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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

O que é um judeu? O caso Herzl - Gazeta do Povo

Bruna Frascolla - VOZES

Sionismo

 

 Theodor Herzl com sua família perfeitamente europeia. O menino não é circuncidado.| Foto: Domínio público

A escalada do conflito em Israel voltou os holofotes para o sionismo. De um lado, diz-se que o sionismo é uma coisa essencialmente maléfica; de outro, diz-se que ser contra o sionismo é o mesmo que tatuar uma suástica na testa
Arrisco dizer, porém, que a imensa maioria dos que falam sobre sionismo não fez mais que seguir as exortações e invectivas dos seus influencers prediletos, sem se dar ao trabalho de averiguar nada. 
Ninguém tem obrigação de saber sobre tudo, claro. 
Mas o mínimo que se espera é que, quando não temos a pretensão de conhecer um assunto, não subamos em palanques virtuais para pedir cabeças e dar chiliques.

Como faz parte da minha profissão escrever sobre as coisas – e como, ainda por cima, tenho interesse em história do pensamento racial por causa das semelhanças entre o neorracismo negro e o nazismo –, fiz o elementar: li O Estado Judeu (1895), de Theodor Herzl, a fim de comentá-lo aqui. Esse opúsculo é a fundação do sionismo (ou do “sionismo moderno”, como dizem os sionistas mais ousados que alegam que o sionismo está na Torá).

Theodor Herzl (1860 – 1904) nasce em Peste (metade de Budapeste), no Império Austro-Húngaro, numa família de judeus assimilados. O que é um judeu assimilado?

Bom, o judaísmo é pelo menos duas coisas ao mesmo tempo: uma religião e uma etnia
Ao contrário das demais religiões abraâmicas, o judaísmo não faz proselitismo e não está de portas abertas para a entrada de qualquer um. Nem sempre foi assim. 
Na Antiguidade tardia, os judeus converteram pelo menos dois grupos populacionais relevantes: algumas tribos nômades dos cazares, que ficavam rodando pela atual Ucrânia, Rússia e Cazaquistão, e algumas vilas etíopes. 
Os etíopes ficaram em relativo isolamento na maior parte da História, mas hoje judeus negros têm direito à cidadania israelense e, de fato, a esmagadora maioria vive lá hoje. 
Já os cazares, que deixaram de existir enquanto povo ou tribo, deixaram descendentes entre os judeus asquenazitas. Isso não quer dizer que os judeus asquenazitas não têm origem hebraica; quer dizer somente que são mestiços que têm o sangue dessa tribo extinta de língua túrquica.
De meados do século XIX a meados do século XX, floresceu o racismo científico. Por isso, o judaísmo era facilmente identificado com uma raça. À epoca de Herzl, portanto, um “judeu assimilado” era um indivíduo de raça judaica que aderiu à cultura do seu meio. 
Isso poderia incluir a conversão à cristandade, ou a adoção de um cientificismo ateu.
 
Theodor Herzl, então, era um judeu assimilado no Império Austro-Húngaro. Sua primeira língua era o alemão e ele era um fervoroso germanófilo em sua juventude: achava que a germanização progressiva faria os indivíduos de origem judaica, como ele, a evoluírem. No âmbito pessoal, tinha planos de ser um grande engenheiro. 
O motivo era o Canal de Suez, um grande um projeto utópico dos sansimonianos que acabou dando certo. 
Os sansimonianos eram engenheiros utópicos e predecessores tanto do positivismo como do marxismo. 
 Fizeram parte do movimento, inclusive, judeus sefarditas franceses, os Irmãos Pereire (um afrancesamento de Pereira), que eram banqueiros rivais dos Rothschild, também banqueiros judeus, porém asquenazitas.
 
