenhuma ao longo da vida. O certo é casar e ter filhos, uniformemente, para todas as mulheres. Já no cenário católico, há um lugar para ser uma porção de coisas entre prostituta e freira. O Brasil não criminaliza a prostituição porque é um país de formação católica; Santo Agostinho via a prostituição como um mal necessário.

Digamos que a uniformização é uma marca cultural protestante, antes de ser uma questão econômica. É claro que se podem apontar as diferenças econômicas entre sociedades protestantes e católicas, mas aí cai-se facilmente na questão do ovo versus a galinha. Nessa questão, fico com Weber: a ética protestante veio antes das mudanças materiais do capitalismo. A cultura veio antes da matéria. Mas, como víamos, essa contracultura uniformizadora se espalharia pela cristandade ocidental, fosse ela católica ou protestante. Assim, se lá a ordem foi todas deixarem de ser uniformemente carolas para serem uniformemente prostitutas, por aqui a ordem é dupla: temos que passar não só a ser prostitutas, mas a ser todas iguais. Essa pressão pela igualdade se vê até na fisionomia das artistas pop, que fazem todo tipo de “procedimento” para ficarem com as mesmas maçãs, o mesmo formato de rosto, o mesmo nariz e os mesmos lábios. Salta aos olhos que a uniformidade é levada ao extremo.

Escolhas uniformizadas

Recentemente, traduzi dois textos indicados pelo editor sobre vício em pornografia. Um dos textos, de um veículo dos EUA, trazia a polêmica de uma política democrata que, perante estudos que mostram que os homens jovens de lá estão transando menos, decidiu que o sexo era um direito e portanto a prostituição deveria ser descriminalizada.  
A consequência do direito ao sexo é a obrigação de outrem abrir as pernas, o que, em última análise, é capaz de acarretar o direito ao estupro. (Digamos que um cliente adquira tamanha má reputação que nenhuma prostituta queira atendê-lo. A existir um direito ao sexo sanado por meio de prostitutas, das duas, uma: ou o homem fica na mesma situação de um paciente do SUS com doença rara que precisa de um remédio caríssimo, caso apareça uma prostituta que aceite se submeter a ele por um preço muito alto, ou haverá o direito ao estupro, caso nem mesmo uma prostituta assim apareça.)

Do outro lado, uma conservadora alegava que a descriminalização da prostituição levaria a uma alta na procura por prostitutas, que, por sua vez, levaria a um aumento no tráfico de pessoas e na escravidão sexual. Bem à americana, não falava “prostituta”, mas “pessoa prostituída”. O politicamente correto e sua linguagem apassivadora são ambidestros por lá.

Pois bem: neste país que convive com a prostituição desde sempre, é muito claro que existem prostitutas que são prostitutas porque querem – desde as bem nascidas até as pobretonas –; que, mesmo que algumas tenham tido mais escolhas do que outras, quase todas tiveram escolhas; e, se não teve, é porque foi vítima de algum criminoso, provavelmente na menoridade. No mais, toda a argumentação direcionada à proibição da prostituição baseada na exploração (que é crime no Brasil) me desperta muito ceticismo, pois poderia ser facilmente usada para proibir a existência de canaviais. 

Aposto que é mais fácil encontrar um prostituta com conforto financeiro e opções de mudar de trabalho do que um cortador de cana. A prostituta podia pagar a faculdade (no tempo em que diploma dava emprego) e mudar de vida; o cortador de cana não se qualifica para nada enquanto corta cana.

Assim, ambos os lados da questão presumiam que ninguém estava onde está por escolha: que os homens estavam sem transar em função de suas próprias escolhas, e que uma parcela de mulheres escolhe se prostituir. Que fazer? Uniformizar: para uma, todos os homens têm que ser assistidos por “trabalhadoras sexuais”; para outra, nenhuma mulher pode ser “pessoa prostituída”.

Todos uniformemente pornôs
Mas a reportagem tocou num assunto importante: a principal causa de os homens jovens pararem de fazer sexo é o vício em pornografia. A pornografia dá ao viciado uma excitação que ele não consegue alcançar com sexo. Às vezes o viciado até arranja uma namorada, mas deixa-a na mão. Ou – o que é pior – passa a tentar reproduzir as bizarrices vistas na tela.

A outra matéria que traduzi é mais interessante. Um veículo espanhol relatava que as francesas fizeram um relatório sobre os males da pornografia e pediam a criminalização da “indústria da pornografia” com base nele. A ideia de proibir a pornografia também desperta o meu ceticismo, sobretudo porque – como descobriram as senadoras – o problema não é a pornografia de sempre, mas sim a pornografia atual. Antigamente, os filmes pornôs tinham uma historinha que servia de pretexto para as cenas de sexo explícito. Hoje, graças à invenção de sites canadenses como o Pornhub e o Redtube, as pessoas têm acesso grátis a pornografia, que, a seu turno, é produzido a custo zero. O Pornhub ganha com o número de acessos. Assim, muita gente sobe vídeo caseiro, que não tem historinha, e daqui a pouco, para se diferenciar de outros vídeos caseiros, começam a fazer bizarrices. O cérebro se acostuma a esse tipo de estímulo e o homem não consegue mais achar graça em coisas normais.

