Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Illinois. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Illinois. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Casos de antissemitismo e de islamofobia triplicam com guerra Israel-Hamas

Fúria e ressentimentos são continuamente atiçados e se espalham pelo mundo. A solução só virá quando se abrir uma brecha no império do rancor 

A member of the Israeli security forces scuffles with a protestor as Palestinian and Israeli peace activists demonstrate at the entrance of Huwara in the occupied West Bank, on March 3, 2023, following deadly violence by Israeli settlers. Late on February 26, the Palestinian town of Huwara came under attack by Israeli settlers, hours after two settlers were shot dead as they drove through the northern West Bank town. Credito: Jaafar ASHTIYEH/AFP

 DO LADO DE CÁ - Violência: soldado de Israel usa a força para reprimir manifestante palestino na Cisjordânia (Jaafar Ashtiyeh/AFP)
 
As guerras são a mais extrema expressão da barbárie e desgraçadamente não faltam exemplos de horrores e mortandade ao longo da história. 
 Mas poucas vezes a violência sem limites escalou de maneira tão vertiginosa quanto a que se observa no duelo atual entre a força militar de Israel e os militantes do Hamas, que acaba de completar um mês. 
A trágica contabilidade de mortos partiu do altíssimo patamar de 1 400 pessoas massacradas no dia 7 de outubro, quando o grupo palestino cruzou os limites da Faixa de Gaza em um devastador ataque-surpresa. 
A resposta israelense foi deslanchar uma ofensiva para aniquilar o inimigo que, na conta do Ministério da Saúde da superpovoada Gaza, já matou mais de 10 000 pessoas, quase metade delas crianças.  
Os sangrentos trinta dias de confronto desembocaram em uma agressividade de proporção inédita no campo de batalha da opinião pública, com o disparo maciço nas redes sociais de cenas de execuções, bombardeios de escolas, colapso de hospitais e bebês sem vida.

O mundo se repartiu entre contra e a favor, sufocando o meio-termo e abrindo espaço para o mais virulento preconceito. “A mente está cheia até a borda com nossa própria dor e não sobra espaço nem para reconhecer a dor dos outros”, escreveu o historiador e filósofo israelense Yuval Harari. Pairando sobre tudo, o ódio, sentimento que cega e escraviza, vai cumprindo seu papel de aprofundar as históricas desavenças entre árabes e judeus, fazendo delas uma questão pessoal, de indivíduo contra indivíduo, com ecos em toda parte e sem solução à vista.

DO LADO DE LÁ - Mais violência: suástica na fachada da casa em Lyon, na França, onde uma judia foi esfaqueada
DO LADO DE LÁ – Mais violência: suástica na fachada da casa em Lyon, na França, onde uma judia foi esfaqueada (Reprodução/Twitter)

Nos últimos dias, tanques e tropas cercaram a cidade de Gaza, a maior do enclave, e iniciaram a incursão pela rede de túneis controlada pelo Hamas. “Estamos em uma nova etapa da guerra”, declarou o porta-voz do Exército Daniel Hagari, ao mesmo tempo em que o secretário-geral da ONU, António Guterres, subia o tom, afirmando que Gaza está se tornando “um cemitério de crianças”. Discute-se a implantação de “pequenas pausas humanitárias” nos combates — as forças israelenses deram quatro horas para moradores da Cidade de Gaza deixarem o local —, e as listas para a saída de estrangeiros e feridos graves pelo Egito são divulgadas a conta-gotas (34 brasileiros estão na fila).

Não se sabe o que será de Gaza após a ofensiva militar. Negociações estão em curso para que a mais moderada Autoridade Palestina, que administra a Cisjordânia, assuma o território, mas ela terá que conviver com a presença israelense — o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu antecipou que o país “será responsável pela segurança por um período indefinido”. A marcha da insensatez se acelerou com a declaração de Amihai Eliyahu, ministro do Patrimônio — cargo criado para acomodar a extrema direita religiosa que faz parte do governo —, de que o uso de bombas nucleares em Gaza “seria uma opção”. Foi afastado e desautorizado, mas o estrago estava feito. 

Nada do que se discute agora sinaliza um caminho para a paz — pelo contrário, são ações que, como já aconteceu outras vezes, cristalizam raiva e ressentimentos que se espalham pelo planeta.

POLARIZAÇÃO - Atos pró-Palestina em Tulane (à esq) e em Harvard: o conflito entre árabes e judeus se espalha pelas universidades americanas
POLARIZAÇÃO - Atos pró-Palestina em Tulane (à esq) e em Harvard: o conflito entre árabes e judeus se espalha pelas universidades americanas (Reprodução/Joseph Prezioso/AFP)
Os casos de antissemitismo e de islamofobia mais do que triplicaram na Europa e nos Estados Unidos no último mês. No estado de Illinois, o menino de origem palestina Wadea Al Fayun, 6 anos, foi esfaqueado pelo dono do apartamento onde ele morava com a família, um septuagenário que, segundo sua mulher, “escuta talk shows conservadores no rádio” e andava obcecado pelo conflito no Oriente Médio. 
Em Lyon, na França, uma mulher judia foi ferida a facadas por um homem que bateu à sua porta e, para não deixar dúvida quanto à motivação do crime, pichou uma suástica na entrada da casa.
Estrelas de Davi apareceram pintadas na fachada de prédios habitados por judeus em Paris. 
No longínquo Daguestão, país muçulmano às margens do Mar Cáspio, uma turba invadiu o saguão de um aeroporto pretendendo linchar passageiros que desembarcavam de Tel Aviv. “No mundo conectado em que vivemos, quem já têm inclinação para a violência reforça sua visão. As pessoas estão buscando motivos para confirmar seus preconceitos”, diz Wendy Via, cofundadora do Global Project Against Hate and Extremism.
Continua após a publicidade