Herzl não deu certo na engenharia e foi para as humanas. Virou jornalista, poeta e folhetinista (profissão hoje extinta, a do escritor de romances que saíam em capítulos nos jornais, como novela de TV, só que por escrito: Machado de Assis e Victor Hugo eram folhetinistas). 
Um episódio, porém, o converteu num ativista político: o Caso Dreyfus (1894 - 1906). 
Em resumo, um militar francês de origem judaica, Alfred Dreyfus, perdeu as patentes e foi condenado pela França à prisão perpétua por traição, mesmo sendo inocente.  
No fim, após grande comoção pública, Dreyfus foi inocentado e recuperou as patentes. A França é um país bem antissemita (basta comparar a boa vontade dos franceses para delatar aos nazistas gente de sangue judaico); assim, restou claro que o preconceito contra a origem racial de Dreyfus foi o motivo da condenação.
 
Para piorar, o demagogo Karl Lueger, na Áustria-Hungria natal de Herzl, arrastava multidões com sua pauta antissemita. Foi um modelo para o jovem austríaco Adolf Hitler. 
Assim, Theodor Herzl viu frustrada a sua ideia de viver reconhecido como um germânico pleno, cultor da língua. Daí resultou a sua ideia do Estado Judeu. O Caso Dreyfus começa em 1894; em 1895 sai Der Judenstaat, ou O Estado Judeu.

Mas o que é um judeu? Essa é uma questão com a qual Herzl se bate no seu opúsculo. Herzl decididamente não era um religioso: não se deu nem mesmo ao trabalho de circuncidar o filho. No entanto, a “fé” é apenas a segunda das duas coisas apontadas que unem o povo judeu, e aparece como fator de união só do meio para o fim do escrito. A primeira dela é o antissemitismo. Diz ele: “Nós somos um povo: nossos inimigos nos fizeram um só sem o nosso consentimento, como sempre acontece na História. Nós nos unimos no sofrimento, e no sofrimento descobrimos, de repente, a nossa força. Sim, nós temos a força para construir um Estado; na verdade, um Estado Modelo.” (Eis o alemão para quem quiser comparar: “Wir sind ein Volk – der Feind macht uns ohne unseren Willen dazu, wie das immer in der Geschichte so war. In der Bedrängniss stehen wir zusammen und da entdecken wir plötzlich unsere Kraft. Ja, wir haben die Kraft, einen Staat, und zwar einen Musterstaat zu bilden.” Basta ir no Wikisource, pois o texto original está em domínio público. Os direitos das traduções são outra história.)

Abstraída a questão religiosa, o que é um judeu? Para Herzl, um judeu é aquele que é perseguido por ser judeu. Assim, uma consequência óbvia tirada pelos contemporâneos de Herzl é que ele fomentaria o antissemitismo para fazer prosperar o seu projeto político. Do mesmo jeito que os líderes do movimento negro precisam aumentar o racismo para provar que o seu próprio trabalho é fundamental. A pretensão de falar em nome da coletividade dos judeus também lembra o identitarismo. Mas o que me salta às vistas nesse trecho é a possibilidade de criar uma identidade baseada na opressão social, em vez de numa realidade concreta. Transfira isso para a definição de “mulher” e pense no que pode dar.

Herzl se defende das acusações de que ele precisa criar antissemitismo onde não há, ou aumentar onde já há. A sua defesa consiste em atacar a “assimilação”, dizendo ser ela impossível, exceto por meio dos casamentos mistos. Só por meio da miscigenação os judeus poderiam ser assimilados: “A assimilação, pela qual compreendo não só a mera aparência exterior das roupas, dos estilos de vida, dos costumes e da língua, mas, em vez disso, uma identificação em um sentido e um tipo... A assimilação generalizada dos judeus só poderia ser feita por meio dos casamentos mistos.” (Em alemão, procurar pelo parágrafo que começa com “Die Assimilirung, worunter…)

Resta perguntar, então, o porquê. Será o judaísmo considerado uma raça também por Herzl? Uma raça associada a um modo interno de sentir? A biologia molda o nosso sentido interno, de modo que acabar com o judaísmo só seria possível por meio de uma mudança biológica? Outra vez, isso lembra o cartaz dos racialistas na Avenida Paulista: “Miscigenação é genocídio.” E os tribunais de heteroidentificação racial também exigem uma conformação psicológica (que nada mais é que a adesão ao movimento) para reconhecer alguém como negro.

