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terça-feira, 10 de março de 2020

Um conto árabe - Nas entrelinhas

”Com a nova crise do petróleo, a conjuntura mudou completamente, mas parece que o presidente Jair Bolsonaro ainda não percebeu a verdadeira dimensão do problema”

“Aquele que não sabe se adaptar às realidades do mundo sucumbe infalivelmente aos perigos que não soube evitar (…) Aquele que não prevê as consequências de seus atos não pode conservar os favores do século” (As Mil e Uma Noites). Desde a década de 1970, a Arábia Saudita manipula o fato de que o petróleo não tem uma fonte renovável, virando a mesa na relação com as grandes potências. O desenvolvimento da economia do carbono, com a industrialização e a ampliação do consumo, somente aumentou seu poder de barganha, liderando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Foi-se o tempo em que as chamadas “Sete Irmãs” (Standard Oil, Royal Dutch, Shell, Móbil, Gulf, BP e Standard Oil da Califórnia) controlavam os preços do mercado.

A primeira crise do petróleo ocorreu em 1956, quando o Egito nacionalizou o Canal de Suez, que era de propriedade anglo-francesa. A medida fez com que o abastecimento de produtos nos países ocidentais fosse interrompido, o que causou aumento dos preços do petróleo. O segundo momento foi em 1973, em protesto ao apoio que os Estados Unidos deram a Israel durante a Guerra do Yom Kipur: os países-membros da Opep novamente supervalorizaram o preço do petróleo. Entre outubro daquele ano e março de 1974, ou seja, em cinco meses, aumentou 400%, com reflexos nos Estados Unidos e na Europa, e desestabilizou a economia mundial.

Essa crise foi um fator decisivo para o colapso do chamado “milagre brasileiro”, durante o governo de Ernesto Geisel, o que colocou em xeque o regime militar. A resposta do governo foi criar o programa do álcool e iniciar a busca de petróleo no mar, para reduzir a dependência. Só recentemente o Brasil passou a ser autossuficiente na produção de petróleo. Nova crise ocorreu após a Revolução do Irã, cuja guerra com Iraque reduziu a produção de petróleo, eram os dois maiores produtores, e a oferta do petróleo foi bastante reduzida no mercado mundial. Em 1991, a Guerra do Golfo gerou outra crise. O Kuwait foi invadido pelo Iraque, os Estados Unidos intervieram no conflito e expulsaram os iraquianos do Kuwait, que, ao sair, incendiaram poços de petróleo.

Na crise financeira de 2008, iniciada no mercado imobiliário dos Estados Unidos, movimentos especulativos de escala global fizeram com que o preço do petróleo subisse 100% entre os seis primeiros meses do ano. Agora, estamos diante de nova crise, provocada pela Arábia Saudita, num cenário em que os preços do petróleo já estavam em baixa, por causa da epidemia de coronavírus, que desacelerou a economia global e afetou a demanda por energia. Os membros da Opep ainda são os maiores produtores de petróleo do mundo, juntos somam 27,13% da produção mundial.

Desabando
Na sexta-feira, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(Opep) sugeriu a diminuição da produção, estabilizando os preços da commodity. Mas a Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, condicionou o corte à colaboração da Rússia, que não faz parte da Opep e rejeitou a medida. No domingo, a Arábia Saudita, em retaliação, anunciou uma redução no preço de venda e um aumento na produção a partir de abril, o que provocou uma nova crise. Ontem, os preços do petróleo desabaram cerca de 25%, para perto de US$ 30, na maior queda diária desde a Guerra do Golfo. As bolsas de valores derreteram, inclusive a de Nova York.

No Brasil, a Bovespa desabou 12,16%, sua maior queda em mais de 20 anos. Voltou ao patamar de 27 de dezembro de 2018, quando marcou 85.460 pontos. Logo na abertura da sessão, o índice despencou 10%, atingindo mínimas em mais de um ano, o que provocou a interrupção das negociações (circuit breaker). Às 10h32, o índice registrou queda de 10,02%, recuando a 88.178 pontos, quando as negociações foram interrompidas por 30 minutos. O Banco Central (BC) teve de intervir no câmbio, vendendo dólar, torrando R$ 3 bilhões em reservas. A Petrobras perdeu R$ 91 bilhões em valor de mercado, avaliada em R$ 215,8 bilhões, contra um valor de R$ 306,9 bilhões no fechamento dos mercados na sexta-feira.

Com o PIB de 1,1% de 2019, o Brasil já estava em marcha lenta, correndo risco de desaceleração, por causa do impacto no coronavírus na economia mundial, principalmente a chinesa. Com a nova crise do petróleo, a conjuntura econômica mudou completamente, mas parece que o presidente Jair Bolsonaro ainda não percebeu a verdadeira dimensão do problema. Briga com aqueles com os quais precisa contar para enfrentar o cenário mundial, sobretudo o Congresso. [infelizmente, o Congresso não resolve os problemas econômicos brasileiros;
qualquer ação do Congresso, em favor do Brasil, além de lenta, custa caro.
O Poder Executivo tem que pagar um alto preço. A maior parte dos parlamentares - existe exceções - está mais preocupada com o que vai ganhar.]  Precisa se dar conta das mudanças em curso e da gravidade do momento que o país atravessa. Os principais problemas do país são de ordem objetiva, ou seja, não se resolvem com narrativas ideológicas, num jogo de perde-perde.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense




terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O Brasil planeja a ir à guerra aliado aos EUA? - José Casado

A guerra seduz o presidente

Brasil renunciou à ambiguidade como força vital da diplomacia

Donald Trump girou a chave da guerra com o Irã. Esse é, essencialmente, um conflito dos Estados Unidos com China e Rússia na disputa por hegemonia, define Henry Kissinger, ex-secretário de Estado.  
Arquiteto da distensão dos EUA com Pequim e Moscou nos anos 70, Kissinger gastou os últimos três dos seus 96 anos alertando sobre como o Irã se tornou fundamental para a China e a Rússia. Prevê reação à perspectiva de redução da influência na região — “se não o fizerem, estarão terminados, assim como os iranianos”. 12 mil quilômetros de Teerã, o ex-capitão Jair Bolsonaro resolveu se alinhar a Trump no conflito. Nada de novo, se o Itamaraty não liderasse uma manifestação contra o Irã. 