As expressões de ódio despertadas pelo conflito entre árabes e judeus derramaram-se, com força nunca vista, pelas universidades americanas, um terreno minado pela polarização política e pelo racha talhado pela cultura woke, que leva às últimas consequências o conceito do politicamente correto. Em Harvard, trinta organizações estudantis não só condenaram Israel como abraçaram o execrável slogan “Do rio ao mar, a Palestina será livre— à primeira vista inocente, mas que embute a sumária destruição total do Estado judeu (por repetir o desatino, Rashida Tlaib, única deputada de origem palestina dos Estados Unidos, recebeu um raríssimo voto de censura da Câmara). 

Em Cornell, outra instituição de elite, um aluno disparou nas redes sociais ameaças de morte a estudantes judeus. Tulane, em Nova Orleans, foi palco de agressões generalizadas entre apoiadores dos dois lados quando um manifestante tentou incendiar uma bandeira de Israel. Em Stanford, na Califórnia, a polícia investiga como crime de ódio a morte de um judeu nas proximidades de um ato pró-Palestina. “O discurso, no meio universitário, repisa que os dois povos não podem viver naquela região porque um lado representa o domínio imperialista e o outro rejeita a civilização ocidental. É a islamofobia batendo boca com o antissemitismo”, resume Michel Gherman, professor de história da UFRJ nascido em Israel e tachado de antissemita em um debate na PUC carioca.

O antissemitismo observado nos dias de hoje é uma chaga que teve origem no fim do século XIX, concentrado principalmente na Europa. 
As aceleradas mudanças políticas e econômicas da época, um processo repleto de conflitos que iriam descambar em duas guerras mundiais, desagradaram a nacionalistas que, em busca de um bode expiatório, atribuíram os problemas surgidos à minoria religiosa que controlava parte das instituições financeiras — início de uma perseguição movida pela intolerância que culminou no Holocausto e nos 6 milhões de mortos pelas atrocidades nazistas.
 A fogueira da islamofobia se acenderia meio século depois, quando árabes começaram a migrar para países europeus em busca de vida melhor. Ela explodiria neste século, em que as imensas levas de imigrantes ilegais, associadas à violência latente nas periferias pobres das grandes cidades, desencadearam um turbilhão antimuçulmano. “O antissemitismo e a islamofobia têm a mesma raiz ideológica e é justamente isso que impede que as duas vítimas se reconheçam em pé de igualdade e possam dialogar”, ressalta Arlene Clemesha, professora de história árabe da USP.
TERROR - Ruínas do World Trade Center: civis chacinados em plena Nova York
TERROR - Ruínas do World Trade Center: civis chacinados em plena Nova York (Beth A. Keiser/AFP)

O clima de animosidade entre árabes e judeus se fez presente já na origem dos dois povos: como era comum na convivência das tribos naquela época, as escrituras relatam choques entre os descendentes dos dois filhos de Abraão — Ismael, que viria a formar a nação árabe, e Isaac, tronco do judaísmo. “Os dois povos semitas entraram em conflito por terras já em XVII a.C.”, relata o teólogo Jacir de Freitas, autor de A História de Israel e as Pesquisas Mais Recentes. Apesar dessas diferenças, árabes e judeus repartiram o que é hoje a Palestina com relativa civilidade durante milênios. 

O conflito do qual a guerra atual é a mais recente e mais mortífera consequência tem como ponto de partida as movimentações que resultaram na proposta, apresentada pela ONU em 1947, de divisão da Palestina para a formação do Estado de Israel.  
Nacionalistas palestinos e sionistas se mobilizaram contra e a favor da partilha, a Liga Árabe tomou partido e os tiros começaram a ser disparados. 
Três guerras entre israelenses e alianças militares árabes, inúmeros e horripilantes atentados terroristas e seguidas revoltas sufocadas a bala e bombas depois, judeus e palestinos vivem no mesmo espaço, mas separados por uma montanha de fúria e desconfiança. “O ódio não é a causa dos acontecimentos históricos, mas sim seu subproduto. Frequentemente políticos e ideólogos incitam esse sentimento para ganhar poder e influência”, ensina Norman Naimark, professor de história da Universidade de Stanford.
HORROR - Judeus sendo levados de trem para campo de concentração nazista: barbárie movida pela disseminação do ódio
HORROR - Judeus sendo levados de trem para campo de concentração nazista: barbárie movida pela disseminação do ódio (Austrian Archives/IMAGNO/APA-PictureDesk/AFP)

Sentimento inerente à condição humana, o ódio se situa entre a raiva e o nojo, duas das seis emoções básicas universais descritas pelo psicólogo americano Paul Ekman. Ambas têm lá sua justificativa: enquanto a raiva pressupõe ação diante de algo percebido como errado ou injusto, o nojo serve para evitar contato com perigos e ameaças — na evolução, manteve humanos longe de comidas venenosas ou estragadas. “Mas a combinação é destrutiva”, explica Robert Sternberg, professor de psicologia da Universidade Cornell. “Seu estímulo provém de narrativas falsas, que convencem as pessoas de que o outro está roubando seus recursos e seu destino.” O psicólogo social Aharon Levy completa: “Em uma situação de ódio entre grupos, cada lado acredita que está moralmente correto, ao passo que o inimigo é imoral e não pode mudar”.