Seja como for, uma coisa relevante que transparece em Herzl é que as comunidades de origem judaica àquela altura mantinham o hábito de casar entre si, de modo que a “raça” permaneceria sem muita mestiçagem. (O exemplo que ele dá é o de um "casamento misto" reconhecido pela Hungria no qual uma judia se casava com um "judeu batizado".) A relevância do caráter racial para o debate sionista não pode ser diminuída, e o melhor exemplo disso é a politização que a questão da remotíssima miscigenação com os cazares (lá na antiguidade…) causou entre judeus e não-judeus no século XX, com a publicação do livro de Arthur Koestler, um judeu asquenazita que queria provar que não tinha nada a ver com semitas.

Mas bom, a maior diferença entre os negros e os judeus, no que concerne a essa questão, é que podemos sem pestanejar dizer o que é um negro: um negro é alguém de pele negra. 
Não há nada de cultural envolvido nessa questão; negros podem ser judeus, muçulmanos, ateus, brasileiros, congoleses, etíopes... 
Não faz sentido perguntar se um negro é assimilado; faz menos sentido ainda um negro dizer que “se descobriu” negro. Por outro lado, as discussões sobre assimilação eram habituais na Europa de Herzl; e é possível alguém se descobrir judeu após analisar o próprio histórico familiar. 
Afinal, o que é um judeu? Herzl não dá uma definição, nem toca nos critérios pelos quais alguém é reconhecido ou se reconhece como judeu.

Respondamos, então. Considerando a biologia algo apenas acidental, podemos com facilidade apontar o critério primário segundo o qual alguém é apontado como judeu: ter nascido de um ventre judaico. Ou seja, o judeu é o filho da judia (e não necessariamente do judeu). Judeu nasce judeu, não se torna. E como a própria judia pode ser ateia ou convertida a outra religião, resulta que esse critério cultural acaba redundando na matrilinearidade pura e simples. Assim, das três religiões abraâmicas, só uma tem porta de saída: se no islamismo podem te matar caso você queira sair, no judaísmo você continua sendo considerado judeu mesmo que nunca tenha sido nem sequer circuncidado.

O leitor deve saber da “conversão” ao judaísmo de figuras ilustres, tais como a filha de Trump, que se casou com um judeu e hoje é considerada judia. A mãe da israelense Shani Louk é uma alemã de origem católica que fez o mesmo trajeto da Ivanka Trump: casou com um judeu e foi aceita como judia. Não posso apontar fontes, porque meu conhecimento do assunto é oral e o judaísmo não tem Papa, de modo que não é fácil apontar uma doutrina oficial. De todo modo, explico o que eu aprendi oralmente: não é possível se tornar judeu; o que é possível é a autoridade religiosa reconhecer que você é uma alma judaica que foi, digamos assim, extraviada para um útero não-judaico.

Sei disso porque um familiar mestiço, judeu segundo critérios étnicos, resolveu virar judeu religioso e quis que o lado gentio da família aderisse à religião judaica junto com ele. De minha parte, achei a religião mais parecida com um transtorno obsessivo compulsivo generalizado, e não poderia haver proposta menos tentadora. E por aí eu entendi também por que tem tanto judeu ateu: dá trabalho demais ser religioso e é muito aflitivo, pois envolve passar o dia inteiro pensando nisso. A religião inclui até agradecimento a Hashem quando se vai ao banheiro. E Hashem é o modo de se referir a Deus, cujo nome não deve ser pronunciado ou escrito à toa.