Outro problema, mais grave ainda, é que esses sites não são eficazes ao proibir o acesso de crianças. Como a cultura progressista hegemônica é obcecada por sexo, não é de admirar que crianças – de ambos os sexos – procurem ver o que é sexo. França e Inglaterra se deram conta do problema e descobriram outro: não dá para garantir o anonimato dos maiores e vetar o acesso dos menores ao mesmo tempo. Perante esse dilema, a Inglaterra não pensou duas vezes e decidiu sacrificar o desenvolvimento mental das crianças para preservar o anonimato dos tarados. Já a França segue numa batalha judicial com o Pornhub e similares.

Boa parte do trabalho das senadoras francesas só foi possível porque, entre as produtoras pornôs antigas e os vídeos caseiros, surgiu um tipo de produtora semiprofissional, que faz contratos de cessão de imagem para vender o conteúdo aos sites. As mulheres estavam em fases vulneráveis de suas vidas e os contratos, uma vez que existem, podem ser analisados e considerados abusivos. Se fosse só vídeo amador, elas não teriam documento algum. E se elas punirem as produtoras sem punirem os amadores, todo o mundo vai virar amador – e foi justamente o amadorismo da pornografia que abasteceu o Pornhub.

Digamos que, lá nos anos 70, os casais descobrissem que poderiam se filmar transando e entregar de graça o vídeo a uma produtora, que iria copiar e distribuir a quem quisesse ver. Imagine-se explicando isso para a sua avó: “vovó, todo o mundo pode ver você transando, basta filmar e repassar!” A coisa parece mais uma ameaça do que uma oportunidade. O vovô bem gostaria de ver umas fitas, mas entre gostar e dizer que gosta há um abismo, e há ainda outro entre gostar de ver e gostar de ser visto. No mundo dos nossos avós, havia espaço para atores pornô, porque essa era uma profissão especializada a ser exercida por umas poucas pessoas. No nosso, não: se todo o mundo é ator pornô, ninguém é ator pornô.

O que a França deveria fazer é dificultar o pornô amador e regulamentar os contratos. Se tem uma área que deve ser segurada por meio da formação de um monopólio relativamente improdutivo, é o da pornografia. É bom para o usuário quando qualquer motorista pode fazer o trabalho de um taxista, mas é decididamente ruim para ele quando qualquer um pode fazer o trabalho de um ator pornô.

Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Eleição confirma: o próximo presidente [= Bolsonaro = conservador] vai governar um Brasil conservador

Os governadores reeleitos e a nova composição do Congresso mostram que o pêndulo ideológico do país oscilou para a direita

Em um olhar mais superficial, o resultado da votação de 2 de outubro é muito parecido com o de quatro anos atrás, quando foram para o segundo turno dois candidatos — Jair Bolsonaro e Fernando Haddadalimentados pela força do antipetismo e pela polarização política. A mensagem emitida pelas urnas agora, no entanto, é muito mais profunda e complexa, e vai além da escolha entre Lula e Bolsonaro. Ganhe quem ganhar, o novo presidente governará um país, a partir de janeiro de 2023, em que os conservadores fincaram sua bandeira não só na Praça dos Três Poderes, mas na própria sociedade. Os eleitores mostraram claramente que o pêndulo ideológico, por muito tempo estacionado entre o centro e a esquerda, mudou e oscilou para a direita.

Não foi exatamente uma virada inesperada. O conservadorismo estava latente na alma nacional, mas de forma envergonhada, disfarçado sob a fachada centrista. Não mais. Empurrada por uma série de fatores tanto no cenário doméstico quanto soprados por ventos internacionais, uma multidão de brasileiros postou-se sem filtros à direita do espectro político. “O conservadorismo saiu do armário”, resume a cientista política Camila Rocha, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Conservadorismo

Moldada sobre três bases a católica, a escravagista e a latifundiária —, tripé exposto com genialidade em Casa-Grande & Senzala, livro do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987), a identidade nacional nasceu e cresceu conservadora, cimentada em preceitos religiosos e morais escorados na tradição. A efervescência social associada ao fim da ditadura militar chacoalhou esse estado de coisas — os anos de chumbo foram sepultados por um ambiente progressista como nunca se vira antes, cristalizado na Constituição de 1988, plural e inclusiva. Os conservadores ou se calavam, ou caíam na trincheira da radicalização e eram ridicularizados condição que Bolsonaro, histriônico e boquirroto como parlamentar, conhece muito bem. 
Esse grupo tradicionalista foi remoendo sua insatisfação, alimentada pelos governos reformistas do PSDB e, principalmente, do PT.
 A Operação Lava-Jato serviu de gatilho para a explosão do descontentamento em protestos, já embalados em amarelo, em 2013 e nos meses que antecederam a queda do governo de Dilma Rousseff.