SEM PAZ - Salman Rushdie: cabeça a prêmio, anos escondido e, três décadas depois, facadas que lhe tiraram a visão
SEM PAZ - Salman Rushdie: cabeça a prêmio, anos escondido e, três décadas depois, facadas que lhe tiraram a visão (Arne Dedert/Getty Images)
A dinâmica do ódio já serviu de base para episódios estarrecedores de massacres de populações. Em 1995, 8 000 muçulmanos foram brutalmente assassinados por forças sérvias em Srebrenica, na Bósnia e Herzegovina. Um ano antes, os hútus executaram 800 000 tútsis, só por serem tútsis, em Ruanda. 
No mais impactante ato de terrorismo jamais visto, dois aviões lotados derrubaram as torres gêmeas do World Trade Center, em plena Nova York, matando cerca de 3 000 pessoas, todas civis
Individualmente, o escritor indo-britânico Salman Rushdie passou anos escondido, com a cabeça posta a prêmio por citar o profeta Maomé no romance Os Versos Satânicos
Voltou a circular e em 2022, mais de três décadas depois, um fanático o esfaqueou. 
Sobreviveu, mas perdeu a visão de um olho e teve o fígado perfurado. 
Por outro lado, conflitos que pareciam impossíveis de ser contornados deixaram de existir: franceses se reconciliaram com ingleses após séculos de enfrentamentos, japoneses fizeram as pazes com americanos, depois da II Guerra, alemães assumiram a responsabilidade e se penitenciaram pelos crimes nazistas. No sofrido Oriente Médio, resta torcer para que uma brecha se abra e a voz da razão possa um dia ser ouvida.
 

 

Publicado em VEJA, edição nº 2867, de 10 de novembro de 2023


quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Na barra da toga do STF - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham da legalização da maconha, quiçá legislar em nosso nome

 

 Área de Skid Row, na Califórnia, maior cracolândia dos Estados Unidos, em 24 de novembro de 2022 | Foto: Shutterstock

Na mesma semana em que um policial militar foi morto por um sniper do crime organizado, o Supremo Tribunal Federal deu indicações de que formará maioria para descriminalizar o porte de maconha.  
Na quinta-feira, 27 de julho, os policiais da Rota, tropa de elite da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Patrick Bastos Reis e Fabiano Oliveira Marin Alfaya foram baleados durante patrulhamento em uma comunidade no Guarujá, litoral de São Paulo. 
Socorridos, Alfaya permanece em observação, mas Patrick não resistiu aos ferimentos e faleceu, deixando a mulher e um filhinho de 3 anos. De acordo com a PM, os policiais faziam parte de reforço enviado para o litoral para combater a criminalidade na região, com foco no tráfico de drogas e roubo de cargas.

 

O soldado Patrick Bastos Reis, que foi assassinado por criminosos no Guarujá | Foto: Divulgação/PMSP

Perdoem-me a repetição, mas ela é necessária: um policial da tropa de elite do estado de São Paulo foi morto por um sniper do tráfico que, com armamento especial de longo alcance, usado por militares e forças especiais no mundo, mirou e assassinou um homem da ordem e segurança pública — um herói que, como milhares e milhares espalhados pelo Brasil, sai todos os dias de casa para fazer nossa proteção sem saber se volta para o seio familiar.publicidade

A guerra travada contra as drogas e toda a criminalidade que envolve o tráfico perde um importante aliado esta semana. 
A corte mais alta do país, que deveria zelar pela ordem social, pelo império das leis e pela exaltação de nossos policiais, demonstra de maneira trágica uma leniência perigosíssima com o mundo e o submundo dos entorpecentes, e que vai contra tudo o que democracias sólidas pelo mundo jamais toleram: a falta da aplicação das leis a quem comete ilicitudes. 
 
Morando nos Estados Unidos há 15 anos, e na Califórnia, estado com legislações não apenas lenientes e absolutamente irresponsáveis para o porte e venda de drogas, chega a ser estarrecedor assistir ao Supremo Tribunal Federal retomar o julgamento sobre o porte de maconha no Brasil. Diante da já absurda violência — quase fora de controle — perpetrada pelo tráfico no Brasil, é aterrorizante testemunhar a corte mais importante do país legislar em prol de bandidos. Sim, legislar. [na prática equivale a liberar o tráfico de drogas.] 
Vivo em um estado norte-americano em que esse tipo de caminho — sem volta — já está sendo trilhado há alguns anos e sou testemunha ocular das portas que são abertas para o inferno em muitos níveis. 
Há muitos fatos e dados que já podem ser importados para esse debate. Mas onde está o Congresso na matéria, lugar correto para essa conversa?
Onde estão nossos legisladores que deveriam estar trazendo o assunto ao ambiente propício para qualquer demanda pública?

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham desse debate, quiçá legislar em nosso nome.