[não somos, nem pretendemos,  porta-voz  do presidente Bolsonaro, mas, ousamos afirmar que o Brasil não estará nem a favor do EUA tampouco do Irã.
Além da neutralidade conveniente aos interesses do Brasil não haverá nenhum conflito.

Quanto ao criticado 'protagonismo' do Brasil na Conferência contra o Terrorismo, vale destacar que ainda que o Irã seja considerado terrorista, a ação dos EUA, sem estar em guerra e em solo estrangeiro, configura o terrorismo de Estado, o que torna recomendável que o Brasil se afaste dos dois terroristas, não tome parte seja do 'terrorista' Irã, seja do 'terrorista' de Estado EUA = neutralidade absoluta.
O presidente Bolsonaro certamente sabe que a neutralidade é essencial aos INTERESSES do Brasil, validando o brado = Brasil, acima de todos! DEUS, acima de tudo.']


O Brasil renunciou à ambiguidade como força vital da diplomacia. Assumiu inédito protagonismo, incitando governos da América do Sul a uma ofensiva contra o regime iraniano no dia 20, em Bogotá, na Conferência Hemisférica contra o Terrorismo. O Itamaraty confirma em nota de dez parágrafos, na qual usa cinco vezes a palavra “terrorismo” em referência ao Irã. Nela, anuncia a inclusão do Brasil na “cooperação”, porque “não pode permanecer indiferente a essa ameaça, que afeta inclusive a América do Sul.” Faltou definir cooperação. Nos dicionários significa “operar juntamente”. Faltou, ainda, dizer se o Congresso foi consultado. 

Bolsonaro não alcançou nenhum dos seus objetivos declarados na aliança com Trump. E sua política externa baseia-se numa coletânea de crenças obscurantistas. Por isso, o Congresso deveria abandonar as longas férias e procurar respostas para questões relevantes à sociedade
Duas delas: 
- qual é o interesse brasileiro nesse conflito? 
- O Brasil planeja ir à guerra aliado aos EUA? 

Mais de 20% do superávit comercial de 2019 tiveram origem na região do Golfo, Irã incluído. Falta o governo explicar a lógica e apresentar seu plano para lidar com as vulnerabilidades do país numa economia global ameaçada. Decisões políticas têm custo, não dá para evitar as consequências. 

 
José Casado,  jornalista - Coluna em O Globo
 
 
 
 

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A gente somos inúteis - Nas entrelinhas

“Na revolução em curso no mundo do trabalho, a maioria das profissões que existirão daqui a 25 anos, provavelmente, ainda não foi nem criada; mesmo entre as novas, algumas terão vida efémera”

Ao examinar a medida provisória sobre a geração de empregos para jovens, devido aos jabutis incluídos pela equipe econômica no projeto do governo para criar quatro milhões de novos postos de trabalho, é inevitável lembrar do refrão da música Inútil, da banda de rock Ultraje a Rigor. Não só por causa do grande número de jovens nem-nem, fora do trabalho e da escola, sem condições de ingressar no mercado de trabalho devido à escolaridade precária (eram 23% dos 33 milhões de jovens entre 15 e 24 anos), mas também por causa de algumas ideias sem nenhuma chance de serem aprovadas pelo Congresso, como a taxação do seguro-desemprego e a extinção de várias profissões regulamentadas.

A medida provisória acaba com registros profissionais de jornalista, agenciador de propaganda, arquivista, artista, atuário, publicitário, radialista, secretário, sociólogo, técnico em arquivo, técnico em espetáculo de diversões, técnico em segurança do trabalho e técnico em secretariado, entre outros. Se levarmos em conta certas atitudes e declarações do presidente Jair Bolsonaro e a política adotada em relação à educação, à cultura e à imprensa, faz até certo sentido, pois existe realmente uma ojeriza governamental aos profissionais que atuam nessas áreas.

Jornalistas revelam o que certos poderosos não gostariam que fosse de conhecimento público; sociólogos estudam problemas para os quais as autoridades muitas vezes fecham os olhos; arquivistas classificam, preservam e organizam documentos que muitos gostariam que fossem incinerados; técnicos em segurança do trabalho denunciam condições insalubres e desumanas nas empresas; artistas fazem a crítica dos costumes e dos poderes. Por ironia, sobrou até para o empregado do lava-jato. Tudo bem que é preciso modernizar a legislação trabalhista, mas não precisa o governo meter uma mão peluda no mercado de trabalho para precarizar ainda mais profissões que estão passando por grandes transformações devido à revolução tecnológica. O governo deveria se preocupar mais com a sua reforma administrativa e as carreiras do serviço público, pois, essas sim, o mercado não resolve.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já se manifestou sobre a proposta do governo. Disse que vários dispositivos, entre os quais o que acaba com o registro profissional de jornalista, deverão ser retirados
[uma medida que faltou é que o parlamentar, especialmente o que está presidente da Câmara - cargo para o qual não foi eleito, visto que seus eleitores votaram para deputado apenas e no caso do Maia pouco mais de 72.000 eleitores - tenha seus poderes ditatoriais eliminados.
Ditatoriais? SIM: no sistema atual o presidente da Câmara é quem decide sobre o que a câmara dos Deputados vai deliberar.
Caso ele não concorde com um projeto é só sentar em cima.]
A rigor, esse não é um assunto interditado ao debate, pois a comunicação, com as redes sociais, deixou de ser oceânica para se tornar galáctica e os jornalistas perderam o monopólio da notícia. Nada acontece sem que um cidadão com o celular ou uma câmera de segurança registre em tempo real. Entretanto, não tem sentido resolver a questão por medida provisória. Na revolução em curso no mundo do trabalho, a maioria das profissões que existirão daqui a 25 anos, provavelmente, ainda não foi nem criada; mesmo entre as novas, algumas terão vida efêmera, como tiveram o fax, o DVD e o iPod.