A direita brasileira mais aguerrida, empunhando a bandeira anticorrupção (que não era só dela, mas da qual se apoderou) e impulsionada pela ascensão do nacionalismo radical na Europa e nos Estados Unidos de Trump, em 2017, subiu no palanque e chegou ao poder. Seguiu-se então uma sequência de tropeços e equívocos embalados por um discurso de ódio associado ao negacionismo, atalho para se imaginar que fracassaria na arena política. Ao contrário, os conservadores ganharam tração, expressada na reeleição de nove governadores bolsonaristas no primeiro turno e, mais significativo ainda, na ocupação de quase todas as vagas para o Senado. “Começamos há vinte anos, fazendo reuniões com não mais que trinta pessoas, passando nossos valores adiante”, diz o pastor evangélico Magno Malta (PL), senador eleito pelo Espírito Santo e um dos pilares da muralha conservadora no Congresso.

EMPURRÃO - Manifestação contra o aborto: a onda direitista encampou a rejeição à liberalização dos costumes -
EMPURRÃO - Manifestação contra o aborto: a onda direitista encampou a rejeição à liberalização dos costumes – Sergio Lima/Poder360/.
No caldeirão conservador, o guisado temperado pelo antipetismo foi engrossado pela rejeição ao aborto, aos direitos dos homossexuais, à liberação das drogas e a outras pautas progressistas vistas como um desrespeito aos valores tradicionais
Direitistas extremados sempre foram contra tudo isso, mas agora se sentem à vontade para expor sua opinião na mesa do bar, no jantar em família, na reunião de negócios e, claro, no Congresso. “Antagonizar os progressistas é minha guerra genuína”, avisa, na ágora das redes sociais, Nikolas Ferreira, 26 anos, deputado federal mais votado do Brasil (1,5 milhão de votos). Vereador por Belo Horizonte, ele começou a carreira de influenciador fazendo palestras para grupos de jovens em igrejas evangélicas e batendo numa única tecla: o objetivo da esquerda é destruir a família e a tradição.

(...)

UM VOTO DE FÉ - Aos 42 anos, Eliane Hauer, estudante de teologia e evangélica, nunca deu bola para política, até que viu avançar uma agenda progressista, que ela repudia. “Se dormirmos no ponto, os banheiros serão unissex e vão ficar abordando sexo nas escolas”, teme. -
UM VOTO DE FÉ – Aos 42 anos, Eliane Hauer, estudante de teologia e evangélica, nunca deu bola para política, até que viu avançar uma agenda progressista, que ela repudia. “Se dormirmos no ponto, os banheiros serão unissex e vão ficar abordando sexo nas escolas”, teme. – Guilherme Pupo/.
(...)

Comprovando o tamanho de seu impacto nestas eleições, a questão religiosa foi a primeira a pipocar quando se definiram os candidatos ao Planalto no segundo turno. Mal fechadas as urnas, grupos bolsonaristas difundiram um vídeo que associava Lula ao satanismo.

 (...)

Durante a pandemia, a negação da ciência se manifestou, disfarçada de liberdade individual, na forma de minimização do perigo e inaceitáveis campanhas antivacina. O pretexto de levar o progresso a áreas atrasadas serviu para “passar a boiada” sobre os marcos regulatórios e leis de preservação da Amazônia. Os dois ex-ministros de Bolsonaro responsáveis por essas aberrações, Eduardo Pazuello, da Saúde, e Ricardo Salles, do Meio Ambiente, se elegeram deputados federais e levam sua postura nociva para o Congresso. [em que pese a alegada e infundada nocividade ambos foram eleitos e Pauzuello, malhado pela CPI = Circo da Covid-19, foi o mais votado do Rio.]“O que vemos agora no Brasil está mais para reacionarismo do que para conservadorismo, um movimento de transformação estrutural que invalida avanços da democracia e glorifica o passado”, diz o cientista político Pedro Castelo Branco, professor da UERJ.

(...)

A identificação da população brasileira com a direita mais do que triplicou entre 2010 e 2020, segundo o Latino barômetro, pesquisa anual de opinião pública realizada em dezoito países da América Latina. No mesmo período, a afinidade dos eleitores com partidos liberais, cristãos e nacionalistas se ampliou mais de cinco vezes. Em pesquisa recente do Datafolha, um terço dos brasileiros declara-se de direita. Mas a realidade das urnas mostra que a corrente conservadora arrasta uma legião de direitistas enrustidos. “Há uma vergonha no brasileiro em se dizer de direita, palavra vinculada à ditadura e ao autoritarismo, e as pessoas acabam se definindo de centro”, afirma o cientista político Guilherme Casarões.