Em seu opúsculo, Herzl menciona a acusação de que ele fortaleceria o antissemitismo justamente quando o processo de assimilação estaria quase concluído. 
 De fato, muitos europeus de origem judaica (como se costumava dizer então) haviam se convertido a diversas religiões cristas, ou haviam até nascido num lar cristão novo. 
Karl Popper, austro-húngaro, nasceu num lar cristão novo luterano; 
Edith Stein se converteu ao catolicismo, virou freira e foi canonizada; Jacques Maritain, filósofo católico francês, casou-se com uma judia que se converteu ao catolicismo junto com a irmã; 
Karl Polanyi, austro-húngaro, nasceu num lar cristão novo calvinista; 
Aurel Kolnai, austro-húngaro, converteu-se ao catolicismo… 
Que eu saiba, não existia isso de ser reconhecida como alma judaica para se casar com um judeu; ou, se havia, não havia interesse. A tendência parecia ser a de o grosso da tribo judaica se dissolver na cristandade (como as tribos europeias fizeram antes), sobrando só os ortodoxos, cuja identidade estaria fundada na observância à religião judaica… Até aparecer o sionismo. Aí ficamos fazendo cálculos de matrilinearidade, ou recorrendo a tribunais de heteroidentificação de alma, para decidir quem é judeu.

Porém, uma fé que concorria com as confissões cristãs era a fé laica na ciência, o cientificismo que tanto atraíra o jovem Herzl à engenharia. E o que vemos no seu esboço de como deveria ser o Estado Judeu é a manifestação da fé na Ciência. Que fica para o próximo texto.

domingo, 27 de março de 2022

O soldado brasileiro morto em combate durante missão de paz na região do Canal de Suez - O Globo

Guerra dos Seis Dias

Quando deu no rádio que um soldado brasileiro ainda não identificado morrera num combate em Rafah, na região do Canal de Suez, no Oriente Médio, a gaúcha Alzira Ilha de Macedo escondeu o rosto com as mãos. Ela tinha certeza de que era seu filho. Um pouco mais tarde, veio a confirmação: o cabo Carlos Adalberto Ilha, de 20 anos, era o praça abatido numa ofensiva israelense contra guarnições árabes no começo da Guerra dos Seis Dias, em 5 de junho de 1967. Aos gritos, dona Alzira se abraçou a Leda Maria, sua filha que se casaria no dia seguinte.

O cabo Carlos Adalberto Ilha Macedo, morto em Rafah, na Guerra dos Seis Dias

O militar nascido no município de Dom Pedrito, no Rio Grande do Sul, foi um dos cerca de 6 mil brasileiros que serviram no chamado Batalhão de Suez, enviado pelo Exército ao Oriente Médio como parte das Forças de Emergência das Nações Unidas, estas, por sua vez, criadas para dar garantir a paz na região do canal.

Crise e guerra: Um conflito de seis dias que moldou o Oriente Médio

Ilha estava em seu posto quando, na madrugada daquela segunda-feira, foi supreendido pelo ataque de tropas de Israel que, antecipando-se a um cerco de forças árabes, deu início à Guerra dos Seis Dias. Na artilharia contra os egípcios, os israelenses acabaram abatendo, acidentalmente, vários "capacetes azuis" (como são chamadas as tropas da ONU) em missão de paz na Faixa de Gaza. Entre os feridos, estava o filho de dona Alzira, baleado mortalmente no pescoço, uma semana depois de enviar uma carta a sua irmã dando parabéns pelo casamento.

Fila de rebocadores no Canal de Suez, após nacionalização, em 1956

Pode-se dizer que o destino do menino de Dom Pedrito começou a ser selado quando, em 1956, o então presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, decidiu nacionalizar o Canal de Suez
Uma das principais rotas comerciais do mundo, que liga o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo, o canal era controlado por britânicos e franceses. 
Ao mesmo tempo, Nasser bloqueou o Estreito de Tiran, hidrovia que dá a Israel o acesso ao Mar Vermelho. Em 29 de outubro de 1956, tropas israelenses com apoio de Reino Unido e França reagiram com uma invasão à Península do Sinai, no Egito.  
Quatro dias depois, forças inglesas e francesas atacaram posições no país árabe. Estava instalado mais um conflito no conturbado Oriente Médio.