Não se resolve esse assunto com uma canetada. A medida provisória restringe as profissões àquelas que têm conselhos que as regulamentam, que são justamente as mais corporativistas e que transformaram seu mercado de trabalho em grande cartório. Mesmo as profissões mais valorizadas estão sendo muito impactadas pela inteligência artificial, como as de advogado e de médico. A propósito, a inteligência artificial deveria ampliar o acesso e baratear os serviços, e não encarecê-los ainda mais e elitizá-los, como acontece no Brasil.

O governo fez cálculos cabalísticos sobre a geração de emprego, com base em medidas que, a rigor, não aumentam a produtividade, apenas a exploração do trabalho, como medidas para reduzir indenizações e multas trabalhistas. Acaba até com o seguro para acidentes da trânsito, Dpvat, que é sabidamente impactado pelos acidentes com motoboys. Espera com isso criar 1,8 milhão de empregos por ano, uma meta chutada, que não pode servir para legitimar as maldades da equipe econômica, pressionada a resolver o problema do desemprego pelo próprio presidente Bolsonaro.

Um dinheiro, aí
O presidente Jair Bolsonaro aproveitou a reunião do Brics, na qual passou a presidência da cúpula para o líder russo Vladimir Putin, para pedir mais isonomia no tratamento dado ao Brasil pelo Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), criado pelo grupo. Dos 45 projetos de financiamento já aprovados, apenas seis são brasileiros. Somados, eles aportaram cerca de US$ 1,4 bilhão em áreas como logística, infraestrutura, transportes e sustentabilidade. “Os números mostram que precisamos trabalhar juntos para superar o desequilíbrio em desfavor do Brasil na carteira de financiamento do NDB”, disse. Criado em 2014, o NBD tem capital de US$ 50 bilhões, dividido igualmente entre os cinco países do Brics.


No documento assinado pelos chefes de Estado de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, há citações à região do Golfo, ao Afeganistão e à Península Coreana, mas não há menção aos conflitos regionais sobre os quais divergem, como as crises na Venezuela, no Chile e na Bolívia, o conflito entre Índia e Paquistão na disputa pela Caxemira, a anexação dos territórios de Donets e da Crimeia pela Rússia e os protestos em Hong Kong contra o governo da China.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense
 

domingo, 18 de agosto de 2019

O embaixador Eduardo Bolsonaro - Elio Gaspari


O essencial é o julgamento da relação que papai Bolsonaro quer ter com os EUA 

[os dois parágrafos abaixo, mostram que laços de parentesco não significam, necessariamente, competência ou incompetência;

de qualquer forma, não é qualquer embaixador que tem um cacife de mais de 1.800.000 obtidos em 2018, em que foi candidato a deputado federal - é o recorde dos recordes.]

Jair Bolsonaro é um mágico. Baixa o nível do debate dos assuntos públicos, trata de cocô e não discute os 12 milhões de desempregados. É ajudado pela oposição que aceita sua agenda ilusionista. Um bom exemplo desse fenômeno é a qualidade do debate em torno da indicação de seu filho 03 para a embaixada do Brasil em Washington. É nepotismo? Sem dúvida. O que isso quer dizer? Pouco. O ditador nicaraguense Anastasio Somoza nomeou o genro, Guillermo Sevilla Sacasa para Washington. Um craque, tornou-se decano do Corpo Diplomático e atravessou os mandatos de oito presidentes. O Xá do Irã mandou para os Estados Unidos um cunhado, e Ardeshir Zahedi foi um grande embaixador. As monarquias do Golfo mandam seus filhos para Washington e, com a ajuda do poder de petróleo, eles se desempenham com mais sucesso que outros embaixadores árabes.

Há o nepotismo das ditaduras e há compadrio das democracias. Bill Clinton mandou Jean Kennedy Smith (irmã do falecido presidente) para a embaixada na Irlanda e Barack Obama mandou Caroline Kennedy, (filha de John) para a do Japão. (Uma meteu-se em encrencas, a outra foi irrelevante.) Isso, para não falar de Pamela Harriman, mandada por Clinton para a França. Seu mérito foi ajudá-lo na campanha. Fora disso, foi uma cortesã, mulher do filho de Winston Churchill e colecionadora de milionários, de Averell Harriman a Gianni Agnelli, passando por Ali Khan, Elie de Rothschild e Stavros Niarchos.  Juscelino Kubitschek nomeou Amaral Peixoto embaixador em Washington. Genro de Getulio Vargas, tornara-se um cacique na política nacional. “Alzirão” saiu-se bem no cargo. Como ele, Eduardo Bolsonaro ganhou a embaixada depois de ter chegado ao Congresso pelo voto popular. Amaral Peixoto falava pouco e nunca disse bobagens do tipo “fritei hambúrgueres”.