Damares Alves
Damares Alves – Ton Molina/Fotoarena/.

Damares Alves
Senadora (Republicanos-DF)
714 562 votos
Posição: como ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, martelou uma pauta de costumes antiaborto, contra o casamento gay e a legalização das drogas — bandeiras que pretende agitar no Congresso.

Eduardo Pazuello
Eduardo Pazuello – @generalpazuello.oficial/Facebook

Eduardo Pazuello
Deputado Federal (PL-RJ)
205 324 votos
Posição: o ex-ministro da Saúde deu as costas à ciência quando a pandemia revelava sua face mortal, minimizando os efeitos da vacina, que custou a comprar, e defendendo o inócuo “tratamento precoce”.

Ricardo Salles
Ricardo Salles – @ricardosallesmma/Instagram

Ricardo Salles
Deputado Federal (PL-SP)
640 918 votos
Posição: o ex-ministro bateu na tecla de menos regras e mais flexibilização na área ambiental enquanto, sob sua gestão, o desmatamento na Amazônia registrava o maior índice em uma década.

Nikolas Ferreira
Nikolas Ferreira – @nikolasferreiradm/Facebook

Nikolas Ferreira
Deputado Federal (PL-https://veja.abril.com.br/politica/eleicao-confirma-o-proximo-presidente-vai-governar-um-brasil-conservador/MG)
1,5 milhão de votos
Posição: o influencer, de 26 anos, o mais votado no país para a Câmara Federal, diz que antagonizar com a esquerda é sua “guerra genuína” e acredita que cristianismo e política devem caminhar juntos.

Publicado em VEJA,  edição nº 2810,  de 12 de outubro de 2022

Política - Revista VEJA - MATÉRIA COMPLETA 

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Tea Party à brasileira - O Estado de S.Paulo

 Carlos Pereira

Perfil similar a movimento dos EUA garante sobrevivência política de Bolsonaro

Diante da avalanche de notícias e eventos ruins que o governo Bolsonaro tem acumulado nas últimas semanas, era de se esperar uma queda mais acentuada da popularidade do presidente e um crescimento mais vigoroso da avaliação negativa do desempenho de seu governo. Afinal de contas, já são mais de 1,3 milhão de pessoas contaminadas pela covid-19 e mais de 57 mil mortes. Houve redução de aproximadamente 10% da atividade econômica e estima-se que a taxa de desemprego já esteja em torno de 16%.

Para completar a “maré de azar”, o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e também amigo de longa data do presidente, Fabrício Queiroz, foi preso enquanto escondido na casa do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, sob acusação de ser o operador de um esquema de lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e formação de quadrilha liderado pelo próprio filho do presidente. Entretanto, os institutos de pesquisa têm mostrado que a popularidade de Bolsonaro se estabilizou em 30%, o que sugere grande resiliência política do presidente. Quem seriam os eleitores que continuam apoiando o presidente, mesmo diante de eventos tão negativos?

Em pesquisa de opinião desenvolvida com o apoio do Estadão, identificamos que os eleitores que se autodenominam de direita e de centro direita (27% da amostra de 7.020 respondentes) são majoritariamente homens (71%), brancos (73%), acima de 40 anos de idade (67%), possuem renda superior de 5 salários mínimos (70%), são profissionais liberais ou trabalham na iniciativa privada (51%) e dizem possuir alguma religião, notadamente judaica (39%), evangélica (38%) ou católica (33%). Apresentam perfil predominantemente conservador, baseado nos valores morais e da família, e preferem políticas econômicas liberais.


Esse perfil de eleitor brasileiro apresenta grande similaridade com o de eleitores que se identificam como pertencentes ao “Tea Party”, movimento surgido em 2009 nos Estados Unidos em oposição às iniciativas do governo de Barack Obama, especialmente à reforma do sistema de saúde (Obamacare) e ao plano de resgate econômico à crise de 2008. No livro The Tea Party and the Remaking of Republican Conservatism, Theda Scokpol e Vanessa Williamson mostram que os membros do Tea Party tendem a ser republicanos, conservadores, homens, brancos, ter mais de 45 anos, ser de classe média e protestantes evangélicos.

Analisamos como os eleitores brasileiros de direita e de centro direita, que apresentam características sociodemográficas e políticas semelhantes aos simpatizantes do Tea Party americano, se comportariam nas eleições presidenciais de 2022. A grande maioria dos Tea Party à brasileira reelegeria Bolsonaro ou por forte identidade com o presidente (56%) ou para evitar a vitória de um candidato de esquerda (32%). Apenas uma pequena parcela desse grupo não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum (12%). Por outro lado, uma proporção bem menor de eleitores que não compartilham características dos simpatizantes do Tea Party votaria com certeza em Bolsonaro (37%). Um contingente um pouco maior reelegeria o presidente para evitar a vitória da esquerda (41%) e uma parcela não desprezível de “Não Tea Party” não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum (23%).