Abdel Nasser: O 'faraó de uniforme' que nacionalizou o Canal de Suez

Com a bênção do governo americano, que estava mais preocupado com a crescente influência soviética no Egito em plena Guerra Fria, as Nações Unidas criaram as Forças de Emergência para acalmar os ânimos. O exercito da paz chegou à região do Suez a tempo de garantir um "cessar fogo" e supervisionar a saída das tropas invasoras, [destacando que as tropas invasoras  eram forças de Israel com apoio dos ingleses e franceses.] que começaram a deixar o Egito antes do fim daquele ano. 
Os capacetes azuis, porém, ainda manteriam presença na Península do Sinai por mais de uma década. Instaladas na fronteira entre Israel e Egito, as guarnições da ONU atuavam como um tampão entre as forças adversárias na zona do armstício, monitorando quaisquer violação de ambos os lados.

Primeiro contingente do Batalhão de Suez embarca no Aeroporto do Galeão, em janeiro de 1957

As Forças de Emergência eram formadas por militares de países como Colômbia, Canadá, Dinamarca, Índia e Suécia. O primeiro contingente de brasileiro zarpou rumo a Suez em janeiro de 1957, desembarcando em Rafah no mês seguinte. A partir de então, até meados de 1967, 20 contingentes do país, revezando-se a cada sete meses, estiveram na região do canal, na tentativa de controlar a tensão entre Israel, apoiado pelo Ocidente, e os países árabes, como Egito, Síria e Jordânia, sob influência da União Soviética.

Durante esses dez anos, a situação oscilou entre relativa tranquilidade e conflitos ocasionais, principalmente ao Norte de Israel, na fronteira com a Síria. Em abril de 1967, o país judeu lançou uma grande ofensiva contra posições sírias nas Colinas de Golã, o que acirrou os ânimos na região. Nos meses seguintes, os governos árabes formaram um cerco contra o inimigo, e Nasser pediu que as Nações Unidas removessem do Sinai os seus capacetes azuis. A partir daí, o começo de uma nova guerra tornou-se apenas questão de tempo.

Carlos Adalberto Ilha integrava o vigésimo e último contingente brasileiro na região do Canal de Suez. Quando Israel começou seu ataque contra as forças egípcias no Sinai, restavam mais de 400 soldados brasileiros. Não evacuados após o pedido de Abdel Nasser, foram pegos pelo fogo cruzado entre os lados inimigos do conflito que, mais tarde, ficou conhecido como a Guerra dos Seis Dias. O enfrentamento terminou com uma grande derrota para os países árabes, que tiveram cerca de 18 mil baixas e uma expressiva perda de equipamentos militares.

Ao longo de dez anos da Força de Emergência, seis outros soldados brasileiros morreram no Sinai, mas todos estes abatidos por "fogo amigo". Em 7 de junho de 1967, O GLOBO publicou uma reportagem sobre o cabo Ilha. Segundo o texto, ele tinha perdido um irmão mais velho que morrera ainda jovem por problemas cardíacos. Ainda tinha uma irmã de 15 anos e um irmão de 5 anos, ambos filhos do segundo casamento da mãe, Alzira. Na mesma matéria, o jornal reproduziu uma carta enviada pelo militar a sua irmã, dias antes de morrer. Leia, abaixo:

'Tu não podes imaginar como faz falta uma mãe'

"Querida mana Ledinha, primeiramente vou te dar meus parabéns pelo teu noivado, e em segundo lugar vou te pedir uma coisa: deves ser melhor filha para nossa mãe, pois ser mãe é a coisa mais sublime do mundo. Tu não podes imaginar como faz falta uma mãe. Eu, por exempio, estou afastado de todos, sinto saudades de todos, mas quando penso em minha querida mãe, eu choro, pois estou longe dela, sem seu carinho, sem suas broncas. Tudo que ela fala e faz é para nosso bem. Lembra-te disso, pois ser mãe qualquer uma é, mas como a nossa mãe não existe nenhuma no mundo. Deves ser melhor para ela, pois ela precisa de teu carinho e agora mais do que nunca, pois és a única filha, e que pensa um pouco, a que está perto dela, pois o Carlinhos ainda não sabe o valor de uma mãe. Bem, querida maninha, espero que penses melhor e que trates melhor nossa mãe, pois agora já és uma, mocinha, e muito bonita. Lembra-te dos sacrifícios que ela passou por nós. Espero ser atendido. Encerro esta, enviando-te milhões de felicidades. Que todos teus sonhos se realizem, é o que te deseja teu irmão que muito te quer".

