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sábado, 9 de dezembro de 2023

Lula falha no combate ao crime enquanto onda de violência avança

Presidente opta por indicar Flávio Dino ao STF e deixa dúvidas sobre o futuro da pasta e da luta contra a criminalidade no país

Foram nos longínquos tempos da República Velha, há mais de cem anos, a última vez em que o Senado barrou uma indicação do presidente ao STF
A tradição tem tudo para ser mantida na República Lula 3, mas a aprovação do nome de Flávio Dino ao Supremo, na sabatina prevista para a próxima quarta, 13, vem exigindo um esforço acima da média não apenas do Palácio do Planalto e de sua base política, mas também de alguns integrantes da Corte, de forma a evitar uma surpresa, por mais improvável que seja. 
Tão importante quanto garantir esse aval será a escolha de quem assumirá o Ministério da Justiça, sendo que essa substituição ocorre em meio a uma grave crise de segurança no país. 
À frente da pasta, Dino fez muito barulho com o lançamento de planos pirotécnicos de combate à criminalidade, que tiveram a eficácia de tiros de festim — avaliação compartilhada até mesmo dentro de núcleos importantes do PT. 
Se não bastasse, o estilo espalhafatoso do ministro jogou no colo do Palácio do Planalto a responsabilidade sobre o problema, deixando por ora em segundo plano o papel fundamental dos governos estaduais nessa questão. “Foi um dos maiores erros políticos do Dino”, diz um aliado bastante próximo ao presidente.
 
Esse protagonismo resultou, de fato, em um autêntico tiro no pé. Conforme mostram algumas pesquisas, a sensação de insegurança nunca foi tão grande. Em setembro, o Datafolha constatou que, ao lado de saúde, a violência aparece em primeiro lugar entre as maiores preocupações da população. 
Mais recentemente, uma sondagem do instituto Atlas Intel apurou que 60,8% consideram “criminalidade e tráfico de drogas” como os maiores problemas do país, enquanto 41% consideram “péssima” a atuação federal em relação à segurança pública. O mesmo levantamento indica que a aprovação a Lula caiu de 52% para 49,6% entre agosto e novembro, enquanto a avaliação do governo como “ruim” ou “péssimo” foi de 42% para 45%. “Pela primeira vez, o item aparece como o maior desafio a ser enfrentado pelo país”, diz Andrei Roman, CEO do Atlas Intel.

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TERROR FLUMINENSE - Homem é preso pela Polícia Civil em julho na Baixada Fluminense suspeito de integrar a milícia de Danilo Dias Lima, o Tandera, acusada de tráfico de armas, extorsões e homicídios. A atuação desses grupos levou ao envio da Força Nacional de Segurança ao Rio em outubro. No mês seguinte, a PM Vaneza Lobão, que apurava a ação de milicianos, foi morta a tiros de fuzil
TERROR FLUMINENSE – Homem é preso pela Polícia Civil em julho na Baixada Fluminense suspeito de integrar a milícia de Danilo Dias Lima, o Tandera, acusada de tráfico de armas, extorsões e homicídios. A atuação desses grupos levou ao envio da Força Nacional de Segurança ao Rio em outubro. No mês seguinte, a PM Vaneza Lobão, que apurava a ação de milicianos, foi morta a tiros de fuzil (Gabriel de Paiva/Ag. O Globo;/Reprodução)

O esforço para federalizar o combate ao crime não parou por aí. Outra medida controversa foi a inédita aplicação da Garantia da Lei e da Ordem em portos e aeroportos do Rio e São Paulo, alvo de críticas de especialistas por obrigar os militares a atuar no combate ao tráfico de drogas, algo para o qual não foram treinados. “O Ministério da Justiça acelerou o ritmo das ações operacionais neste ano. É onde estão a força e a fraqueza da atuação de Dino na pasta”, afirma o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. “Alguns governadores perceberam que o Ministério da Justiça chamou para si a responsabilidade e jogaram a batata quente no colo do governo federal”, completa ele.

Em outras palavras, as ações promovidas tiraram do alvo principal das críticas os governos estaduais. Em novembro, Cláudio Castro recriou uma secretaria para a área após sugestão do ministro Flávio Dino, que desejava um canal direto de interlocução. Pesquisadores, no entanto, afirmam que, mais do que pastas, o que falta na relação do governo federal com os estados é uma integração constante e efetiva entre as polícias e um plano de atuação conjunto que considere os índices criminais de cada região. A percepção é que o ministério virou um balcão de serviços para os estados, fornecendo ajuda de varejo escamoteada como ação coordenada, mas que pouco resolve na prática. “O Rio tem mais de 55 000 homens, somando as polícias Militar e Civil. Está na cara que não precisa de 300 agentes da Força Nacional”, afirma o ex-secretário nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM paulista José Vicente da Silva.