Pesquisa recente do Pew Research Center sugere que os eleitores que pertenceram ao movimento Tea Party apoiariam a reeleição de Donald Trump em 2020. Não seria difícil imaginar qual seria o candidato dos simpatizantes do Tea Party caso eles pudessem votar no Brasil. O inverso também seria de se esperar.

 Carlos Pereira - O Estado de S. Paulo


domingo, 7 de junho de 2020

Sara Winter: ‘Usamos o medo quando uma autoridade comete atos ilegítimos’ - VEJA - Política


Qual a proposta do grupo? 
Entendemos que aqui no Brasil não existe uma militância organizada de direita. Então, nossa proposta é criar a primeira. A gente conseguiu colocar um presidente no poder, mas todas as instituições continuaram aparelhadas pela esquerda. Os movimentos políticos estão caminhando para um autoritarismo, principalmente por parte do STF e de algumas atitudes dos presidentes da Câmara e do Senado. Percebi que sair todos os finais de semana na rua, vestindo verde-amarelo com a família, com o cachorrinho, com esse clima festivo, não vai coagir as autoridades a fazer o que o povo quer. O povo tem que ser soberano. Seria muito interessante se os nossos ministros do STF e os presidentes do Legislativo não fossem nossos inimigos, mas eles estão se comportando como inimigos do povo brasileiro. Nós queremos governabilidade, queremos que o Executivo consiga governar. O Executivo tem boas propostas, mas, toda vez que é proposto algo pelo presidente, pelo fato de ele ser o Bolsonaro,  elas são barradas. Esse jogo político tem como objetivo atrapalhar e derrubar o presidente.

Qual a intenção do ato em frente ao Supremo? Por que usar máscaras e tochas?
 Eu tive uma inquietude muito grande em relação ao que estava acontecendo. Sou católica e busquei uma resposta na Bíblia, pensando que quem está me fazendo mal é um juiz. Então, eu fui buscar em juízes na Bíblia. E lá tem a história dos trezentos de Gideão e há a menção de tochas acesas. Eu tive uma inspiração divina.

Mas há alguma relação com a Ku Klux Klan?
Claro que não. As máscaras eram para dar medo mesmo, e também pedi para todo mundo ir de preto. Foi um sucesso. Assustou, é o que a gente quer. A gente trabalha com o medo quando entende que uma autoridade comete atos ilegítimos e que a gente não pode mais contar com respeito. E é um medo gerado por uma ação não-violenta. Olha o poder disso. Eu não preciso bater em ninguém. Eu só coloquei uma roupa preta e segurei uma tocha, e as pessoas já ficaram assustadas. E, obviamente, há uma narrativa de toda a imprensa de que tudo o que nós fizermos será nazista. A esquerda atribuiu a palavra nazismo e fascismo no sentido de que ‘tudo o que eu não concordo é nazismo ou fascismo’. Para eles, ser apoiador do Bolsonaro é automaticamente ser nazista ou fascista. Para você ver: os evangélicos colocam a mão em cima da cabeça do Jair Bolsonaro para orar, e logo falam que estão fazendo Sieg Heil [a saudação nazista].
Ele bebe leite para homenagear a ministra da Agricultura, é nazista. A gente acende tochas de luau, e é nazista. Não é algo que nos atinge. Com comunista não se dialoga, comunista se humilha. Essa é uma tese do professor Olavo de Carvalho.

(.....)

Como é o treinamento de vocês?
O treinamento é baseado em desobediência civil e técnicas de ação não-violenta. Tivemos instrução sobre investigação, inteligência, estratégia. Tivemos alguns professores, que preferem ter seus nomes resguardados, no campo da estratégia, da inteligência e da geopolítica. O treinamento foi um dia todo. Fizemos dois treinamentos, os dois começando de manhã e terminando ao fim do dia.

Onde fica o ‘QG’?
Não vou dizer, é segredo. Para ninguém ir lá e tacar um coquetel molotov. A gente não pode colocar a vida das pessoas em risco. Nós estamos sendo ameaçados de morte, estupro e espancamento. Se a gente mostra o lugar, está abrindo mão da nossa segurança e das pessoas que ali frequentam. Não tem como.

Houve algum treinamento paramilitar?
Não, nenhum. Quando você fala em paramilitar, quer dizer que há uma milícia armada. Aqui nós tivemos um treinamento de militância não-violenta, o que é exatamente o oposto. Sabemos ter postura, como segurar um cartaz, como chamar atenção da imprensa para os nossos protestos, como se portar diante de uma ocasião em que há uma pessoa do outro espectro político.