Tanque inglês entre escombros na cidade de Port Said, no Egito


segunda-feira, 29 de março de 2021

Navio gigante desencalha no Canal de Suez

Equipes de resgate conseguem desencalhar navio gigante no Canal de Suez

Veículo de 400 metros que bloqueou uma das rotas comerciais mais importantes do mundo por quase uma semana já está se movimentando 

Equipes de resgate conseguiram, enfim, movimentar o navio Ever Given, da empresa Evergreen, seis dias depois de o veículo gigante encalhar no Canal de Suez, no Egito, paralisando uma das rotas comerciais mais importantes do mundo. A notícia foi divulgada inicialmente pela empresa especializada em serviços marítimos Inchcape no Twitter e confirmada por agências internacionais como a Reuters e Bloomberg.

Navio no Canal de Suez KHALED ELFIQI/EPA/EFE

Segundo os relatos iniciais, o navio foi parcialmente movimentado depois que escavadores removeram 27.000 metros cúbicos de areia, penetrando profundamente nas margens do canal, conseguindo liberar a proa encalhada. Algumas horas depois a embarcação foi desencalhada totalmente e agora já se movimenta na direção norte do canal. O acidente, porém, causou o congestionamento de mais de 450 navios ao longo de quase uma semana. O tráfego deve demorar mais alguns dias para se estabilizar.

O presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sissi, celebrou a operação em suas redes sociais. “Hoje, os egípcios conseguiram pôr fim à crise do navio encalhado no Canal de Suez, apesar da grande complexidade técnica do processo”, tuitou. Havia a expectativa de que, caso as escavações não funcionassem, seria necessário aliviar o peso do navio por meio da retirada de alguns de seus 18.300 contêineres, o que implicaria uma nova e complicada operação logística.

O navio de 400 metros de comprimento viajava com destino à Holanda, mas foi redirecionado por uma tempestade inesperada e encalhou em Suez na última terça-feira, 23. De acordo com a Lloyd’s Lists, que presta informações comerciais à comunidade marítima global, o bloqueio gerou um custo de 400 milhões de dólares por hora para o comércio. A empresa fez o cálculo com base no valor dos bens que trafegam diariamente pela região.

 Mundo - VEJA


terça-feira, 10 de março de 2020

Um conto árabe - Nas entrelinhas

”Com a nova crise do petróleo, a conjuntura mudou completamente, mas parece que o presidente Jair Bolsonaro ainda não percebeu a verdadeira dimensão do problema”

“Aquele que não sabe se adaptar às realidades do mundo sucumbe infalivelmente aos perigos que não soube evitar (…) Aquele que não prevê as consequências de seus atos não pode conservar os favores do século” (As Mil e Uma Noites). Desde a década de 1970, a Arábia Saudita manipula o fato de que o petróleo não tem uma fonte renovável, virando a mesa na relação com as grandes potências. O desenvolvimento da economia do carbono, com a industrialização e a ampliação do consumo, somente aumentou seu poder de barganha, liderando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Foi-se o tempo em que as chamadas “Sete Irmãs” (Standard Oil, Royal Dutch, Shell, Móbil, Gulf, BP e Standard Oil da Califórnia) controlavam os preços do mercado.

A primeira crise do petróleo ocorreu em 1956, quando o Egito nacionalizou o Canal de Suez, que era de propriedade anglo-francesa. A medida fez com que o abastecimento de produtos nos países ocidentais fosse interrompido, o que causou aumento dos preços do petróleo. O segundo momento foi em 1973, em protesto ao apoio que os Estados Unidos deram a Israel durante a Guerra do Yom Kipur: os países-membros da Opep novamente supervalorizaram o preço do petróleo. Entre outubro daquele ano e março de 1974, ou seja, em cinco meses, aumentou 400%, com reflexos nos Estados Unidos e na Europa, e desestabilizou a economia mundial.