A indicação do 03 para a embaixada foi aplaudida pelo presidente Donald Trump. Como muita gente não gosta de Trump nem dos Bolsonaros, isso foi visto como um demérito. Na realidade, 03 conseguiu algo que nenhum embaixador brasileiro teve, pois o aplauso do governante do país para onde vai o novo representante é tudo o que se quer. Não se pode ver defeito nessa trumpada. A Inglaterra gostava de saber que John Kennedy era grande amigo do embaixador David Ormsby-Gore. (Mais tarde, ele quase casou com a viúva.) Se Trump perder a reeleição, pode-se trocar o embaixador, zero a zero e bola ao centro. 03 será sabatinado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado. Ali, todos poderão mostrar suas qualificações.

Os senadores perguntando e o deputado respondendo. Afinal, se “diplomacia sem armas é como música sem instrumentos”, ele vai para Washington tocar chocalho. Nepotismo e trumpismo serão aspectos subsidiários. O essencial é o julgamento da relação que papai Bolsonaro quer ter com os Estados Unidos. Em 2015 o plenário do Senado rejeitou o embaixador Guilherme Patriota, designado por Dilma Rousseff, mas esse resultado teve mais a ver com a fraqueza do governo do que com a capacidade do diplomata. Pamela Harriman foi aprovada por unanimidade na Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, viveu feliz em Paris, teve um derrame na piscina do hotel Ritz e morreu dias depois.

Palocci em 2002 e 2008
O comissário Antonio Palocci prestou 23 depoimentos à Polícia Federal e agora conhece-se o resumo de suas confissões. Se cada fio da meada tivesse sido puxado (ou se vier a ser puxado) o efeito dessas revelações poderia ter sobre o andar de cima de Pindorama a consequência de dez Lava-Jatos. Nas confissões de Palocci entrou todo mundo. Provas, até agora, nada, salvo nas traficâncias de sua consultoria de fachada. O juiz Sergio Moro começou a Operação Lava-Jato puxando um fio que saía de um posto de gasolina, mas dificilmente a proeza se repetirá. Uma das confissões do ex-ministro ilustra a resiliência da impunidade do andar de cima.
No seu 13º depoimento, Palocci contou que em 2008 sua empresa embolsou R$ 100 mil por ter ajudado a empresa Parmalat a liberar um crédito no Banco do Brasil.
Seis anos antes, quando Antonio Palocci era prefeito de Ribeirão Preto, justificou a exigência de latas de “molho de tomate refogado e peneirado com ervilhas” numa licitação para a compra de 40.500 cestas sociais, informando que ele era produzido por uma empresa-companheira, mas também pela Parmalat. Era uma mentira conveniente para quem conduzia uma licitação viciada.

Àquela altura Palocci era o coordenador da campanha de Lula, pois o titular, Celso Daniel, havia sido assassinado. [Celso Daniel, um cadáver que apavora os mandatários petistas - por onde anda Gilberto Carvalho, ex-seminarista de missa negra? pau para toda obra.]

No telhado
Do alto do telhado, o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, poderá avaliar o tamanho do tombo que arrisca tomar.
Bolsonaro não poderia ter sido mais claro: “Por enquanto está muito bem.”

(...)

Diplomacia
Em menos de um ano, a diplomacia bolsonariana já arrumou encrencas nos seguintes países, por ordem alfabética:
Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Chile, Cuba, França, Irã, Israel, Paraguai, Noruega e Venezuela.

Folha de S. Paulo - O Globo

Elio Gaspari, jornalista


sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A trajetória trágica de Nimr al-Nimr

Ele não reconhecia o governo saudita e nem a soberania do rei. Para uma monarquia absoluta, isso foi um desafio inaceitável

O vilarejo de Awammiya fica a poucos quilômetros da cidade de Qatif, reduto dos xiitas na Arábia Saudita. Fui lá em janeiro de 2007 com outros jornalistas para testemunhar a data religiosa de Ashura e para entrevistar xiitas sauditas, de estudantes a empresários, e até seus líderes religiosos.

Ficamos agradavelmente surpresos porque as autoridades sauditas deram permissão aos xiitas para marcarem publicamente essa data muito importante na sua História: é lembrado, no décimo dia do mês islâmico de muharram, a morte de Hussein Ibn Ali, neto do profeta Maomé, na Batalha de Karbala, no ano 61 do calendário islâmico (680 A.D.). 

Essa batalha é considerada o momento em que a vertente do xiismo nasceu, dividindo os muçulmanos entre os sunitas e xiitas. Faixas pretas enormes enfeitavam as ruas de Qatif, com lamentações para Hussein, e os mais fervorosos devotos desfilavam se batendo e chorando. Os policiais sauditas ficaram observando de longe e nunca interferiram nos ritos religiosos.

Isso era um avanço para os xiitas sauditas, que sofriam há anos com as tensões sectárias vindas de alguns sauditas sunitas, que não aceitam os xiitas como verdadeiros muçulmanos. Em 1980, uma procissão de xiitas em Qatif foi dispersada violentamente pelas forças de segurança sauditas, levando à morte de 27 deles. O contraste entre aquela época e o que estávamos vendo em 2007 não podia ser maior. Mas, mesmo naquela época, nós vimos uma comunidade xiita em Qatif e vilarejos adjacentes rachada por razões econômicas. De um lado, estava Jafar al-Shayeb, um empresário bem-sucedido, que foi eleito para o Conselho Municipal de Qatif em 2005. Ele nos disse que as demandas dos xiitas sauditas eram domésticas, pedindo mais direitos civis e religiosos, e que não eram ligadas às tensões regionais causadas pela guerra civil no Iraque e entre os EUA e o Irã. “Nós queremos poder servir como ministro de Estado, nos inscrever no serviço militar, representar o reino no exterior como diplomatas, construir nossas mesquitas e imprimir nossos livros religiosos,” disse-nos Shayeb. “Nós estamos superando problemas sectários. Há um entendimento melhor entre os xiitas e o governo.”