Como se portar, por exemplo, se houver um encontro entre manifestantes de direita e de esquerda? Assim: todos os meninos vão para a frente, as meninas ficam atrás. Se tiver de proteger alguma coisa, fazemos um cordão de isolamento, igual ao da polícia. E a gente fica sempre na defesa, nunca no ataque. Sempre manter a prudência, a temperança. Nunca, de maneira alguma, por mais que xinguem, pôr a mão, principalmente se for mulher. É uma prática comum da esquerda colocar as mulheres para provocar, que é para estimular a agressão do outro lado. Eu já deixo tudo avisado. A esquerda também deixa menores de idade sempre expostos, que é para alguém do lado oposto bater num menor de idade e se encrencar.

(.....)
Quando a senhora falou em trocar socos com ministro Alexandre de Moraes, não mostra justamente o contrário? 
Não, porque eu expressei um desejo e uma vontade, e não um fato expresso. Eu disse: ‘Como eu queria estar em São Paulo, porque, se estivesse, iria na frente da casa dele e convidá-lo a trocar socos comigo’. Não disse que ia à casa dele bater no ministro. Sei muito bem as coisas que eu falo, sou muito policiada. Expressei um desejo, um sentimento, uma vontade. Principalmente depois que ele instrumentalizou a Polícia Federal para vir na minha casa num inquérito ilegal, criminoso, inconstitucional. Eu estava sem roupa, tive os meus direitos humanos e fundamentais violados, sofri constrangimento, tive de fazer xixi com um agente da Polícia Federal me olhando, coisa que não acontece nem na cadeia. Eu não sou criminosa, sou uma jovem mãe. Pegaram até o meu dinheiro, sendo que no mandado de apreensão falava claramente que iriam pegar itens eletrônicos.

A senhora vai prestar depoimento?
Não vou. Isso é desobediência civil. Eu recebi uma ordem absurda de uma autoridade que, para mim, é ilegítima.

(.....)

Não há armas? A senhora já disse que havia. Há pessoas que compõem o nosso grupo de organização de apoiadores que são seguranças privados, que são policiais militares ou de outras polícias, que são atiradores, caçadores, colecionadores. Mas que compõem o nosso grupo de organização. No acampamento, não posso dizer se tem ou não. Se eu disser que tem armas, vem um juiz querer fechar. 
Se eu disser que não, vem um ‘antifa’ querer nos matar porque estamos desarmados. Mas, para esclarecer, qualquer pessoa neste acampamento que possa estar armado tem a sua arma expedida pela PF ou nos devidos órgãos competentes. Não existe nenhuma arma ilegal aqui e nós não trabalhamos com resistência armada.

Essa iminência da prisão não causa um certo receio?
 Não. No treinamento que eu fiz na Ucrânia, eu sofri coisas muito ruins que tiveram como consequência a ausência do medo no meu psicológico.

Como se prepara para não ter medo?
Na Ucrânia, eu apanhei muito. Inclusive de homens, com tapas na cara. Tapas para humilhar, para a gente aprender a não sorrir, a não chorar e a ser forte. São treinamentos baseados na desmoralização também. De te despir, literalmente, de toda a sua dignidade. Eu fiquei quatro horas nua com outras meninas que estavam passando pelo treinamento, em posição de sentido, repetindo: ‘Eu sou uma puta’. Depois de um tempo, deixou de ser algo bizarro e ofensivo para parecer uma coisa legal. Eu escutei muitas vezes que a gente não era militante, mas, sim, militar. E o ensinamento era o de que a gente não usaria armas de fogo. As ferramentas eram econômicas, políticas, midiáticas e ideológicas. São algumas coisas desse tipo que estou trazendo para a direita, mas com balizas morais e cristãs. Não vou colocar ninguém pelado para repetir alguma coisa e não vou bater em ninguém.
Como a senhora avalia os protestos nos Estados Unidos gerados pela morte de George Floyd?
 Todas as vidas importam. .... Eu vi ‘antifas’ brancos espancando policiais negros. Qual é o objetivo disso?

Em VEJA - Política - Entrevista Completa


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

“Virundum”

Vélez comete erro, mas doutrinação na escola é prática antiga


Coluna publicada em O Globo - Economia 28 de fevereiro de 2019
Não teve perdão. O colega ficou de segunda época na matéria Canto Orfeônico por “desrespeito à pátria”. Era novembro de 1959, segundo ano do ginásio na escola pública de Botucatu, interior de São Paulo, dia de exame oral, que consistia em cantar um trecho de um dos quatro hinos principais: nacional, da Independência, da Bandeira e da República. E quando o professor perguntou qual hino havia sido sorteado, o colega, distraído, respondeu: “O virundum”.
“Zero, pode ir embora”, decretou o mestre.