O voto mais recente nessa matéria, empurrada há anos por partidos de esquerda no Brasil para a barra da toga do STF, foi do ministro, vítima, investigador, policial, defensor público, advogado de acusação e defesa, juiz, e agora deputado e senador Alexandre de Moraes, que votou a favor da descriminalização do porte de maconha e pela fixação de critérios objetivos para “diferenciar o usuário do traficante”. 
Isso seria aplicado pela quantidade de droga encontrada em posse da pessoa. 
Em tese, a posse de uma quantidade entre 25 e 60 gramas caracterizaria um usuário; mais que isso, poderia ser considerado tráfico.

A repetição de um filme ruim
Para quem mora em estados americanos que descriminalizaram o porte de maconha, como a Califórnia, isso parece a repetição de um filme ruim. Já conhecemos o desfecho, e ele não tem um final feliz. 

Aqui, a falsa bandeira da separação entre “usuário e traficante” abriu portas inimagináveis e terríveis, e que jamais serão facilmente fechadas. Há hoje uma corrosão irreversível no tecido social em partes do estado que já mudaram para sempre a paisagem física e mental em um dos estados mais bonitos da América.

Devido ao federalismo norte-americano e à autonomia e independência dos estados para passarem suas legislações, experiências sobre o tema já podem ser analisadas por números. 
Alguns estados têm legislações em que o plantio e uso são apenas medicinais, enquanto em outros o consumo da maconha para uso recreativo é permitido. E são exatamente esses “laboratórios de democracia” que podem nos mostrar — em números e estatísticas, e não discursos ideológicos glamourizados por ativistas até no Poder Judiciário — as portas que podem se abrir no Brasil. 
E, para isso, vamos atrás de quem entende do assunto.
 
O norte-americano Kevin Sabet foi três vezes conselheiro do Gabinete de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca, tendo sido a única pessoa indicada para esse cargo tanto por um republicano (administração de George W. Bush) quanto por democratas (governos Bill Clinton e Barack Obama)
Sabet, professor na Escola de Medicina da Universidade de Yale e autor do livro Smoke Screen – O Que a Indústria da Maconha Não Quer Que Você Saiba, alerta para os vários perigos da matéria que pode ser empurrada goela abaixo da sociedade brasileira pelo STF.

Kevin, com quem já tive o privilégio de conversar algumas vezes e trocar algumas pesquisas, alerta-nos de que foi exatamente assim — sob o manto da “maconha medicinal” ou “descriminalização de pequenas quantidades para pequenos usuários” — que alguns estados americanos abriram a porta para a droga, e que hoje veem seu uso legalizado para recreação, trazendo um efeito dominó de danos.

Uma das muitas pesquisas de Sabet mostra dados alarmantes onde a droga passou de uso medicinal, adquirida apenas com receita médica, para descriminalização e uso recreacional ao longo de poucos anos. Nesse estudo, o instituto mostra importantes alertas que vêm dos estados que saíram na frente na legalização do uso da cannabis sativa, como Colorado e Washington.
Taxas crescentes de uso de maconha por menores.
Aumento das taxas de prisão de menores, especialmente crianças negras e hispânicas.
Taxas mais altas de mortes no trânsito por dirigir enquanto sob efeito da substância.
Mais intoxicações relacionadas à maconha e mais hospitalizações.
Um mercado negro persistente que pode envolver agora o aumento da atividade do cartel mexicano no Colorado.

Desde que o Colorado e o estado de Washington legalizaram a maconha, o uso regular da droga entre crianças de 12 a 17 anos tem estado acima da média nacional e vem crescendo mais rápido do que a média nacional. Além disso, o Colorado agora lidera o país entre os jovens de 12 a 17 anos em:

Uso de maconha no ano passado.
Uso de maconha no último mês.
Porcentagem de pessoas que experimentam maconha pela primeira vez.

O Colorado, primeiro estado a descriminalizar e legalizar a droga para uso recreacional em 2012 (primeiramente era legalizada apenas para uso medicinal), hoje é o campeão no uso da maconha por menores. Outro problema envolvendo menores está na taxa de suicídio entre adolescentes no estado. A maconha, junto com opioides, está diretamente relacionada com essa trágica estatística.Foto: Shutterstock

Há também nesse caminho, reaberto pelo STF, a utopia e a falácia dos militantes da legalização de drogas em relação a um suposto aumento de receita tributária e redução do crime

Entre os jovens, as tendências sugerem que a legalização da maconha esteja associada a maior incidência de infrações escolares no ensino médio. 
Jovens em liberdade condicional apresentam mais testagens positivas para maconha do que nunca. 
Em apenas três anos, a taxa do uso da droga aumentou de 28% para 39% entre — pasmem! — crianças de 10 a 14 anos.
 
Impacto nas comunidades negras e latinas
Uma investigação de 2016 feita pelo jornal Denver Post, e adicionada à pesquisa do instituto de Sabet, revelou que uma parcela desproporcional do mercado da maconha agora está localizada em comunidades de baixa renda e minorias, comunidades que costumam sofrer impactos díspares do uso de drogas
Um dos bairros de baixa renda de Denver tem, por exemplo, um negócio de maconha para cada 47 residentes. 
Isso é semelhante a um estudo da Universidade Johns Hopkins que mostra que, predominantemente negros de baixa renda em bairros em Baltimore foram oito vezes mais propensos a ter lojas de bebidas alcoólicas do que os bairros brancos ou racialmente integrados.