Em contraste, quando fomos entrevistar o xeque Nimr al-Nimr em Awamiyya, o tom era bem diferente e desafiador. Percebia-se logo que Nimr era pobre e morava numa área carente. Sem sucesso econômico para abrandar seus sentimentos, Nimr nos disse que “o governo não vai nos dar nossos direitos, o povo vai ter que lutar por eles. Se as pessoas lutam pelos seus direitos, elas têm que esperar pagar o preço por isso, sendo presos e perdendo seus empregos.”

Xeque Nimr nos disse que não podia promover as leituras religiosas (chamadas de Husseiniyas) diariamente em salas grandes durante o Ashura porque não tinha acesso a um prédio com salas para isso. Em contraste, o xeque Hassan al-Saffar fazia Husseiniyas diariamente em um prédio novo de três andares em Tarout, que pertencia a uma família local.

O radicalismo de Nimr seguiu forte, e nos anos seguintes ele continuou a criticar o governo saudita em discursos e sermões. Chegou a dizer que não reconhecia o governo saudita e nem a soberania do rei. Para uma monarquia absoluta, isso foi um desafio inaceitável. Com o começo da Primavera Árabe, em 2011, jovens xiitas em Qatif começaram a organizar protestos contra o governo, exigindo mais direitos. Alguns desses protestos se tornaram violentos quando forças de segurança usaram gás lacrimogêneo para tentar dispersar os manifestantes. Um grupo pequeno de jovens xiitas, a maioria desempregada e desesperada, jogou pedras contra as viaturas da polícia, e depois coquetéis molotov. Alguns usaram armas de fogo contra policiais, ferindo uns e matando outros. Com isso, o governo divulgou uma lista dos 23 mais procurados xiitas, apelando para que eles se entregassem às autoridades ou seriam caçados e presos. Alguns se entregaram, outros foram presos e mais outros foram mortos tentando fugir da policia ao resistir à prisão.

O xeque Nimr foi preso em julho de 2012 e acusado de “desobediência ao governante,” “incitar a luta sectária” e “encorajar, liderar e participar de manifestações.” O seu julgamento começou em 2013, e ele teve mais de 70 sessões em frente ao juiz com seu advogado. Em todas as sessões, Nimr se recusou a aceitar a legitimidade do governo saudita. Em outubro de 2014, foi condenado à morte por “busca de ingerência estrangeira no reino,” por “desobediência aos seus governantes e por pegar em armas contra as forças de segurança.”

É nesse último ponto que há divergência de opiniões sobre se o xeque Nimr usou ou aprovou o uso de violência contra as forças de segurança. Algumas fontes sauditas dizem que Nimr, antes de ser preso, foi visto em manifestações com jovens que lançaram objetos incendiários e também num carro com jovens que atiraram em policiais. Em todo caso, boa parte da população saudita apoiou a execução dele e de 45 outros membros da al-Qaeda, todos sunitas, que também foram executados dia 2 de janeiro, por terem participado de ataques terroristas no país.

Com isso, o Irã está usando a execução de Nimr para atacar violentamente a Arábia Saudita e seus dirigentes. O ataque à embaixada saudita em Teerã na madrugada de 3 de janeiro foi o ato que levou a Arábia Saudita a cortar relações diplomáticas com o Irã. Eu não acho que uma guerra vá irromper entre os dois rivais do Golfo. Há coisas demais em jogo e, se os iranianos atacarem a Arábia Saudita, os EUA seriam forçados a intervir a favor dos sauditas. Mas é bom saber como e por que a morte de xeque Nimr está levando o Oriente Médio à beira de uma catástrofe.

Fonte: Rasheed Abou-Alsamh é jornalista

sexta-feira, 24 de julho de 2015

O mundo respirou aliviado ao ver Washington resolver um sério problema pela diplomacia, e em vez de usar a força militar

Depois de longas negociações que se alongaram por vários dias além do prazo determinado, e da possibilidade de os iranianos rejeitar as inspeções regulares de suas instalações nucleares, um acordo finalmente foi assinado em Viena entre o Irã e Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, França, China e Rússia.

A maior parte do mundo respirou aliviada, contente ao ver o presidente Barack Obama usar a diplomacia para solucionar um problema sério, em vez de usar a força militar, como o presidente George W. Bush usou no Iraque com consequências tão desastrosas. As exceções foram Israel, Arábia Saudita e os republicanos americanos, que fizeram birra, reclamando que o acordo deixava brechas para os iranianos continuarem seu programa nuclear para fins militares em segredo, e que o descongelamento de US$100 bilhões em ativos iranianos iria liberar mais dinheiro para a continuação do financiamento da interferência iraniana na Síria e no Iêmen. 

O Congresso americano tem 60 dias agora para analisar o acordo de 159 páginas e decidir se vai aprová-lo ou não. Obama já disse que irá vetar qualquer desaprovação do Congresso. Não há certeza de que o Congresso tenha os dois terços dos votos necessários para derrubar o veto presidencial. Igualmente, o acordo enfrenta o escrutínio do Parlamento iraniano e a posição do Conselho Supremo de Segurança, que é o encarregado do programa nuclear iraniano, bem como do líder supremo Ali Khamenei. Esse processo pode levar até 80 dias. A Guarda Revolucionaria iraniana já fez críticas ao acordo.

Para Hussein Ibish, um estudioso do Instituto dos Estados do Golfo Árabe, em Washington, os problemas entre o Irã e os EUA podem vir depois na implementação do acordo, quando as interpretações das várias cláusulas não baterem. “Essas diferenças de visão podem emergir em relação ao alívio nas sanções e outros aspectos das implementações do acordo,” disse ao site de notícias “Middle East Eye".