Um vacilo porque todo mundo sabia que o professor era nacionalista ferrenho. Não, não era militar, nem direitista. Até se desconfiava que fosse meio comunista. De todo modo, patriota. A gente cantava um hino todos os dias. Os alunos, uniformizados, formavam no pátio, cantavam e andavam em fila para as salas. Claro que todo mundo tirava sarro. “Ouviram do Ipiranga” era o “virundum”. “Já podeis da pátria filhos” saía como “japonês tem quatro filhos”. Tinha ainda o “porém se a pátria amada precisar da macacada….”

Só no científico, primeiro ano do segundo grau, se dispensavam uniforme, filas e hinos.
Talvez porque se entendesse que, aos 16 anos, os jovens já estivessem bem formados e não necessitassem mais de tanta disciplina. Talvez porque já estivéssemos iniciando os anos 60, momento político de mais democracia. Mas ninguém reclamava de cantar os hinos. Assim, não sei o que teria acontecido se algum aluno se recusasse ostensivamente a cantar. Mas sei que aula de religião, católica, claro, não era obrigatória. Logo no começo do ano, os pais informavam a religião da família e os protestantes e judeus eram dispensados. Iam para o recreio, sob uma disfarçada inveja dos que permaneciam.

Tudo isso para dizer que o ministro da Educação. Ricardo ……., cometeu um erro inacreditável. O problema de sua ordem não estava em cantar o hino, mas no seu claro objetivo de doutrinação e propaganda. Além de cantar, os alunos deveriam aprender o lema da campanha de Bolsonaro, que o presidente repete em seus discursos.  

[bem lembrado pelo articulista que o problema de sua ordem não estava em cantar o hino - quem determina a execução do Hino Nacional nas escolas públicas e privadas é a Lei nº 5.700, de 1º set 1971, conforme art.39, parágrafo 2º, que assim se apresenta:

"...
Art. 39. É obrigatório o ensino do desenho e do significado da Bandeira Nacional, bem como do canto e da interpretação da letra do Hino Nacional em todos os estabelecimentos de ensino, públicos ou particulares, do primeiro e segundo graus.
 
Parágrafo único:  Nos estabelecimentos públicos e privados de ensino fundamental, é obrigatória a execução do Hino Nacional uma vez por semana.               (Incluído pela Lei nº 12.031, de 2009).
... "

Fácil perceber que o ministro NÃO COMETEU nenhuma ilegalidade, visto ser  DEVER de todo e qualquer cidadão CUMPRIR as LEIS e de qualquer funcionário público, e ministro de Estado é funcionário público, CUMPRIR e FAZER CUMPRIR as LEIS.]

O lema não quer dizer nada. “Brasil acima de tudo” pode ser dito por qualquer brasileiro. A questão é outra: qual Brasil queremos que esteja acima de tudo? Um país com um governo socialista, direitista ou liberal?  Do mesmo modo,Deus acima de todos” não significa nada. Para os crentes, de qualquer religião, é uma obviedade. Claro que Deus está sempre acima, mas é uma falsa unanimidade. De qual deus estamos falando? As diversas religiões fazem imagens diferentes, de modo que cada um entende a frase à sua maneira. [DEUS é um SER SUPREMO, em qualquer religião que se preze, por isso defendemos apenas inverter a colocação do TUDO e do TODOS. DEUS ESTÁ ACIMA DE TUDO.]
Para os ateus, os não crentes, trata-se de uma sentença vazia.

Usado em campanha eleitoral, entretanto, torna-se marca registrada, unilateral. Não pode, pois, ser imposta a todos os alunos do país. Pretender isso revela uma concepção autoritária do que seja a educação.  Mas não é novidade. Em 20 de setembro de 2007, escrevi aqui mesmo: “Domingo à noite, numa reunião de famílias amigas, vejo uma menina de 16 anos, aluna de um dos melhores colégios de São Paulo, queimando os miolos com o livro História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman. Mais exatamente com o capítulo 18, tema da prova do dia seguinte, que destacava dois itens: Marx e Engels anteciparam o colapso do capitalismo; e o socialismo é inevitável.”

A coluna, que está em meu livro “Neoliberal, não; liberal”, contava como as elites universitárias brasileiras continuavam socialistas mesmo depois da queda do muro de Berlim. E me espantava com o fato de que os jovens simplesmente poderiam tirar zero se escrevessem que o socialismo era um óbvio fracasso. Pior do que ter dito que o hino sorteado fora o “virundum”.

De lá para cá, o pensamento socialista continuou dominante nas universidades, nas escolas, nas elites intelectuais. Não foi oficial, mas indiretamente imposto pelo conteúdo do ensino e pelo que se considerava resposta certa nos testes de Humanas.
Um baita problema porque, sutilmente, eliminava a liberdade de pensar. Ainda temos que lidar com isso. Mas certamente não tornando obrigatório o “Brasil acima de tudo”.
Exige-se estudo, convencimento, persuasão e livre pensar.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Seita para exportação

Pregando o apocalipse e com regras ultraconservadoras, a Irmandade de Santa Cruz renasce no Amazonas e abre missões na América Latina

No ponto mais alto de dezenas de aldeias às margens do rio Solimões, ergue-se uma cruz vermelha com cerca de 5 metros de altura representando a Missão da Ordem Cruzada, Católica, Apostólica e Evangélica, mais conhecida como Irmandade da Santa Cruz. 