A atividade no mercado paralelo desde a legalização
 De acordo com o estudo do Instituto SAM com as autoridades americanas, a receita gerada do imposto sobre o consumo da droga compreende uma minúscula fração do orçamento do estado do Colorado, menos de 1%. Os distritos escolares do Colorado nunca viram um único dólar dos impostos estaduais sobre a maconha. No estado de Washington, metade da receita dos impostos da maconha prometidos para políticas de prevenção e melhoria de escolas foi desviada para o fundo geral estadual.

Os policiais dizem que o mercado ilegal e sem licença ainda está prosperando e em algumas áreas até se expandiu. Thomas Allman, xerife do condado de Mendocino, é categórico: “Há muito dinheiro a ser ganho no mercado paralelo. A descriminalização e a legalização certamente não tiraram os policiais do trabalho. O mercado paralelo nunca esteve tão forte. Os traficantes jamais pagarão impostos”, disse Allman. Até o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, já declarou que os cultivos ilegais no norte da Califórnia estão piorando, e que tropas da Guarda Nacional estão em constantes operações na fronteira com o México para desativar fazendas ilegais de cannabis.

Desde que a maconha medicinal foi legalizada na Califórnia há mais de duas décadas, a indústria da cannabis explodiu com supervisão mínima. Logo veio a descriminalização e legalização. Agora, muitas empresas que vendem a droga estão relutantes em passar pelo processo complicado e caro para obter as licenças que se tornaram obrigatórias. A licença até vem, assim como uma das maiores mordidas fiscais dos Estados Unidos.

Esse comércio ilícito foi fortalecido também pela crescente popularidade do vaping, balas com infusão de maconha, chocolates, bolos e outros produtos derivados
Os cartuchos para vaping são muito mais fáceis de carregar e esconder do que sacos de maconha crua. 
Os incentivos monetários do tráfico também permanecem poderosos: o preço dos produtos de maconha em lugares como Illinois, Nova York e Connecticut é normalmente muitas vezes mais alto do que na Califórnia, o que faz com que as exportações ilícitas de cannabis do estado só aumentem.

De volta ao Colorado, a legalização da maconha parece ter aberto a mesma porta para as operações do cartel mexicano. O Gabinete do Procurador-Geral do estado observou que a legalização inadvertidamente ajudou a alimentar o negócio dos cartéis, que agora trocam drogas como heroína por maconha, além do tráfico de pessoas.

Imagino que, se você for um libertário, mesmo depois de todos os estudos e estatísticas dos malefícios da droga e do perigo do manto “medicinal e pequenas quantidades para usuários, não tráfico”, aqui é o ponto onde você diz: “Mas onde está a liberdade e responsabilidade individual que vocês, conservadores e liberais, pregam?”. Bem, as estatísticas não param.

Outra consequência séria da descriminalização e legalização da maconha é o aumento da combinação “intoxicação/chamadas de emergência/pronto-socorro/uso hospitalar” relacionada à droga. 
As chamadas para o controle de intoxicação e emergência no estado de Washington aumentaram, a partir de 2012 (pré-legalização), em 68% em apenas três anos. 
No Colorado, durante o mesmo período, o número subiu para 109%. 
Ainda mais preocupante, as ligações no Colorado relacionadas a crianças de 0 a 8 anos de idade aumentaram nada mais que 200%. 
 Da mesma forma, no Colorado, hospitalizações relacionadas à maconha aumentaram mais de 70% desde a legalização.


Agora imagine um país como o nosso Brasil, onde a saúde nunca saiu da UTI, nem mesmo antes da pandemia, suportar — com dinheiro público um cenário desses? A velocidade empregada na normalização e banalização de assuntos que merecem o mínimo de discernimento e honestidade é assustadora.

Já tiraram as armas da população honesta. Durante a pandemia, as forças policiais não puderam fazer operações nas comunidades [muitos não gostam, mas comunidades é o sinônimo do maldito 'politicamente correto' para favelas.]cariocas.  
Durante as eleições presidenciais de 2022, fomos censurados, e foi proibido reproduzir as gravações da Justiça que mostravam os “diálogos cabulosos” entre o PT e o PCC
Fomos também proibidos de dizer que Lula era amigo de ditadores como Daniel Ortega e Nicolás Maduro, ditador da Venezuela acusado e indiciado por narcotráfico pelo governo dos Estados Unidos.

Em uma entrevista espetacular para o Oeste Sem Filtro nesta quinta-feira, 3 de agosto, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, oficial da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e quem comandou o Pelotão da Rota de 2010 a 2013 e o Pelotão de Força Tática no 49° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano em 2013, sintetizou em uma frase o que cenários de leniência com o mundo das drogas significam para cidadãos e policiais: “A mãe de todos os crimes é o tráfico de drogas”.


Leia também “A culpa é da Barbie?”

Coluna -  Ana Paula Henkel, Revista Oeste

 

 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Parabéns, Ronald Reagan! - Rodrigo Constantino

Gazeta do Povo = VOZES

Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”.

Ronald Wilson Reagan foi um ator e político norte-americano, o 40.º presidente dos Estados Unidos. Ele nasceu no dia 6 de fevereiro de 1911, em Tampico, Illinois. 
Deixou como legado coisas incríveis, como a recuperação da economia americana e a derrocada do império soviético e da Alemanha comunista.