Os israelenses já estão fazendo lobby em Washington contra o acordo, com o embaixador israelense se encontrando com membros negros do Congresso para tentar persuadi-los a votar contra. Essa tática está sendo usada porque os israelenses sentiram que políticos negros americanos ficaram ofendidos quando o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu praticamente se autoconvidou a falar no Congresso americano alguns meses atrás, algo que muitos americanos viram como um ato de desrespeito ao primeiro presidente negro americano.

Espera-se também que os sauditas façam lobby pesado em Washington, contra o acordo nuclear, junto aos democratas, disse Aaron David Miller, um ex-assessor do Departamento de Estado americano para o Oriente Médio, em entrevista com ao “Middle East Eye". “Eu não descarto uma guerra cibernética contra o Irã lançada pelos israelenses, e outras operações supersecretas para sabotar o acordo,” previu.

Em oposição à posição israelense, pesquisa de opinião pública entre eleitores judeus americanos, encomendada pela J Street, grupo lobista de Washington pró-Israel e pró-paz, constatou que 84% deles estão a favor do acordo com o Irã. Apesar de muitos desejarem que esse acordo dê certo, há ainda obstáculos pela frente. E é um erro achar que logo os americanos vão reabrir sua embaixada em Teerã, fechada desde 1979, quando estudantes radicais a invadiram e tomaram 52 diplomatas e funcionários americanos como reféns por 444 dias. Khamenei continua sendo extremamente antiamericano. Ele reiterou, num discurso no dia 18 de julho, que as políticas dos EUA na região estavam 180 graus em oposição às do Irã. O secretário de Estado John Kerry admitiu que os americanos ficaram perturbados com o discurso. E com razão.

Estranhamente, americanos, sauditas e iranianos têm um inimigo comum: o Estado Islâmico. De comum também o combate a essa facção. Os iranianos já estão ajudando a combater o EI no Iraque e na Síria, coisa que não tem agradado muito aos sauditas, que temem um acirramento das tensões sectárias entre xiitas e sunitas nesses países. E ainda há o dilema do que fazer na guerra civil na Síria, em termos do presidente Bashar al-Assad. Depois de mais de quatro anos de combate, o país está em frangalhos, com 70% da população deslocada por causa da guerra, mas Assad ainda continua no poder. Será que não está na hora de sentar com Assad e a oposição síria e negociar um cessar-fogo que devolva algum tipo de paz a um país tão lindo, que é muito querido no mundo árabe e mesmo fora da região?

O Irã deveria pensar bem que o acordo com os EUA e as outras potências pode lhe proporcionar uma chance de abrir uma nova página nas suas relações com o Ocidente e, mais importante, com os países árabes do Golfo. Seu apoio de US$ 1 bilhão por mês ao regime de Assad não contribui para forçá-lo a chegar a um acordo com a oposição. E com isso o povo sírio sofre cada vez mais. Igualmente, o apoio iraniano aos houthis no Iêmen não ajuda a resolver logo o conflito naquele país. Mais de 3.500 pessoas já foram mortas na guerra civil no Iêmen nos últimos quatro meses de conflito.

O povo iraniano com certeza não quer mais aventuras dos seus governantes em países da região. Ele está sedento para ver o Irã se juntar de novo à economia mundial, ao Ocidente, e a ter boas relações com todos os seus vizinhos árabes. Anos de sanções econômicas e políticas isolaram o país do mundo. A escolha agora deveria estar bem clara para Khamenei e qualquer outro dirigente iraniano que realmente ame seu país e povo.

Por: Rasheed Abou-Alsamh é jornalista

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Estado Islâmico se aproveita do caos

Há alguns sauditas que ainda acham que os xiitas não são verdadeiros muçulmanos, e querem acabar com eles

A explosão de um jovem saudita na semana passada dentro de uma mesquita xiita na província de Qatif, no Leste da Arábia Saudita, além de matar 21 fieis que estavam acabando de rezar as preces semanais da sexta-feira e ferir cem pessoas, era uma mensagem do grupo Estado Islâmico (EI). 

Fotos postadas no Twitter mostraram o que restou do jovem homem-bomba: sua cabeça intacta, com barba e tudo, e um pouco dos seus ombros. Parecia uma cena de filme de terror. Dava para ver que era bem jovem, não passava dos 20 anos. E por que alguém tão jovem ia se matar de um jeito tão violento entre seus próprios compatriotas num lugar religioso e de reflexão espiritual?

O EI disse que o atentado foi para acabar com o que eles chamaram de os “politeístas xiitas”, e que eles não iam parar de matá-los até acabar com a sua presença na Península Arábica. Essa ação sangrenta e preconceituosa deixou muitos dos inimigos do reino felizes porque, na sua mente, os sauditas estavam finalmente provando do próprio veneno. Depois da intervenção militar da Arábia Saudita no Bahrein em 2011 para pôr fim ao levante predominantemente xiita da Primavera Árabe, e agora o bombardeio diário no Iêmen para tentar conter o avanço dos rebeldes houthis — mesmo sendo estes de uma vertente xiita que não tem muito em comum com os xiitas do Irã —, esses inimigos veem o atentado em Qatif como o resultado quase esperado do sectarismo saudita. É claro que os iranianos são igualmente culpados por defender seus interesses sectários em países árabes como o Iraque, a Síria, o Líbano e, de certa forma, até no Iêmen.