Essa crise foi um fator decisivo para o colapso do chamado “milagre brasileiro”, durante o governo de Ernesto Geisel, o que colocou em xeque o regime militar. A resposta do governo foi criar o programa do álcool e iniciar a busca de petróleo no mar, para reduzir a dependência. Só recentemente o Brasil passou a ser autossuficiente na produção de petróleo. Nova crise ocorreu após a Revolução do Irã, cuja guerra com Iraque reduziu a produção de petróleo, eram os dois maiores produtores, e a oferta do petróleo foi bastante reduzida no mercado mundial. Em 1991, a Guerra do Golfo gerou outra crise. O Kuwait foi invadido pelo Iraque, os Estados Unidos intervieram no conflito e expulsaram os iraquianos do Kuwait, que, ao sair, incendiaram poços de petróleo.

Na crise financeira de 2008, iniciada no mercado imobiliário dos Estados Unidos, movimentos especulativos de escala global fizeram com que o preço do petróleo subisse 100% entre os seis primeiros meses do ano. Agora, estamos diante de nova crise, provocada pela Arábia Saudita, num cenário em que os preços do petróleo já estavam em baixa, por causa da epidemia de coronavírus, que desacelerou a economia global e afetou a demanda por energia. Os membros da Opep ainda são os maiores produtores de petróleo do mundo, juntos somam 27,13% da produção mundial.

Desabando
Na sexta-feira, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(Opep) sugeriu a diminuição da produção, estabilizando os preços da commodity. Mas a Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, condicionou o corte à colaboração da Rússia, que não faz parte da Opep e rejeitou a medida. No domingo, a Arábia Saudita, em retaliação, anunciou uma redução no preço de venda e um aumento na produção a partir de abril, o que provocou uma nova crise. Ontem, os preços do petróleo desabaram cerca de 25%, para perto de US$ 30, na maior queda diária desde a Guerra do Golfo. As bolsas de valores derreteram, inclusive a de Nova York.

No Brasil, a Bovespa desabou 12,16%, sua maior queda em mais de 20 anos. Voltou ao patamar de 27 de dezembro de 2018, quando marcou 85.460 pontos. Logo na abertura da sessão, o índice despencou 10%, atingindo mínimas em mais de um ano, o que provocou a interrupção das negociações (circuit breaker). Às 10h32, o índice registrou queda de 10,02%, recuando a 88.178 pontos, quando as negociações foram interrompidas por 30 minutos. O Banco Central (BC) teve de intervir no câmbio, vendendo dólar, torrando R$ 3 bilhões em reservas. A Petrobras perdeu R$ 91 bilhões em valor de mercado, avaliada em R$ 215,8 bilhões, contra um valor de R$ 306,9 bilhões no fechamento dos mercados na sexta-feira.

Com o PIB de 1,1% de 2019, o Brasil já estava em marcha lenta, correndo risco de desaceleração, por causa do impacto no coronavírus na economia mundial, principalmente a chinesa. Com a nova crise do petróleo, a conjuntura econômica mudou completamente, mas parece que o presidente Jair Bolsonaro ainda não percebeu a verdadeira dimensão do problema. Briga com aqueles com os quais precisa contar para enfrentar o cenário mundial, sobretudo o Congresso. [infelizmente, o Congresso não resolve os problemas econômicos brasileiros;
qualquer ação do Congresso, em favor do Brasil, além de lenta, custa caro.
O Poder Executivo tem que pagar um alto preço. A maior parte dos parlamentares - existe exceções - está mais preocupada com o que vai ganhar.]  Precisa se dar conta das mudanças em curso e da gravidade do momento que o país atravessa. Os principais problemas do país são de ordem objetiva, ou seja, não se resolvem com narrativas ideológicas, num jogo de perde-perde.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense