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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Na barra da toga do STF - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham da legalização da maconha, quiçá legislar em nosso nome

 

 Área de Skid Row, na Califórnia, maior cracolândia dos Estados Unidos, em 24 de novembro de 2022 | Foto: Shutterstock

Na mesma semana em que um policial militar foi morto por um sniper do crime organizado, o Supremo Tribunal Federal deu indicações de que formará maioria para descriminalizar o porte de maconha.  
Na quinta-feira, 27 de julho, os policiais da Rota, tropa de elite da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Patrick Bastos Reis e Fabiano Oliveira Marin Alfaya foram baleados durante patrulhamento em uma comunidade no Guarujá, litoral de São Paulo. 
Socorridos, Alfaya permanece em observação, mas Patrick não resistiu aos ferimentos e faleceu, deixando a mulher e um filhinho de 3 anos. De acordo com a PM, os policiais faziam parte de reforço enviado para o litoral para combater a criminalidade na região, com foco no tráfico de drogas e roubo de cargas.

 

O soldado Patrick Bastos Reis, que foi assassinado por criminosos no Guarujá | Foto: Divulgação/PMSP

Perdoem-me a repetição, mas ela é necessária: um policial da tropa de elite do estado de São Paulo foi morto por um sniper do tráfico que, com armamento especial de longo alcance, usado por militares e forças especiais no mundo, mirou e assassinou um homem da ordem e segurança pública — um herói que, como milhares e milhares espalhados pelo Brasil, sai todos os dias de casa para fazer nossa proteção sem saber se volta para o seio familiar.publicidade

A guerra travada contra as drogas e toda a criminalidade que envolve o tráfico perde um importante aliado esta semana. 
A corte mais alta do país, que deveria zelar pela ordem social, pelo império das leis e pela exaltação de nossos policiais, demonstra de maneira trágica uma leniência perigosíssima com o mundo e o submundo dos entorpecentes, e que vai contra tudo o que democracias sólidas pelo mundo jamais toleram: a falta da aplicação das leis a quem comete ilicitudes. 
 
Morando nos Estados Unidos há 15 anos, e na Califórnia, estado com legislações não apenas lenientes e absolutamente irresponsáveis para o porte e venda de drogas, chega a ser estarrecedor assistir ao Supremo Tribunal Federal retomar o julgamento sobre o porte de maconha no Brasil. Diante da já absurda violência — quase fora de controle — perpetrada pelo tráfico no Brasil, é aterrorizante testemunhar a corte mais importante do país legislar em prol de bandidos. Sim, legislar. [na prática equivale a liberar o tráfico de drogas.] 
Vivo em um estado norte-americano em que esse tipo de caminho — sem volta — já está sendo trilhado há alguns anos e sou testemunha ocular das portas que são abertas para o inferno em muitos níveis. 
Há muitos fatos e dados que já podem ser importados para esse debate. Mas onde está o Congresso na matéria, lugar correto para essa conversa?
Onde estão nossos legisladores que deveriam estar trazendo o assunto ao ambiente propício para qualquer demanda pública?

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham desse debate, quiçá legislar em nosso nome.

O voto mais recente nessa matéria, empurrada há anos por partidos de esquerda no Brasil para a barra da toga do STF, foi do ministro, vítima, investigador, policial, defensor público, advogado de acusação e defesa, juiz, e agora deputado e senador Alexandre de Moraes, que votou a favor da descriminalização do porte de maconha e pela fixação de critérios objetivos para “diferenciar o usuário do traficante”. 
Isso seria aplicado pela quantidade de droga encontrada em posse da pessoa. 
Em tese, a posse de uma quantidade entre 25 e 60 gramas caracterizaria um usuário; mais que isso, poderia ser considerado tráfico.

A repetição de um filme ruim
Para quem mora em estados americanos que descriminalizaram o porte de maconha, como a Califórnia, isso parece a repetição de um filme ruim. Já conhecemos o desfecho, e ele não tem um final feliz. 

Aqui, a falsa bandeira da separação entre “usuário e traficante” abriu portas inimagináveis e terríveis, e que jamais serão facilmente fechadas. Há hoje uma corrosão irreversível no tecido social em partes do estado que já mudaram para sempre a paisagem física e mental em um dos estados mais bonitos da América.

Devido ao federalismo norte-americano e à autonomia e independência dos estados para passarem suas legislações, experiências sobre o tema já podem ser analisadas por números. 
Alguns estados têm legislações em que o plantio e uso são apenas medicinais, enquanto em outros o consumo da maconha para uso recreativo é permitido. E são exatamente esses “laboratórios de democracia” que podem nos mostrar — em números e estatísticas, e não discursos ideológicos glamourizados por ativistas até no Poder Judiciário — as portas que podem se abrir no Brasil. 
E, para isso, vamos atrás de quem entende do assunto.
 
O norte-americano Kevin Sabet foi três vezes conselheiro do Gabinete de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca, tendo sido a única pessoa indicada para esse cargo tanto por um republicano (administração de George W. Bush) quanto por democratas (governos Bill Clinton e Barack Obama)
Sabet, professor na Escola de Medicina da Universidade de Yale e autor do livro Smoke Screen – O Que a Indústria da Maconha Não Quer Que Você Saiba, alerta para os vários perigos da matéria que pode ser empurrada goela abaixo da sociedade brasileira pelo STF.

Kevin, com quem já tive o privilégio de conversar algumas vezes e trocar algumas pesquisas, alerta-nos de que foi exatamente assim — sob o manto da “maconha medicinal” ou “descriminalização de pequenas quantidades para pequenos usuários” — que alguns estados americanos abriram a porta para a droga, e que hoje veem seu uso legalizado para recreação, trazendo um efeito dominó de danos.

Uma das muitas pesquisas de Sabet mostra dados alarmantes onde a droga passou de uso medicinal, adquirida apenas com receita médica, para descriminalização e uso recreacional ao longo de poucos anos. Nesse estudo, o instituto mostra importantes alertas que vêm dos estados que saíram na frente na legalização do uso da cannabis sativa, como Colorado e Washington.
Taxas crescentes de uso de maconha por menores.
Aumento das taxas de prisão de menores, especialmente crianças negras e hispânicas.
Taxas mais altas de mortes no trânsito por dirigir enquanto sob efeito da substância.
Mais intoxicações relacionadas à maconha e mais hospitalizações.
Um mercado negro persistente que pode envolver agora o aumento da atividade do cartel mexicano no Colorado.

Desde que o Colorado e o estado de Washington legalizaram a maconha, o uso regular da droga entre crianças de 12 a 17 anos tem estado acima da média nacional e vem crescendo mais rápido do que a média nacional. Além disso, o Colorado agora lidera o país entre os jovens de 12 a 17 anos em:

Uso de maconha no ano passado.
Uso de maconha no último mês.
Porcentagem de pessoas que experimentam maconha pela primeira vez.

O Colorado, primeiro estado a descriminalizar e legalizar a droga para uso recreacional em 2012 (primeiramente era legalizada apenas para uso medicinal), hoje é o campeão no uso da maconha por menores. Outro problema envolvendo menores está na taxa de suicídio entre adolescentes no estado. A maconha, junto com opioides, está diretamente relacionada com essa trágica estatística.Foto: Shutterstock

Há também nesse caminho, reaberto pelo STF, a utopia e a falácia dos militantes da legalização de drogas em relação a um suposto aumento de receita tributária e redução do crime

Entre os jovens, as tendências sugerem que a legalização da maconha esteja associada a maior incidência de infrações escolares no ensino médio. 
Jovens em liberdade condicional apresentam mais testagens positivas para maconha do que nunca. 
Em apenas três anos, a taxa do uso da droga aumentou de 28% para 39% entre — pasmem! — crianças de 10 a 14 anos.
 
Impacto nas comunidades negras e latinas
Uma investigação de 2016 feita pelo jornal Denver Post, e adicionada à pesquisa do instituto de Sabet, revelou que uma parcela desproporcional do mercado da maconha agora está localizada em comunidades de baixa renda e minorias, comunidades que costumam sofrer impactos díspares do uso de drogas
Um dos bairros de baixa renda de Denver tem, por exemplo, um negócio de maconha para cada 47 residentes. 
Isso é semelhante a um estudo da Universidade Johns Hopkins que mostra que, predominantemente negros de baixa renda em bairros em Baltimore foram oito vezes mais propensos a ter lojas de bebidas alcoólicas do que os bairros brancos ou racialmente integrados.

A atividade no mercado paralelo desde a legalização
 De acordo com o estudo do Instituto SAM com as autoridades americanas, a receita gerada do imposto sobre o consumo da droga compreende uma minúscula fração do orçamento do estado do Colorado, menos de 1%. Os distritos escolares do Colorado nunca viram um único dólar dos impostos estaduais sobre a maconha. No estado de Washington, metade da receita dos impostos da maconha prometidos para políticas de prevenção e melhoria de escolas foi desviada para o fundo geral estadual.

Os policiais dizem que o mercado ilegal e sem licença ainda está prosperando e em algumas áreas até se expandiu. Thomas Allman, xerife do condado de Mendocino, é categórico: “Há muito dinheiro a ser ganho no mercado paralelo. A descriminalização e a legalização certamente não tiraram os policiais do trabalho. O mercado paralelo nunca esteve tão forte. Os traficantes jamais pagarão impostos”, disse Allman. Até o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, já declarou que os cultivos ilegais no norte da Califórnia estão piorando, e que tropas da Guarda Nacional estão em constantes operações na fronteira com o México para desativar fazendas ilegais de cannabis.

Desde que a maconha medicinal foi legalizada na Califórnia há mais de duas décadas, a indústria da cannabis explodiu com supervisão mínima. Logo veio a descriminalização e legalização. Agora, muitas empresas que vendem a droga estão relutantes em passar pelo processo complicado e caro para obter as licenças que se tornaram obrigatórias. A licença até vem, assim como uma das maiores mordidas fiscais dos Estados Unidos.

Esse comércio ilícito foi fortalecido também pela crescente popularidade do vaping, balas com infusão de maconha, chocolates, bolos e outros produtos derivados
Os cartuchos para vaping são muito mais fáceis de carregar e esconder do que sacos de maconha crua. 
Os incentivos monetários do tráfico também permanecem poderosos: o preço dos produtos de maconha em lugares como Illinois, Nova York e Connecticut é normalmente muitas vezes mais alto do que na Califórnia, o que faz com que as exportações ilícitas de cannabis do estado só aumentem.

De volta ao Colorado, a legalização da maconha parece ter aberto a mesma porta para as operações do cartel mexicano. O Gabinete do Procurador-Geral do estado observou que a legalização inadvertidamente ajudou a alimentar o negócio dos cartéis, que agora trocam drogas como heroína por maconha, além do tráfico de pessoas.

Imagino que, se você for um libertário, mesmo depois de todos os estudos e estatísticas dos malefícios da droga e do perigo do manto “medicinal e pequenas quantidades para usuários, não tráfico”, aqui é o ponto onde você diz: “Mas onde está a liberdade e responsabilidade individual que vocês, conservadores e liberais, pregam?”. Bem, as estatísticas não param.

Outra consequência séria da descriminalização e legalização da maconha é o aumento da combinação “intoxicação/chamadas de emergência/pronto-socorro/uso hospitalar” relacionada à droga. 
As chamadas para o controle de intoxicação e emergência no estado de Washington aumentaram, a partir de 2012 (pré-legalização), em 68% em apenas três anos. 
No Colorado, durante o mesmo período, o número subiu para 109%. 
Ainda mais preocupante, as ligações no Colorado relacionadas a crianças de 0 a 8 anos de idade aumentaram nada mais que 200%. 
 Da mesma forma, no Colorado, hospitalizações relacionadas à maconha aumentaram mais de 70% desde a legalização.


Agora imagine um país como o nosso Brasil, onde a saúde nunca saiu da UTI, nem mesmo antes da pandemia, suportar — com dinheiro público um cenário desses? A velocidade empregada na normalização e banalização de assuntos que merecem o mínimo de discernimento e honestidade é assustadora.

Já tiraram as armas da população honesta. Durante a pandemia, as forças policiais não puderam fazer operações nas comunidades [muitos não gostam, mas comunidades é o sinônimo do maldito 'politicamente correto' para favelas.]cariocas.  
Durante as eleições presidenciais de 2022, fomos censurados, e foi proibido reproduzir as gravações da Justiça que mostravam os “diálogos cabulosos” entre o PT e o PCC
Fomos também proibidos de dizer que Lula era amigo de ditadores como Daniel Ortega e Nicolás Maduro, ditador da Venezuela acusado e indiciado por narcotráfico pelo governo dos Estados Unidos.

Em uma entrevista espetacular para o Oeste Sem Filtro nesta quinta-feira, 3 de agosto, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, oficial da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e quem comandou o Pelotão da Rota de 2010 a 2013 e o Pelotão de Força Tática no 49° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano em 2013, sintetizou em uma frase o que cenários de leniência com o mundo das drogas significam para cidadãos e policiais: “A mãe de todos os crimes é o tráfico de drogas”.


Leia também “A culpa é da Barbie?”

Coluna -  Ana Paula Henkel, Revista Oeste

 

 

sábado, 13 de novembro de 2021

O verdadeiro Marighella - Revista Oeste

Silvio Navarro e Paula Leal
 
Filme tenta reescrever a história do violento terrorista de esquerda, transformado em herói nacional pelas lentes de Wagner Moura  
 
Na noite de 4 de novembro de 1969, o baiano Carlos Marighella foi apanhado em uma emboscada pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury na região dos Jardins, em São Paulo, e acabou morto por cinco tiros. O prontuário de um dos maiores terroristas da esquerda armada no Brasil incluía assaltos a bancos e carros-fortes, além do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick
A página 153 de A Ditadura Escancarada (Companhia das Letras), o segundo dos cinco volumes escritos pelo jornalista Elio Gaspari sobre os anos de chumbo, narra seus momentos finais: Marighella portava uma pasta preta com um revólver Taurus calibre 32, que usava em suas ações violentas, mas não teve tempo de sacá-lo. [Marighella tinha que ser abatido, a qualquer custo = era um assassino frio, sanguinário, cruel, inescrupuloso e que matava qualquer um, já que para ele quem morria e porque morria não importava, o importante era o cadáver - fosse de quem fosse - pelo impacto psicológico que causava. Saber mais, clique aqui, ou aqui, aqui, sobre ele ou outros assassinos.]
 Carlos Marighella | Foto: Divulgação
Carlos Marighella | Foto: Divulgação
Meio século depois, é neste ato final que a esquerda reinante na cena cultural do país se concentra para reescrever a biografia do guerrilheiro urbano virulento, que foi expulso do Partido Comunista e se tornou líder da ALN (Ação Libertadora Nacional). Pelo menos é essa a impressão de quem o viu tombar na tela do cinema, desarmado e solitário, assassinado cruelmente à queima-roupa dentro de um Fusca azul antes de ingerir uma cápsula de cianeto
Na nova narrativa, esse é o herói nacional, escritor de poemas e defensor da liberdade retratado em Marighella: o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, dirigido por Wagner Moura. O filme foi baseado no livro do jornalista Mário Magalhães — que faz questão de frisar na página 14 de sua obra: “Como sempre, estava desarmado”.
 
Não se trata aqui de uma crítica ao texto de Magalhães, mas à maneira como Wagner Moura enxerga e defende seu personagem-título. “Quando eu faço um filme sobre Marighella, evidentemente estou fazendo um filme que parte da minha admiração por Marighella e pelas pessoas que, no olho do furacão de uma ditadura militar, resolveram fazer alguma coisa contra aquele regime”, disse Moura em entrevista recente ao programa Roda Viva, da TV Cultura. 
 
Talvez as lentes do ator-diretor estejam embaçadas. Ele busca a redenção depois de ter vestido a pele do Capitão Nascimento, personagem de Tropa de Elite, alvo de um massacre da imprensa e dos colegas intelectuais de esquerda. Trocando em miúdos: foi quase um pedido de desculpas de Moura para ser reincluído no grupo de WhatsApp e voltar a frequentar a patota do Leblon.
Manchete de 1969, quando a Folha de S.Paulo era um jornal de notícias - Foto: Reprodução

O caixa da Cultura
A chegada do filme às telas do país na semana passada ocorreu mais de dois anos depois de estrear em vários festivais internacionais, como o de Berlim. E chegou fazendo barulho. Moura culpou o governo Jair Bolsonaro e a Agência Nacional de Cinema (Ancine) pela demora na exibição do longa-metragem. Foi além e chegou a dizer que se tratava de “censura e boicote”.

A balela de que os comunistas eram defensores da democracia convence menos ainda

Vamos aos fatos: o atraso se deu porque a O2, produtora do filme, estava inadimplente com a prestação de contas de outra produção. Segundo a Ancine, o projeto só passou a cumprir todos os requisitos no último mês e por isso foi liberado. Assim como tantas outras produções artísticas, Marighella se beneficiou do Fundo Setorial do Audiovisual, um dos mecanismos (legais) para financiamento público do setor, que investiu quase metade do orçamento do filme, avaliado em R$ 10 milhões.
 
(..............)

 Pouca gente sabe, mas era obrigatório a previsão de custo com escritório de advocacia nos projetos da Lei Rouanet, e a despesa era abatida a parte do custo operacional de quem realizava o projeto. Centena de milhões de reais em advocacia, todo ano. Eliminamos a obrigação.


Românticos de Cuba
Embora o filme esteja repleto de tiroteios, a versão light do terrorista confesso não faz jus ao discípulo de Stalin, que celebrava “a beleza que há em matar com naturalidade”. No seu Minimanual do Guerrilheiro Urbano, publicado em 1969, Marighella se orgulhava de afirmar que “ser ‘violento’ ou ‘terrorista’ é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada na luta contra a ditadura militar”. Ele ainda reserva um capítulo para ensinar ações aos camaradas: “Assaltos, invasões, execuções, sequestros, terrorismo, sabotagem, guerra de nervos”. Tudo é permitido em nome da luta armada.

A tentativa de humanizar o personagem com a história do seu filho cheira a pieguice e não convence. E a balela de que os comunistas eram defensores da democracia e que se viram obrigados a pegar em armas para salvar o Brasil da ameaça de ditadores fascistas convence menos ainda. “Ele era um patriota, ele amava o Brasil”, repete uma personagem devota em cena.

Se ainda estivesse vivo, o verdadeiro Carlos Marighella provavelmente não se reconheceria na pele do cantor Seu Jorge, que o interpreta no cinema. A escolha do ator para encarnar o guerrilheiro é, no mínimo, curiosa. Na vida real, Marighella era filho de uma negra baiana com um imigrante italiano. No máximo, um moreno claro. Na ficção, foi representado pelo ator e cantor negro Seu Jorge. Wagner Moura ergueu ali também a bandeira racial e do “racismo estrutural”? Sim, claro. O passado do pai italiano anarquista não é mencionado, nem sequer para justificar o sobrenome do terrorista.

A propósito, na esteira do tema étnico, um padre aparece explicando que Jesus só poderia ter sido negro. O padre justifica: quando Herodes mandou matar todas as crianças com menos de 2 anos, Jesus ainda bebê foi escondido no Egito e só conseguiu passar despercebido porque no deserto fazia parte da maioria esquecida pelo sistema. Para completar, um apelo ufanista: nos créditos finais, o público é brindado por uma cantoria do Hino Nacional Brasileiro realizada pelos atores abraçados em roda.

A velha imprensa já elegeu o longa sobre a versão do guerrilheiro travestido de herói como a melhor bilheteria nacional do ano. Com a concorrência minguada depois de um jejum forçado por conta da pandemia, com salas fechadas e medidas restritivas que afugentaram espectadores, não é difícil chegar ao topo do ranking. Além de contar com a torcida da mídia e da militância de esquerda, Moura também recebeu apoio das redes de cinema. 

Esse apoio não foi dado ao cineasta pernambucano Josias Teófilo. Ele é diretor do documentário Nem Tudo se Desfaz, que estreou em setembro deste ano, sobre os impactos das manifestações de junho de 2013 no cenário político nacional, que culminaram na ascensão do presidente Jair Bolsonaro. “Boa parte dos cinemas que procuramos para exibir o Nem Tudo se Desfaz se recusou a passar o filme, inclusive a alugar as salas, porque disseram que não queriam apresentar um filme com conteúdo político. Entretanto, passaram Marighella, que é um filme não só com conteúdo político, mas com discurso político e partidário atrelado”, afirmou. “Uma coisa são filmes que produzem polêmicas, como O Jardim das Aflições [documentário de Teófilo sobre a vida de Olavo de Carvalho] e Nem Tudo se Desfaz. Outra coisa são filmes que produzem factoides de polêmicas, como Marighella.” 

Marighella, o filme, não será capaz de reescrever a história. Amanhã, não teremos jovens deslumbrados desfilando com camisetas estampando o bigode do guerrilheiro baiano. Isso é coisa para a geração do esperto Wagner Moura. Ele sabe ganhar dinheiro tanto com a boina preta do capitão do Bope quanto com a vermelha do comandante Che Guevara.

Leia também “(Super) Heróis da liberdade”

Silvio Navarro e Paula Leal - Revista OESTE - MATÉRIA COMPLETA

 

sexta-feira, 14 de maio de 2021

A Lei Fachin por trás do massacre - Revista Oeste

Como as determinações do STF elevaram a deterioração das favelas no Rio de Janeiro 

Silvio Navarro

Há mais de dez dias a morte de 28 pessoas na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, é um dos assuntos mais comentados nas redes sociais do país. Do presidente da República, que defendeu a dura ação policial, aos partidos de esquerda, que ofereceram narrativas para dar guarida aos narcoguerrilheiros, passando pelas manchetes da mídia tradicional esforçada em humanizar o pobre armado com fuzil, todos opinaram — e essa é uma daquelas discussões em que não há meio-termo no cenário político atual. 

Uma questão, contudo, parece ter sido relegada a segundo plano no debate, embora esteja no cerne do caso: mais uma vez, partiu do Supremo Tribunal Federal (STF), do gabinete do ministro Edson Fachin, uma canetada sobre a condução da política de segurança nas favelas do Estado. É aí que, de fato, mora o perigo.

Edição de arte Oeste

De acordo com as apurações preliminares, tudo indica que não se tratou de nenhuma execução em massa morro acima: a polícia tinha seus alvos [alvos comprovados em mandados de prisão expedidos pelo Poder Judiciário, a pedido do Ministério Público  - 19 mandados não foram cumpridos e a Polícia tem o DEVER e o DIREITO de onde encontrar os 'objetos dos mandados' prendê-los com o uso da força necessária.] — traficantes aliciadores de menores — e cumpriu seu papel. 
Mas por que, então, a operação se degenerou em algo tão tenso e virou vidraça rapidamente no noticiário? 
Para começar a entender essa história, é preciso relembrar um julgamento ocorrido no plenário do STF em agosto do ano passado. No meio da tarde do dia 18, a Corte que hoje delibera sobre qualquer coisa no Brasil determinou que helicópteros da polícia não poderiam mais patrulhar as favelas do Rio durante a pandemia — foram 7 votos contra 3 no plenário virtual.

Conforme o STF, a utilização de helicópteros é permitida em “operações policiais apenas nos casos de observância da estrita necessidade, comprovada por meio da produção, ao término da operação, de relatório circunstanciado”. Mais: são proibidas operações nas imediações de escolas possíveis somente com justificativa prévia —, os corpos de mortos não podem ser recolhidos e os agentes que balearam bandidos serão investigados pelo Ministério Público, e não mais pela Corregedoria da PM.

Segue um trecho autoexplicativo do voto de 97 páginas do ministro Fachin: “Visto sob essa perspectiva, é quase impossível imaginar situações nas quais o uso de helicópteros para tiro, o chamado ‘tiro embarcado’, possa ser autorizado. Afinal, o tiro só pode ser dado para prevenir a ocorrência de dano à vida de outrem; deve ser dado aviso prévio, salvo, por evidente, a impossibilidade de exigir essa atitude; e deve ser dado tempo para que a pessoa que seria atingida possa obedecer à ordem do agente de Estado. É certo que a utilização de helicópteros não se presta a captura, nem deve constituir a primeira opção de uma operação”.

Ou seja, para Fachin, deve ser dado tempo para que “a pessoa que seria atingida” (registre-se: no caso, trata-se de traficantes e seus bandos) possa obedecer à ordem do agente de Estado — para baixar o fuzil e se entregar. “Isso é um absurdo. O policial não precisa esperar o bandido atirar para revidar. O simples fato de esses criminosos estarem portando uma arma de alto calibre na favela já justifica a ação do policial. Por que um cidadão estaria portando um fuzil? Para fazer algo de bom? Ela está lá para matar o policial. Só isso já permite disparar contra ele”, avalia o deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da Frente Parlamentar da Segurança Pública na Câmara, com 25 anos de atuação na Polícia Militar.

“É lamentável essa decisão do Fachin porque o tráfico continua correndo solto e com mais dinheiro”, diz o deputado. “Já não bastasse termos leis extremamente brandas e um Congresso Nacional que faz de tudo para endurecer legislação penal? Essa decisão dificulta ainda mais a ação policial. Chega a desanimar.”

Cenário de guerra
Não seria nem preciso dizer que a maioria dos especialistas em segurança pública avalia que a medida favorece as facções criminosas, cujo comando é propositadamente instalado no topo do morro, cada uma com seus sentinelas fortemente equipados e alertas para responder a qualquer movimentação policial nas entradas das favelas (literalmente) com uma chuva de balas.
Rodrigo Pimentel, ex-integrante do Bope (tropa de elite da polícia do Rio) e inspirador do clássico personagem do cinema Capitão Nascimento, analisou o caso do Jacarezinho. “Havia um inquérito policial, com aliciamento de crianças de 12 a 14 anos que eram seduzidas e armadas pelo tráfico.  
A Constituição diz que é dever do Estado — e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também — zelar pela vida. Era uma situação de excepcionalidade. 
 STF fala da necessidade de acompanhamento do Ministério Público, e ele estava lá. Foi tudo legal. Fiz várias operações naquela área, acompanhei a tentativa de instalação de uma UPP [Unidade de Polícia Pacificadora] que não deu certo e afirmo que é uma região complexa, com casas com seis ou sete andares, verdadeiros bunkers”, diz.
Pimentel também critica a judicialização das operações policiais: “São pessoas que nunca colocaram o pé lá, que não conhecem a realidade e não sabem que os moradores são vítimas dessas facções. Lamento muito a morte do herói André Frias [policial morto na ação], que sustentava a mãe. Entendo que a quantidade de armas apreendidas, entre pistolas, fuzis e granadas, é compatível com a quantidade de mortos, e é preciso esclarecer que o metrô está atrás do local da entrada dos policiais, ou seja, é impossível que as pessoas alvejadas tenham sido vítimas de disparos de policiais. 
Eram 21 alvos, tinha inteligência policial sim. Quem colocou o fuzil no chão foi conduzido para a delegacia. Havia a opção de sair vivo, mas, neste momento de judicialização, lamento até que a imprensa e alguns artistas falem em chacina. A polícia tinha todos os dados, mas não se combate o tráfico só com informação”.
[a situação no Rio de Janeiro, sob a lei Fachin é algo do tipo: imagine que você,  um cidadão do bem, por estar em área perigosa, anda armado e circula tranquilamente, a pé, por ruas do Rio. Em uma esquina próxima de onde você está, funciona um consulado de um determinado país - são comuns consulados diplomáticos no Rio de Janeiro e  outras cidades brasileiras. 
Dois marginais armados te atacam,  você consegue ser mais rápido, saca sua arma e consegue abatê-los. Em um estudo rápido da situação, logo percebe o consulado, consegue pular um muro de proteção, nele ingressando.
Imediatamente ergue as mãos, entrega sua arma e a partir daquele momento nenhuma autoridade brasileira pode efetuar sua prisão.
 
São iniciadas negociações e por fim  o cônsul decide te entregar aos policiais brasileiros - tudo de acordo com o protocolo diplomático. fato: você ganhou alguns minutos de segurança mas agora está preso em uma DP aguardando providências judiciais.
Calma, estou acabando: vamos imaginar  que você nas mesmas condições circula nas proximidades de uma 'boca de fumo', na entrada de uma favela, é atacado, reage e mata os dois agressores.
Você sendo esperto, não se preocupa com a polícia - que, certamente não está na entrada da favela. Se dirige à 'boca de fumo', conversa com o chefe do tráfico e solicita abrigo (usar o termo 'asilo diplomático'  é pegar pesado).
Autorizado sua permanência pelo chefão, por tempo indeterminado, não é preciso você se preocupar com a polícia - que não vai ingressar na favela para lhe prender, já que você está em favela, área sob domínio do tráfico, e a  polícia conforme decisão do ministro Fachin, só pode entrar em situações excepcionais.]

Num dos mais lúcidos depoimentos sobre o caso de Jacarezinho, o procurador Marcelo Rocha Monteiro, do Rio de Janeiro, afirmou que “ainda vamos descobrir o custo em vidas dessa decisão do STF”. Ele citou nas suas redes sociais que “especialistas” [especialistas em nada - essa corja ganhou muita grana posando de especialistas em covid-19, com entrevistas diárias na TV Funerária e ficaram desmoralizados, já que erravam até quando previam o passado. Agora tentam mudar o foco e passaram a defender bandidos.] da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) chegaram a enviar um vídeo ao ministro Edson Fachin, supostamente da ação ocorrida na semana passada, que por sua vez exigiu uma investigação dos policiais por “fortes indícios de execução sumária”. Detalhe: as imagens são do ano passado e foram captadas no Rio Grande do Sul durante uma briga entre bandidos rivais que usavam uniformes da polícia.

A pressa que o ministro Fachin tem em mandar investigar os policiais é inversamente proporcional à vontade de que traficantes dessas facções sejam reprimidos. Aí ele não tem pressa”, disse em entrevista à rádio Jovem Pan. “A operação foi antecedida por dez meses de coleta de informações e atividades de inteligência. Depois disso, o que se faz? Manda uma carta ao traficante pedindo que se entregue? A polícia tem que entrar. 

Desde o ano passado, o número de operações diminuiu porque o policial está sob ameaça de ser preso. 

Enquanto isso, o crime organizado se aproveitou para vender mais drogas e o dinheiro arrecadado é investido em armas pesadas para destruir blindados. Montaram ‘casamata’ de alvenaria [construção usada na 2ª Guerra Mundial] para atirar com fuzis contra a polícia. Montaram bloqueios que impedem a entrada de carros e de ambulância”, afirmou.

Juristas, parlamentares e especialistas em segurança pública ouvidos por Oeste — alguns pediram sigilo de fonte por receio de represálias do STF — questionam: será que é papel do Judiciário criar leis sobre segurança pública com o amparo de que estamos em meio a uma pandemia? Com a palavra, o corajoso procurador Rocha Monteiro: “Essa lei não existe; ele [Fachin] aplicou a visão política e ideológica de mundo dele, ainda que ela deveria ficar da porta do gabinete para fora”.

Em linhas gerais, as premissas que balizam o voto de Fachin fazem lembrar uma frase histórica do ex-governador Leonel Brizola (PDT) no início dos anos 1980, que para muitos acadêmicos está na origem desse problema quase insolúvel décadas depois: “No meu governo, a polícia não vai abrir as portas de um barraco com ‘botinaço’. Fará tudo na forma da lei, como em qualquer bairro”. Deu no que deu.

Silvio Navarro - Revista Oeste


segunda-feira, 11 de maio de 2020

STF gastará R$ 10 milhões com segurança de ministros

Brasileiro que trabalha sério e paga impostos concorda em bancar a segurança das excelências que mandam soltar criminosos como Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, traficantes de drogas...? 

 Após ser alvo de protestos populares nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai gastar aproximadamente R$ 10 milhões para reforçar a segurança dos 11 integrantes da Corte. A intenção do Supremo é contratar 32 seguranças privados armados que ficarão disponíveis aos ministros 24 horas por dia.
Segundo o edital de licitação para contratação de empresa especializada em “prestação de serviços continuados de apoio operacional na área de segurança pessoal privada armada”, lançado nesta segunda-feira, 11, os serviços serão prestados no âmbito do Supremo Tribunal Federal e em localidades onde “houver a necessidade de garantir a segurança dos senhores ministros, compreendendo inclusive missões de deslocamentos externos”. Isso tudo “em virtude da especificidade das atividades oficiais realizadas fora da sede do STF”.
Os seguranças também serão responsáveis pela condução dos veículos oficiais de representação e escolta e andarão armados. A empresa contratada terá que fornecer colete à prova de balas e uma pistola calibre 380 a cada um dos vigilantes. O contrato terá vigência de dois anos e o valor máximo de R$ 9.967.705,40.

Tropa de elite suprema

A licitação para reforço na segurança dos ministros foi lançada após uma série de protestos que estão sendo realizados desde meados de abril contra integrantes da Corte. Na semana passada, manifestantes chegaram a fazer um ato em frente à residência do ministro Alexandre de Moraes.
Ainda conforme a licitação, os seguranças deverão vistoriar os carros dos ministros, para detectar artefatos estranhos como possíveis bombas, por exemplo; “adotar medidas preventivas e repressivas” para evitar que as autoridades entrem em situação de risco e até apoiar “agentes e inspetores de segurança em situações relacionadas à segurança das autoridades”. Neste caso, os agentes e inspetores a qual o edital se refere são os da Polícia Federal (PF), Policiais Legislativos de Câmara, Senado ou mesmo Policiais Militares.
O salário base dessa espécie de “tropa de elite suprema” será de R$ 3,8 mil, conforme o edital licitatório. Os seguranças dos ministros precisarão ter passado por treinamentos nos quais, além de tiro e noções de defesa pessoal, eles também precisarão ter conhecimentos básicos sobre direito penal, direto constitucional, crime doloso e culposo, lesão corporal e até uso de algemas.
Rota 2014 - Transcrito por Blog Prontidão Total


domingo, 1 de março de 2020

O Mito e seu lugar de fala - Nas entrelinhas

”Diariamente, Bolsonaro se relaciona com os jornalistas tratando-os como ‘párias’. Suportar essa situação para qualquer um humilhante faz parte das agruras da profissão

A relação entre o discurso e a verdade é cada vez mais complexa. Na teoria, trabalha-se com três conceitos fundamentais: 
- condições de validade (ou seja, se a afirmação é válida ou corresponde aos fatos)
- pretensões de validade (a narrativa ou os argumentos utilizados para o convencimento); 
- e o resgate das condições de validade (quando o discurso é legitimado pelo ideal de fala e como tal, apesar de imposto unilateralmente, obtém certo consenso). Se na filosofia lidar com a verdade é um assunto complexo, nas redes sociais então nem se fala. A verdade morre e ressuscita todos os dias, de diferentes maneiras, num embate cujo desfecho nem sempre é o melhor para a sociedade. A opinião pública se forma a partir do choque de versões, no qual o contraditório acaba sendo o meio mais eficaz de aproximação da realidade.

Nessa guerra de informação, a tropa de elite é formada pelos jornalistas profissionais, cuja relação com a política é quase inseparável. Há cerca de 100 anos, numa palestra antológica (“A política como vocação”), o sociólogo alemão Max Weber destacou que os jornalistas pertencem a uma espécie de “casta de párias” e que “as mais estranhas representações sobre os jornalistas e seu trabalho são, por isso, correntes”. Ao discorrer sobre o mundo da política, o papel da imprensa e as vicissitudes do jornalismo, dizia a que a vida do jornalista é muitas vezes “marcada pela pura sorte” e sob condições que “colocam à prova constantemente a segurança interior, de um modo que muito dificilmente pode ser encontrado em outras situações”: “A experiência com frequência amarga na vida profissional talvez não seja nem mesmo o mais terrível. Precisamente no caso dos jornalistas exitosos, exigências internas particularmente difíceis lhe são apresentadas. Não é de maneira alguma uma iniquidade lidar nos salões dos poderosos da terra aparentemente no mesmo pé de igualdade (…) Espantoso não é o fato de que há muitos jornalistas humanamente disparatados ou desvalorizados, mas o fato de, apesar de tudo, precisamente essa classe encerra em si um número tão grande de homens valiosos e completamente autênticos, algo que os outsiders  não suporiam facilmente”.

Grandes mulheres também, diria Max Weber, nos dias de hoje, porque há 100 anos o jornalismo não era uma profissão majoritariamente feminina, como agora acontece; muito pelo contrário, havia poucas mulheres nas redações. Mesmo assim, sobrevivem ainda o machismo, a misoginia e o assédio sexual e/ou moral, em todos os níveis de relações de poder, às vezes até nas redações. É óbvio que estou contextualizando o embate entre o presidente Jair Bolsonaro e a jornalista Vera Magalhães, colunista do Estado de São Paulo que divulgou mensagens de WhatSApp do presidente da República em apoio às manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), convocadas para 15 de março.

Comportamento
Diariamente, Bolsonaro se relaciona com os jornalistas tratando-os como “párias”, ao sair do Palácio do Alvorada. Suportar essa situação para qualquer um humilhante faz parte das agruras da profissão, da mesma forma como aspirar gás lacrimogêneo na cobertura de manifestações e correr o risco de ser vítima de uma bala perdida nas reportagens policiais. Bolsonaro coleciona agressões verbais a jornalistas, como as recentes declarações misóginas contra Patrícia Campos Mello. Volte e meia, ofende um colega numa coletiva. Suportar esse tipo de agressão não faz parte dos manuais de redação. Não existe um comportamento padrão para isso, a reação depende de cada um. No caso mais recente, porém, Bolsonaro colidiu com “Sua Excelência, o fato”, como diria Ulysses Guimarães, numa situação na qual se contrapôs ao Congresso, ao Supremo e à Constituição de 1988. Perdeu! Vera validou o que disse com três vídeos compartilhados pelo próprio Bolsonaro.

A “mimesi” de Bolsonaro nas redes sociais faz parte da construção do “Mito”. É uma imitação da realidade, não uma reprodução. A mimesi ocorre quando a ação humana é representada de forma melhor (tragédia e epopeia) ou pior (comédia) do que a realidade. É uma representação em torno do mito, ou seja, da ação, que deve seguir sempre os critérios da verossimilhança. O mito é caracterizado por um conjunto de ações escolhidas e organizadas, sua construção se remete a algo que poderia acontecer e não ao que aconteceu.

Bolsonaro construiu o Mito a partir de um “lugar de fala” que não é a Presidência da República, mas o universo de origem de sua candidatura. Procura manter um eleitorado cativo, com perfil originário de suas eleições para a Câmara, mas agora nacionalizado: militares, policiais, milicianos, caminhoneiros, taxistas, ruralistas, pentecostais, ultraconservadores e reacionários. [todos, possuidores individuais de um voto = ao de qualquer eleitor, seja ele quem for.] Em consequência, aparta a autoridade constituída — a Presidência — do carisma do “Mito” e se isola politicamente. Ocorre que um determinado mito pode ser episódico (são os piores) e fruto da surpresa (emoção causada por fatos inesperados). Isso depende da percepção do espectador, não depende, por exemplo, de haver um único herói na trama. Na tragédia, como na sua campanha eleitoral, o mito se forma pela peripécia e o reconhecimento; na comédia, porém, acaba desconstruído. É o que pode acontecer com Bolsonaro na Presidência quando briga com os fatos.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


terça-feira, 15 de outubro de 2019

Supremo testa blindagem - Valor Econômico

Andrea Jubé 

Lula solto “desfulanizaria’ julgamento no STF

No começo de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, comparou o colegiado à equipe do Capitão Nascimento: “quem está aqui, está todo dia numa Tropa de Elite, com todo mundo falando: pede pra sair". Ele afiançou que os ministros têm “couro” para resistir à pressão. Essa blindagem será testada no julgamento sobre a prisão após a condenação em segunda instância na sexta vez em que a Corte volta a debater o tema, a contar de 2009.

Se o clima não fosse de apreensão nos bastidores, com o STF sob bombardeio das redes sociais, o seguinte cenário não estaria sendo debatido: uma ala do tribunal acredita que se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitasse a progressão para o regime semiaberto aumentariam as chances de se formar a maioria contra a execução antecipada da pena. Essa corrente argumenta que um cenário de Lula literalmente “livre” poderia “desfulanizar” o julgamento. Segundo esse grupo de ministros, com Lula solto, eventual declaração de inconstitucionalidade da prisão em segunda instância não seria recebida pela opinião pública como uma decisão “pró-Lula”.

De fato, os efeitos desse entendimento podem beneficiar cerca de 190 mil presos que segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cumprem a pena antecipada. Essa avaliação interna do Supremo foi levada a Lula, mas o presidente resiste a aceitar a progressão da pena. Ele espera que o STF julgue o habeas corpus onde requereu a anulação do processo relativo ao triplex de Guarujá invocando a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça. [sugestão à juíza Carolina Lebbos: determine que a PF comece os preparativos para transferir o presidiário petista para uma prisão comum - nada ilegal, afinal é um condenado comum, condenado por crime comum e tem que cumprir pena em prisão comum; 
outro argumento é de que fica muito caro para os cofres públicos, para os contribuintes, manter o presidiário nas dependência da PF, assim, sua transferência para presidio comum é a saída.
Meritissima: fique certa que no segundo dia de preparativos o condenado pede para progredir de regime = ir para o semiaberto e aceitando tornozeleira eletrônica.]

Lula está convicto de que a migração para o semiaberto fragiliza o discurso de “preso político”. Ele se veria submetido às mesmas condições que os ex-tesoureiros do PT João Vaccari Neto e Delúbio Soares: usaria tornozeleira, teria de morar em Curitiba e cumprir restrições de horários e de vida social. “Não quero uma pena mais leve, quero minha inocência”, disse à agência France 24.

Já o PT aguarda com ceticismo o julgamento porque dos três desfechos possíveis, apenas um deles beneficia Lula. 
1) O STF pode manter o atual entendimento; 
2) entender que a prisão após a condenação em segunda instância é ilegal; 
3) modular o entendimento para que a execução provisória da pena comece logo após o julgamento do recurso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a terceira instância do sistema brasileiro. [que no caso do presidiário petista ja ocorreu e a pena foi confirmada.]

Apenas a segunda hipótese favorece Lula, porque o petista teve o apelo na ação sobre o triplex rejeitado pelo STJ. Se não for compelido a migrar para o semiaberto, ele permaneceria detido na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba porque já foi julgado pelo STJ. Em julho, esta coluna informou que o ministro Alexandre de Moraes sinalizou a interlocutores o voto contrário à prisão em segunda instância. A se confirmar este aceno, o placar desta quinta-feira seria de 7 votos a 4 contra a execução da pena antes do esgotamento dos recursos. Em abril do ano passado, no julgamento do habeas corpus que evitaria a prisão de Lula, Moraes posicionou-se a favor da prisão em segunda instância, e o placar favorável ficou em 6 votos a 5.

O placar esperado para quinta-feira é o seguinte: Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes julgariam inconstitucional a prisão em segunda instância. Parte deste grupo acompanha a modulação de Toffoli para que a detenção do condenado ocorra após a análise do apelo no STJ. Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux e Cármen Lúcia votariam pela legalidade da prisão na segunda instância.

Como no julgamento anterior, Rosa Weber tende a acompanhar a maioria. E embora tenha julgado inconstitucional a prisão antecipada, o voto do decano Celso de Mello agora seria incerto, segundo uma fonte credenciada da Corte. São os votos de Moraes, Rosa Weber e do decano que podem formar o placar de 7 a 4. O precedente favorável à prisão em segunda instância remonta a 2016, numa conjuntura de Operação Lava-Jato nas ruas e forte indignação popular. Por 6 votos a 5, o STF decidiu que um condenado deveria recorrer atrás das grades.

Dias Toffoli garante que a pressão social não influenciará os ministros. “Quem vem para cá tem que ter couro e tem que aguentar qualquer tipo de crítica”, afirmou no dia 1 de julho. Tomando a ferro e fogo a declaração, um cenário com “Lula preso” ou “Lula livre” não influenciaria a convicção dos julgadores.

(...)

Andrea Jubé, jornalista e advogada - Coluna no Valor Econômico



quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Quando foi que isso tudo começou?- Elio Gaspari


Plateia que aplaudiu 'Tropa de Elite' em 2007 mandou um sinal e ele materializou-se na eleição de 2018

 O que surgiu com o aplauso à cena de ‘Tropa de elite’ transformou-se numa necropolítica 

Em 2007, o filme “Tropa de elite” mostrava uma cena na qual o Capitão Nascimento, do Bope da PM do Rio, queria saber onde estava o traficante Baiano, espancava um jovem e mandava que o torturassem asfixiando-o com um saco de plástico. Esse momento foi aplaudido em muitas salas do país. Passaram-se 12 anos, Jair Bolsonaro está no Planalto, e Wilson Witzel (Harvard Fake’15) governa o Rio de Janeiro. Durante a campanha do ano passado, o capitão-candidato foi a um quartel do Bope, discursou e repetiu o grito de guerra de “Caveira!”. Eleito governador, Witzel anunciou sua plataforma para bandidos que empunhassem fuzis: “A polícia vai mirar na cabecinha e... Fogo!” 

 Capitão Nascimento

As plateias de “Tropa de elite” haviam mandado um sinal, e ele materializou-se na eleição. Tudo começou ali. O cidadão que aplaudiu a cena da tortura acreditava que aquele deveria ser o jogo jogado, reservando-se o direito de achar que só se deve torturar quem se mete com traficante ou que só se deve acertar a cabecinha do sujeito que vai para a rua com um fuzil. Passou-se um ano, não se sabe como o ex-PM Fabrício Queiroz “fazia dinheiro”, e a polícia do Rio acerta não só cabecinhas de bandidos, como também crianças. [atualizando: ao que se sabe, até o presente momento, não existe nenhuma acusação (provada) contra a Polícia do Rio envolvendo morte de crianças;

tudo indica que os bandidos atiram em inocentes, obrigam a população a acusar policiais, o assunto rola alguns dias mantendo os policiais como responsáveis, é esquecido e ninguém lembra, quando ocorrem novas mortes e como é habitual policiais são acusados e ninguém lembra que as acusações anteriores não foram provadas = sobra para a polícias.
Apesar de ser uma hipótese triste e indesejável o risco de balas perdidas, inclusive disparadas de armas de policiais durante confrontos, é algo que ode ocorrer e tem que ser debitado à conta = danos colaterais, indesejáveis, porém, inevitáveis.] O cidadão do aplauso é capaz de fingir que não sabia que essa seria uma das consequências da sua manifestação de felicidade. Por trás de cena do Capitão Nascimento havia muito mais. 

O repórter Rafael Soares mostrou um aspecto desse desfecho. No dia 13 de novembro de 2014, um PM que servia no Bope tentou convencer o traficante Lacosta a executar um major que atrapalhava os negócios do setor:
“Manda ver onde mora e quando ele for sair da casa, forja um assalto e rasga ele”.
Depois entrou em detalhes:
“Glock com silenciador e carregador goiabada de 100 tiros pow vai brincar com ele. Esse cara tá com marra de brabo.”
Dois meses antes dessa conversa, a PM do Rio havia prendido 23 policiais acusados de extorsão. Entre eles estava o terceiro homem na hierarquia da corporação, sob cujas ordens ficavam os comandantes do Bope.[infelizmente, desde que o mundo é mundo, a existência de maus elementos em qualquer profissão é algo inevitável.]

O dilema da segurança nas grandes cidades brasileiras nunca esteve num confronto simples, como o da retórica de Bolsonaro e Witzel, com o Capitão Nascimento de um lado e o traficante Baiano do outro. Nas camadas do meio estão policiais, milicianos e todas as combinações possíveis com a bandidagem. Aquilo que começou com o aplauso à cena de “Tropa de elite” seguiu seu curso e transformou-se numa necropolítica. Ela finge que combate o crime, mas contém o ingrediente que inibe esse propósito: o PM que queria “rasgar” o major negociava com o traficante Lacosta, a quem chamou de “meu rei”, porque há quem precise de bandido vivo e solto. Lacosta vai bem, obrigado. A facção à qual ele se associou foi pioneira na criação de holdings com milícias. 

Não há nada de novo nessa constatação. O ex-sargento PM Ronnie Lessa, acusado [acusação que se sustenta na base do possível,  possibilidade, suspeitas, indícios = provas não há.] de ter participado do assassinato da vereadora Marielle Franco, teve uma carreira complementar à sua atividade no Bope. Foi guarda-costas de contraventor, teria ligações com o Escritório do Crime e na casa de um de seus amigos guardava 117 fuzis desmontados. Tinha amigos na milícia de Rio das Pedras e uma boa vida, a ponto de ter comprado uma boa casa no condomínio da Barra da Tijuca onde vivia o deputado Jair Bolsonaro. 

Folha de S. Paulo e O GLOBO - Elio Gaspari, jornalista