A reação do governo saudita foi imediata, prometendo capturar os demais terroristas responsáveis pelo atentado. Em poucos dias, seis suspeitos foram presos, e o príncipe herdeiro Muhammad bin Nayef visitou os feridos pelo atentado nos hospitais de Qatif e deu seus pêsames às famílias dos falecidos. Isso foi muito importante num país onde, infelizmente, ainda há líderes religiosos sunitas extremistas que pregam ódio contra os xiitas, que são uma minoria no país. Mas o rei Salman bin Abdul Aziz tem frisado que todos os sauditas, sejam de qualquer cor, origem étnica, ou seita, são iguais e gozam dos mesmos direitos e responsabilidades como cidadãos sauditas.

“Os autores destes atos homicidas são movidos por uma ideologia insana disseminada por clérigos e reformadores autonomeados. Por muito tempo, temos nos mantido quietos enquanto eles usaram as mesquitas, mídia e todas as outras formas de comunicação para espalhar a sua filosofia do mal. Não podemos permitir que esse ódio se espalhe mais. Não podemos ficar de braços cruzados enquanto esses homens do mal continuam com seus atos destrutivos. (...) Não vamos permitir que os extremistas entre nós nos dividam”, desabafou o veterano jornalista saudita Khaled al-Maeena no diário “Saudi Gazette”.

A triste verdade é que há alguns sauditas que ainda acham que os xiitas não são verdadeiros muçulmanos, e querem acabar com eles. Essa divisão teológica entre sunitas e xiitas existe há séculos, mas, no fim das contas, todos são muçulmanos. É como as diferenças doutrinais entre os católicos e protestantes. No fim, todos eles acreditam em Jesus Cristo. Mesmo assim, ainda há aqueles que insistem no ódio e no preconceito. Depois do atentado em Qatif houve um apelo para a doação de sangue para ajudar os feridos que precisavam de transfusões. Alguns sauditas antixiitas disseram no Twitter que não iam doar sangue de jeito nenhum para eles.

Ao mesmo tempo, o EI estava fazendo mais avanços no Iraque e na Síria, invadindo e tomando controle das cidades de Ramadi e Palmira. Na antiga cidade síria de Palmira, os comentaristas pareciam mais preocupados com o que os zelotes do EI podiam fazer com as famosas ruínas romanas da região do que com os milhares de refugiados que fugiam da cidade a pé. Em Ramadi, há relatos de que uma força de apenas 150 combatentes do EI conseguiu derrotar 600 soldados do Exército iraquiano, que, depois de serem atacados por dias com tanques cheios de explosivos e ficar sem munição, foram obrigados a recuar. 

Isso provocou uma enxurrada de críticas de políticos iraquianos e americanos. O vice-primeiro-ministro iraquiano, Saleh al-Mutlaq, se queixou para a CNN, dizendo que a prontidão com que o Exército iraquiano deixou Ramadi cair nas mãos do EI “surpreendeu todos nós”. “Esse não é o Exército que queremos ver e não foi o que esperávamos ver”, acrescentou. Por sua vez, o secretário de Defesa americano, Ashton Carter, disse que as tropas iraquianas em Ramadi não estavam em menor número e que, de fato, excederam amplamente em quantidade os combatentes do EI. “E mesmo assim, eles não lutaram, eles se retiraram do lugar,” disse Carter.

Mutlaq, que é sunita, culpou a falta de vontade de lutar contra o Estado Islâmico de muitos iraquianos sunitas sem esperança de ver um bom futuro para eles no Iraque depois de derrotar o EI. “Se não veem um futuro para eles no Iraque, eu não acho que vão lutar contra Daesh, do jeito que queremos,” disse ele à CNN. “O povo sunita não está com o EI, disso tenho certeza. Eles não têm certeza do que vem depois do EI. Será que eles vão morar numa área que vai ser reconstruída? Vai haver reconciliação? Eles vão ser incluídos no governo? Sem respostas para essas perguntas, vai ser muito difícil ver o fim do EI”, disse Mutlaq.

Na Síria, os sunitas rebeldes querem ver o fim do governo de Bashar al-Assad, mas o apoio da Rússia e do Irã o deixou até hoje no poder, mesmo num território bem menor do que antes. Há relatos de que Bashar pediu uma nova linha de credito de US$ 1 bilhão ao Irã, e é com a ajuda do grupo xiita Hezbollah e de combatentes xiitas vindos de Iraque, Irã, Paquistão e Afeganistão que Assad tem conseguido se manter vivo e mandando até agora.

De qualquer jeito, o EI tem inimigos de sobra para poder sobreviver por muito tempo. O problema é que tudo é muito complicado e misturado. Na Síria, os países do Golfo e a Turquia querem o fim de Assad; este quer o fim do EI e dos rebeldes sírios, que ele chama de “terroristas”. Os EUA querem o fim de Assad, mas o presidente Barack Obama e o povo americano, em geral, não desejam botar mais tropas no Oriente Médio; então, a coisa fica difícil. No Iraque, o Irã está ajudando os iraquianos a combater o EI, mas aí acirra as tensões sectárias. E para fazer a situação ainda mais estranha, há o acordo nuclear pendente entre o Irã e os EUA, que deixou os países do Golfo em pé de guerra, assustados por serem deixados de lado em uma possível reaproximação entre os americanos e iranianos

E, com tudo isso, o EI se aproveita e se expande.