 MISSÃO
Os seguidores da irmandade acreditam que o fim do mundo está próximo e
que só sobreviverão aqueles que estiverem sob a sombra da cruz vermelha

 Seus seguidores se chamam de “irmãos” e, no Brasil, estão presentes apenas no estado do Amazonas. Daqui para frente, porém, mais “hermanos” sul americanos se juntarão a eles, já que a seita fundou neste ano uma missão em Buenos Aires, na Argentina, e se encontra ainda no Peru e na Colômbia. Criada nos anos 1970 com ensinamentos messiânicos e apocalípticos, a ordem cresceu entre índios e ribeirinhos da Amazônia, quase desapareceu após a morte de seu líder e profeta, José Francisco da Cruz, e hoje está vivendo um novo despertar. “Não é permitido nenhum tipo de vício: bebidas alcoólicas, cigarro nem jogo de futebol”, diz Orlandino Santos Pacaio, diretor da irmandade em Tabatinga (AM). “A mulher quando está menstruada não pode entrar na igreja porque neste tempo está impura. Está na Bíblia.”

 CÓDIGO
No culto não é permitido bebida alcoólica, cigarro, nem futebol. E as mulheres têm de ser obedientes
A irmandade acredita que o fim do mundo está próximo e que só sobreviverão aqueles que estiverem sob a sombra da cruz vermelha. O dízimo é obrigatório. Como na maioria das denominações cristãs, 10% da renda vai para as igrejas. Para a doutrina da ordem, porém, quem não pode pagar deve contribuir com os bens pessoais ou com o suor da pele. Missionário católico no Alto Solimões, o frei italiano Paolo Maria Braghini considera que o sistema é radical e, às vezes, exploratório. “Já vi pegarem o motor da canoa de uma pessoa que não tinha dinheiro. Numa região onde a navegação é fundamental, isso retira o sustento da família.”

O fundador da ordem nasceu José Fernandes Nogueira, em Cristina (MG), em 1913. Desde a juventude queria ser padre, sem sucesso. Casou-se, teve filhos e abandonou tudo para peregrinar pelo País com o nome de José Francisco da Cruz. Numa de suas andanças, a polícia o capturou e o levou de volta à família, mas por pouco tempo. Partiu novamente e passou por vários estados até chegar ao Peru. Lá, apaixonou-se por uma índia que mais tarde o abandonaria. Segundo Pedrinho Guareschi, que o conheceu pessoalmente para escrever o livro “A Cruz e o Poder”, essa desilusão amorosa pode estar por trás da aversão do pastor a mulheres. “Não sei se de fato houve qualquer relação mais íntima, mas depois disso ele ficou traumatizado”, afirma. Atravessou a fronteira para o Brasil ao lado dos fiéis peruanos, fixou-se às margens do Solimões em 1972 e lá permaneceu até a morte, dez anos depois.

Boa parte dos seguidores da irmandade são índios da etnia ticuna, a maior do Brasil, com 46 mil pessoas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os que ali vivem, a influência da seita é ambígua. Se por um lado ela proíbe ritos tradicionais, como o da Moça Nova (cerimônia de entrada das meninas na vida adulta e umas das principais da cultura), por outro as aldeias convertidas quase nunca apresentam casos de alcoolismo, problema comum entre indígenas da região. De qualquer modo, a religião se adaptou à realidade local. “A Santa Cruz mistura catolicismo popular e pentecostalismo”, diz o antropólogo Ari Pedro Oro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Os ticuna tinham um passado messiânico, esperavam pelo retorno de um herói mítico. O que era dito pelo fundador da seita se encaixou no que os eles já acreditavam.”

Nem tudo permaneceu igual desde a fundação da igreja, há quase 50 anos, até sua internacionalização. O dízimo, por exemplo, não era considerado tão importante antigamente, e muitas vezes sequer era cobrado. Além disso, disputas que sempre existiram entre fiéis brasileiros e peruanos partiram o culto em duas facções, uma considerada mais moderada e outra mais radical. Permaneceu, no entanto, a hierarquia de poder imposta por José da Cruz, dividida entre presidentes, diretores e até delegados, responsáveis pela fiscalização dos hábitos dos fiéis. “A ideia do fundador era mudar o conjunto da sociedade. Por isso, ele não deixou só lideranças religiosas, mas políticas e econômicas também. Isso criou um grande controle social”, afirma Oro.

Fotos: Cacalos Garrastazu 
 
 Fonte: Raul Montenegro - raul.montenegro@istoe.com.br