PIROTECNIA NO SAGUÃO - Soldado das Forças Armadas patrulha o Aeroporto do Galeão, no Rio, em razão da decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) pelo governo Lula em novembro. A medida, que visa a combater o tráfico internacional de drogas, foi adotada ainda no aeroporto de Guarulhos (SP) e nos portos de Itaguaí (RJ), Rio e Santos. Para especialistas, o uso de militares contra o crime é uma estratégia que rende boas imagens, mas poucos resultados
PIROTECNIA NO SAGUÃO – Soldado das Forças Armadas patrulha o Aeroporto do Galeão, no Rio, em razão da decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) pelo governo Lula em novembro. A medida, que visa a combater o tráfico internacional de drogas, foi adotada ainda no aeroporto de Guarulhos (SP) e nos portos de Itaguaí (RJ), Rio e Santos. Para especialistas, o uso de militares contra o crime é uma estratégia que rende boas imagens, mas poucos resultados (Gabriel de Paiva/Ag. O Globo/.)
As ações muitas vezes desarticuladas de combate ao crime organizado encontram do outro lado quadrilhas cada vez mais armadas, especializadas e com maior abrangência territorial.  
Décadas de descaso do poder público resultaram no fortalecimento de máquinas que hoje dominam o tráfico internacional, transformando o país num dos importantes entrepostos de envio de drogas e armas à Europa. Além disso, impõem verdadeiro estado de sítio à população das grandes, médias e até pequenas cidades, num processo de interiorização de suas atividades. 
Em paralelo, observa-se o crescimento das milícias que dominam boa parte das atividades nas comunidades onde atuam, restringindo a cidadania e espalhando o terror.
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Na Amazônia Legal, a histórica disputa por território na imensa área de 5 milhões de quilômetros quadrados ganhou contornos extremamente violentos desde que as principais facções do Sudeste — PCC e Comando Vermelho — romperam e passaram a rivalizar com grupos locais e internacionais pelo controle do tráfico internacional de drogas e de outras ilicitudes, como o garimpo em terras indígenas, a pesca ilegal e a exploração sexual. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao menos 22 quadrilhas atuam em 178 dos 772 municípios dentro e fora da floresta. É ali que a quantidade de mortes violentas intencionais, como homicídios dolosos e latrocínios, cresceu em 2022. O índice por 100 000 habitantes chegou a 33,8, quando a média nacional ficou em 23,3. Ou seja, 45% a mais. O mesmo estudo mostra que o número de assassinatos avançou 7,3% nas cidades rurais no ano passado. Já nos municípios considerados urbanos também houve alta, mas menor, de 0,8%.

Boa parte das estatísticas já vinha piorando há mais tempo e, durante a transição do governo Bolsonaro para o de Lula, a equipe responsável pelo plano de segurança se impôs a tarefa de tentar quebrar o estigma de que partidos como o PT, ao chegar ao poder, mostram-se lenientes com bandidos, em nome das políticas de direitos humanos. Agora, diante do complicado cenário atual, é inevitável que a dificuldade enfrentada historicamente pelos governos de esquerda nesse campo seja explorada pelos adversários na eleição de 2024. Para alas importantes do PT, a passagem de Dino pelo Ministério da Justiça forneceu munição aos opositores. “Não deixou nenhum legado”, critica um dos aliados do governo.

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Os nomes aparecem acompanhados de argumentos que vão desde necessidade de apoio político até o aumento da representação feminina ou de partidos apoiadores do governo. Mas o importante é que seja um nome qualificado para fazer frente a um dos principais problemas enfrentados pela sociedade. 
Embora não seja de uma ação sob a responsabilidade do governo federal, não é possível aceitar episódios como o vivido pelo empresário Marcelo Benchimol, de 67 anos. Ele caminhava pela calçada de Copacabana, no Rio, quando viu uma senhora sendo assaltada. Ao tentar protegê-­la, foi roubado e agredido por dois homens até desmaiar. “Eu fico chateado porque não sei se isso tem final. Se prenderem esse grupo, outro vem e assim por diante”, desabafou o empresário, resumindo um pouco o desalento que toma conta do brasileiro.
 
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Outro caso de relevância global foi a política da “Tolerância Zero” em Nova York, promovida pelo prefeito Rudy Giuliani entre 1994 e 2001. Baseado na ampliação do policiamento, fortalecimento da autoridade policial e endurecimento das penas, o modelo entregou uma drástica diminuição de 61% dos homicídios e 44% da criminalidade em uma cidade assolada pela violência nos 1970 e 80. “É possível se inspirar em políticas de segurança pública de outros países, mas não se pode importar um modelo generalizado. É preciso realizar estudos regionais e locais, com foco nas zonas mais vulneráveis, para implementar projetos mais eficientes”, avalia Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Mas algo precisa ser feito. O presidente e outras autoridades precisam definitivamente parar de tratar de forma errática e demagógica um tema tão sensível e complexo. Afinal de contas, os brasileiros merecem ter paz — e segurança.
 
 Publicado em VEJA,  edição nº 2871 de 8 de dezembro de 2023
 
 

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