Por: Rasheed Abou-Alsamh é jornalista


sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Iêmen testa determinação dos sauditas e americanos

Hadi até agora tem sido um grande aliado de Washington

Depois de dias de confrontos sangrentos esta semana entre milícias dos rebeldes xiitas e forças do governo — que incluíram bombardeios e o cerco ao palácio presidencial, deixando o presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi preso por dias em Sanaa, a capital do Iêmen —, ele foi obrigado a aceder às demandas dos houthis. Concedeu maior participação do movimento rebelde em todos os órgãos militares e civis do governo e, em compensação, o grupo prometeu retirar-se de áreas estratégicas da capital e libertar o chefe do gabinete presidencial, que tinha sido sequestrado no sábado. O presidente também prometeu rever um projeto de Constituição que dividiria o país em seis novas regiões administrativas. Os houthis alegaram que se sentiram lesados e em desvantagem no novo plano. Mas ontem Hadi renunciou, junto com seu Gabinete inteiro de ministros, incluindo o primeiro-ministro. O Parlamento rejeitou as renúncias, deixando o país cada vez mais à beira do caos.

Mas nós já vimos esse filme em setembro de 2014, quando as forças dos houthis entraram brutalmente na capital, matando 300 pessoas e exigindo que o governo de Hadi dividisse o poder com eles. Acuado e com medo, o presidente, depois de semanas de confrontos, concordou e assinou um acordo com os houthis. Os rebeldes tomaram o controle de vários ministérios e instituições financeiras, mas continuaram excluídos de outras áreas de poder. Nisso, Hadi tinha o apoio da maioria sunita do país, que não quer dividir o seu poder com os houthis à força. Até então, estes nunca tiveram tanto poder e, como xiitas, formam somente 30% da população do país.

Os houthis insistem em dizer que não houve um golpe de Estado. Mas quando se usam armas pesadas contra o palácio do presidente; atacam-se os guardas dele, e o deixam prisioneiro dentro do prédio por dias; assume-se o controle da TV e rádio estatal, isso se chama o quê? Pelo menos 18 pessoas foram mortas esta semana nesses confrontos, e dúzias mais foram feridas. A única pessoa no Iêmen que eu ouvi ter a coragem de dizer que era um golpe foi a ministra da Informação, Nadia al-Sakkaf, numa entrevista por celular ao correspondente da CNN em Sanaa na terça-feira à noite.

Esse último avanço sangrento e agressivo dos houthis, com certeza, deixou os sauditas e os americanos alarmados e preocupados com o fato de que estão perdendo controle do Iêmen para seu grande inimigo, o Irã. Isso apesar das negativas tanto dos houthis quanto do Irã de que Teerã está dando apoio ao movimento xiita. Mesmo com as negativas, forças navais americanas interceptaram navios com armamentos iranianos na costa do Iêmen em 2012, prova de que os houtis estavam recebendo apoio militar.

Na quarta feira, os ministros de Assuntos Estrangeiros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) acusaram os houthis de um golpe contra a autoridade legítima no Iêmen. E advertiram que os estados da região iam “tomar todas as medidas necessárias para proteger a segurança e estabilidade deles e seus interesses vitais no Iêmen.” Ofereceram até mandar um mediador a Sanaa para ajudar nas negociações entre Hadi e os houthis.

O Iêmen, por décadas, tem sido quase um Estado-cliente da Arábia Saudita, porque faz com o vizinho uma longa fronteira de 1.770 quilômetros, e há 800 mil iemenitas trabalhando no reino. Além disso, os sauditas têm fornecido muita ajuda em forma de dinheiro, comida e petróleo para essa nação pobre. Essa ajuda financeira foi quase completamente cortada em setembro de 2014, depois que os houthis tomaram o controle de Sanaa.

Apesar de uma longa tradição de intromissão saudita nos assuntos do Iêmen, e dos atuais resmungos vindos de Riad e outras capitais do Golfo, não sei quanta disposição eles teriam neste momento para uma intervenção militar no Iêmen se a situação degenerasse em uma plena guerra civil e sectária. O rei saudita Abdullah ibn Abdulaziz, que morreu ontem, estava entubado num hospital com pneumonia, o que talvez tenha abrandado a reação saudita.

Do lado americano, Hadi até agora tem sido um grande aliado de Washington, um entusiasta do programa americano de drones armados que matam alvos no grupo terrorista al-Qaeda na Península Arábica que se escondem nas montanhas do Iêmen. Entre seus assessores, ele até tem o apelido de “Drone Hadi”, de acordo com fontes do Iêmen. Com US$ 1,4 bilhão dos americanos já gastos no Iêmen desde 2009 em forma de ajuda econômica e militar, e com mais US$ 232 milhões programados para serem desembolsados este ano, a administração do presidente Barack Obama está muito relutante em chamar o que esta acontecendo no Iêmen agora de um golpe. Pela lei americana, qualquer ajuda de Washington tem que ser suspensa se houver um golpe militar em um país. Então, preparem-se para acrobacias verbais ridículas de oficiais americanos nas próximas semanas para não chamar um golpe de golpe.

Além da ameaça dos houthis, essa nação de 26 milhões enfrenta um movimento separatista no sul do país, e a brutalidade da al-Qaeda, que continua matando em larga escala. O último ataque matou 37 pessoas na frente de uma academia da policia em 7 de janeiro, o mesmo dia dos ataques terroristas em Paris. Além disso, o país enfrenta uma crise hídrica aguda, estando entre os cinco piores do mundo em termos de quantidade de água per capita por ano. Segundo o Banco Mundial, até a Somália tem mais água por pessoa que o Iêmen.

A audácia dos houthis e o uso de força por eles mostram que não há muito espaço para negociar. Eles querem mais poder e ponto final. Com certeza, o Irã esta por trás desta súbita mostra de vontade e coragem e, com isso, compra uma briga feia com os estados do Golfo e os EUA. Não vejo nada de muito bonito no futuro desse confronto. A Arábia Saudita não vai ficar sentada e deixar o Irã estabelecer mais um Estado-cliente na porta do reino. Já bastam o Iraque, a Síria e o Líbano.

Por: Rasheed Abou-Alsamh é jornalista