Tratado como um cowboy beligerante, um ator idiota e um sem noção, Reagan foi capaz de resgatar o orgulho patriótico dos americanos, sempre com sua visão otimista e seu alto astral. Até mesmo para denunciar os absurdos comunistas e destacar as diferenças do regime soviético para o americano, Reagan lançava mão de piadas divertidas e tornava o embate bem mais leve.

Ronald Reagan tinha muitas falhas, sem dúvida, e errou em alguns pontos durante seu governo. Mas o resultado líquido é altamente positivo, especialmente no que concerne à recuperação tanto da economia como da moral do povo. 
Não custa lembrar que ele assumiu a presidência após os catastróficos anos de Jimmy Carter, numa era de estagflação por conta dos excessivos gastos do governo, prejudicada ainda mais pela crise do petróleo.

De família pobre e com pai alcoólatra, Reagan teve uma infância difícil. Mas ainda assim aprendeu valores básicos, como a crença nos direitos individuais, a desconfiança da autoridade estabelecida, a capacidade de manter uma postura positiva mesmo diante de más notícias e uma autoconfiança derivada da noção de que o conhecimento mais importante está em distinguir o certo e o errado. Ele não usou sua infância difícil como justificativa para posar de vítima, e sim para aprender lições e superar os obstáculos na vida.

Um traço importante de sua personalidade que veio a ser muito útil depois era não se importar muito com quem fica com os créditos de uma boa ação, e sim com a ação em si. A potencialidade humana tende ao infinito quando não nos importamos com os créditos de nossos atos corretos, quando estamos mais focados em fazer o certo do que receber aplausos da platéia. Reagan era assim, e tinha uma frase com essa mensagem em seu escritório durante seu mandato.

Um dos grandes méritos de Reagan, que havia sido ator, era a simplicidade de sua linguagem, a forma direta e objetiva com a qual expressava suas idéias. Não por acaso os “intelectuais” detestavam Reagan, considerado um idiota por boa parte da elite americana. Em 1981, por exemplo, falando para estudantes, ele foi categórico ao afirmar que o ocidente iria dispensar o comunismo como um capítulo bizarro da história humana, cujas últimas páginas estariam naquele momento sendo escritas. Isso foi dito numa época em que muitos desses “intelectuais” ainda defendiam o regime comunista.

Reagan era um sujeito objetivo e sincero, e tachou de “império maligno” a União Soviética, o que mais tarde ficou evidente ser o caso. Ele era capaz de separar com clareza o certo do errado, algo que muitos relativistas ainda hoje condenam. Sua convicção moral o afastou muitas vezes do pragmatismo presente no mundo da política. Ele não costumava contemporizar muito com o lado podre, ainda que se visse forçado a escolher o ruim para evitar o péssimo de vez em quando. Ele pode ser considerado uma espécie de visionário, focando no futuro enquanto todos pensavam no imediato.

Apesar de divorciado, Reagan sempre enfatizou muito a importância dos valores familiares. Para Dinesh D'Souza, ele conquistou a afeição do povo americano por parecer um sujeito comum, e o povo se identificava com ele. Por oito anos consecutivos, a pesquisa da Gallup mostrou Reagan como o homem mais admirado no país, e quando ele deixou o cargo de presidente, sua taxa de aprovação estava em 70%, a mais alta de qualquer presidente americano moderno. Sua característica de grande comunicador, somada ao sucesso econômico, explicam boa parte dessa popularidade também.

Sua política econômica ficou conhecida como “Reaganomics”, e consistia basicamente em redução de impostos, desregulamentação e maiores gastos com defesa.  
Quando assumiu o poder, a inflação estava em dois dígitos, próxima dos 12% ao ano. 
A firme atuação de Paul Volcker no Federal Reserve, apoiada por Reagan, foi fundamental para conter a espiral inflacionária. 
Houve uma fase necessária de ajuste, como a ressaca inevitável de um bêbado, mas logo depois o país entrou num período de sete anos de crescimento ininterrupto. A retomada do crescimento econômico gerou quase 20 milhões de novos postos de emprego, e Reagan dizia que não há melhor programa social que o emprego.

O propósito de um programa de governo deveria ser justamente eliminar a necessidade de sua própria existência, o oposto do que ocorre no assistencialismo do welfare state. O objetivo de seu governo era criar um ambiente estimulante para a energia criativa dos empreendedores. Uma de suas primeiras medidas foi acabar com o controle de preços da gasolina, vigente por uma década. Isso contribuiu muito para o fim da crise de energia.

Ele condenava o protecionismo, considerando a abertura comercial uma grande força americana, enquanto muitos temiam a “invasão” dos produtos importados. O grande erro econômico de Reagan foi não ter cortado os gastos públicos. Na verdade, a dívida pública triplicou durante seu mandato. Este foi, sem dúvida, seu grande pecado como presidente, ainda que seja muito mais fácil criticar do que fazer, principalmente levando-se em conta o contexto da Guerra Fria.

Quando seu plano estratégico de defesa na guerra foi anunciado, seus críticos logo o apelidaram de “Guerra nas Estrelas”, por causa do famoso filme de mesmo nome. 
No entanto, o tempo mostrou que o plano fazia sentido, e os soviéticos ficaram pressionados por não terem a menor condição de acompanhar a escalada de investimentos militares. 
Isso fez com que Thatcher concluísse que Reagan venceu a guerra fria sem disparar um único tiro. 
Quem credita Gorbachev em vez de Reagan pelo colapso comunista o faz ou por má-fé ou por ignorância. 
O líder soviético, apoiado pelo Politburo, objetivava, na verdade, salvar o regime falido.  
Foi Reagan que, com seu programa militar, colocou de vez um ponto final na guerra fria, levando à queda do muro de Berlim em 1989, assim como à democratização de várias ditaduras, principalmente na América Latina. Reagan deu o empurrão final no regime que vinha desmoronando por suas próprias falhas intrínsecas.

O grande tema abordado frequentemente por Reagan era a intromissão e incompetência do governo, além de sua completa inabilidade para resolver os problemas das pessoas. Para ele, o approach do governo na economia poderia ser resumido assim: “Se algo se move, taxe-o; se ele continua se movendo, regule-o; e se ele parar de se mexer, subsidie-o”. Um governo central grande era visto por ele como um grande obstáculo para a liberdade, e um instrumento ruim para garantir a justiça.

A lição que ele extraía da era moderna é que colocar poder demais nas mãos do Estado coercitivo era muito perigoso. Ele se opunha ao coletivismo comum de seu tempo. Não é possível controlar a economia sem controlar as pessoas, e Reagan entendia isso. Os elevados impostos e a burocracia incompetente foram seus grandes inimigos internos, enquanto o comunismo era seu alvo externo.

Reagan fazia analogias simples, mas que passavam bem sua mensagem. 
 Certa vez ele comparou o governo a um bebê, com um canal de alimentação com apetite enorme de um lado e nenhum senso de responsabilidade do outro.  
Em sua gestão, tentando melhorar a eficiência do governo, tentou colocar as melhores pessoas no comando e delegar autoridade. 
Sua equipe era formada por pessoas que muitas vezes nem mesmo compartilhavam de suas visões gerais, e para Reagan, era importante que o funcionário tivesse que ser persuadido a ir para o governo, em vez de ser alguém em busca de um cargo público. 
Era um homem de ação, e por tudo isso somado, foi sem dúvida um grande líder.

Não obstante seus defeitos como pessoa e seus erros enquanto presidente, Ronald Reagan merece respeito e admiração por todos aqueles que defendem a liberdade individual. Recordar de suas principais mensagens e aprender as lições básicas que ele tentou passar é a melhor homenagem que pode ser feita a Reagan nessa data.

Rodrigo Constantino,  colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sábado, 13 de agosto de 2022

O direito às armas - Revista Oeste

 Bruno Freitas, Flavio Morgenstern e Iara Lemos

Ao contrário do que repetem os defensores do desarmamento, permitir o acesso a armas é profundamente democrático
 
O debate sobre armas costuma ser contaminado por uma retórica emocional, quase sempre depois de tragédias com armas de fogo, como as chacinas em escolas que marcaram a sociedade norte-americana recente. 
Apenas nos últimos quatro meses, foram registrados 11 tiroteios em massa. ]
Em 14 de maio, um homem matou dez pessoas num supermercado em Buffalo, Nova Iorque, mirando em alvos preferencialmente negros.
Foto: Shutterstock

Foto: Shutterstock

Dez dias depois, no Texas, um estudante de 18 anos da escola elementar de Uvalde, que sofria bullying, matou 19 crianças e três adultos, além de deixar outros 18 hospitalizados. Na semana seguinte, cinco pessoas foram mortas por um atirador num hospital em Tulsa, Oklahoma. No 4 de Julho, feriado da Independência norte-americana, sete homens e mulheres foram mortos e 48 feridos no desfile de Highland Park, em Illinois.

Entre os casos que não repercutiram, um é especialmente emblemático. Um homem abriu fogo no shopping Greenwood Park Mall, em Indiana. Depois de assassinar quatro pessoas e ferir outras duas, foi morto por um civil armado. Saudado como herói por parte da população norte-americana, ele apenas respondeu: “I did my job” (Eu fiz o meu trabalho).

O herói de Indiana é um caso concreto que joga luz sobre uma parte importante do debate, sempre ignorada: o que fazer quando um homem mau está armado? A política desarmamentista apenas ignora a questão, crendo de maneira incauta que, desarmando a população, as armas desaparecerão também das mãos daqueles que querem ferir inocentes. Países com forte tradição com armas, como os Estados Unidos — que impedem o Estado de tomá-las dos cidadãos já na Segunda Emenda da Constituição —, sabem que a única forma de impedir um assassino armado é com uma pessoa boa, também armada, nas redondezas.

O caso da escola de Uvalde e o tiroteio no shopping de Indiana mostram dois pontos diametralmente opostos da política sobre armas num mesmo país. 
Recentes filmagens sobre a reação policial no Texas mostram que o Departamento de Polícia impediu que as unidades policiais invadissem a escola, esperando “negociar” com o assassino, acreditando que poderia ser uma ação “pacífica”, e ignorando o risco que as crianças corriam, mesmo com chamadas de celular desesperadas. 
Um policial chega a fazer uma pausa para passar álcool em gel nas mãos, após quase uma hora sem nenhuma ação. 
Já em Indiana, o que se viu foi a resposta imediata de um cidadão, sabendo que exigir do Estado o monopólio do combate à violência custaria um enorme tempo de resposta — e, por conseguinte, muitas vidas perdidas.

Armas como defesa da vida
Os discursos emotivos depois dessas tragédias ignoram pontos cruciais para um debate mais saudável sobre a questão. As armas, por exemplo, não parecem afetar as famosas “discussões de bar” que terminam em morte, com estatísticas mostrando que países com forte restrição de armas como o Brasil não são paraísos de segurança em bares, estádios e vida noturna comparados a outros, como os Estados Unidos, a Áustria ou a Suíça — onde o acesso a armas é bem mais fácil.

Na verdade, estudos provam o contrário: a mera possibilidade de cogitar que a outra parte em uma discussão esteja armada em vez da quase certeza de que esteja desarmada costuma evitar mortes. Uma pesquisa do FBI de 2013 revelou que 137 mil casos de ataques envolviam armas de fogo. Outros 126 mil, facas. 
Enquanto em 154 mil foram usados mãos, pés e punhos. 
Mesmo diante desses dados, ninguém jamais pensou em proibir facas, facões, machados, cutelos ou equipamentos do tipo.

Outro estudo, do Centro de Controle de Doenças, publicado durante a gestão Obama, mostrou que mais de 2,5 milhões de crimes são evitados por ano nos Estados Unidos graças a armas — o tipo de ação que dificilmente ganha as manchetes dos jornais, justamente pelo fato de o crime não ter ocorrido. Na maioria das vezes, a arma não é nem disparada. Quase 1 milhão de crimes também foram evitados com a própria arma do agressor.

Essa realidade é completamente alheia ao Brasil, que tem uma tradição menor de contato com armas e quase duas décadas de política forçada de desarmamento. O referendo realizado em 2005 para proibir a venda de armas de fogo foi recusado por 63% da população, enquanto as pesquisas acreditavam que o resultado seria 10 pontos porcentuais a menos. A vitória foi simplesmente ignorada, e a vontade popular, desrespeitada em mais uma das tramoias da democracia brasileira. Os homicídios no Brasil dispararam no período.

As armas no Brasil
Uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro (PL) foi mudar o panorama de acesso a armas no país. Hoje, a cinco meses do fim do mandato, é possível dizer que esse será um dos legados do atual governo.

Apesar dos muitos discursos emotivos sobre as armas num país que não tem tradição no assunto, as estatísticas mostram que a realidade é bem diferente da fantasia. Nos últimos três anos, o número de pessoas com acesso a armas aumentou 473%, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em junho deste ano. Mas os decretos presidenciais que flexibilizaram as regras para conseguir comprar uma arma ainda precisam do aval do Congresso Nacional.

Antes de 2018, havia pouco mais de 117 mil certificados de registros ativos para Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs). Já no primeiro ano do governo Bolsonaro, esse número saltou para cerca de 197 mil cadastros. Em junho de 2022, foram quase 674 mil pessoas com acesso a armamentos no país, segundo o Exército.

Nos dados da Polícia Federal, o número de armas registradas no país também disparou. Em 2017, eram aproximadamente 640 mil. No ano passado, passaram a ser 1,5 milhão — aumento de 133% em quatro anos.

A expansão fica evidenciada também no número de clubes de tiros esportivos. Em 2021, foram abertas 457 entidades do gênero, um crescimento de 34% em relação ao ano anterior. Ao todo, segundo dados do Exército, existem pouco mais de 2 mil unidades ativas no país.

Segundo o discurso de boa parte da esquerda, tais números deveriam vir acompanhados de mais assassinatos, mais roubos, mais latrocínios e mais violência. Faltou combinar com os fatos.

Mais armas e menos crimes
Desde que Jair Bolsonaro chegou ao poder, os indicadores sobre mortes violentas estão em queda no Brasil. Só no ano passado, foram menos 6% (tendência já observada desde 2018): cerca de 47,5 mil pessoas, o que corresponde a 22,3 assassinatos para cada 100 mil habitantes. É a menor taxa desde 2011, primeiro ano em que o índice foi registrado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. “O aumento nos registros de armas coincide com a maior queda histórica de homicídios”, afirmou o deputado federal Capitão Derrite (PL-SP), autor de um projeto de lei que autoriza propagandas de armas de fogo no país. “O ano de 2019 registrou 20% a menos de homicídios que em 2018.” De acordo com Derrite, sem os devidos estudos qualitativos, tal queda não deve ser atribuída à posse de armas. Porém, é possível afirmar que o argumento segundo o qual mais armas levariam a mais crime não é real.

“Tecnicamente, não dá para vincular uma coisa a outra, mas a oposição vai dar um tiro n’água se quiser usar esse discurso”, observou o deputado federal Coronel Tadeu (PL-SP), membro da bancada da segurança pública na Câmara.O bandido agora tem de pensar duas vezes antes de abordar uma vítima, porque sabe que pode ter um atirador pela frente.”

Os ativistas do movimento civil armamentista sempre consideraram uma falácia relacionar o aumento de armas nas mãos do povo com mais violência. “Se você pesquisar os 25 países mais armados do mundo — e entre eles temos não apenas nações de Primeiro Mundo, como a Suíça, mas também países menos desenvolvidos —, vai verificar que nenhum deles figura entre os recordistas de violência”, afirmou Bene Barbosa, especialista em segurança pública, numa entrevista em 2021 para Oeste.

Em números absolutos, o Brasil ainda é o país com a maior taxa de homicídios do planeta. Já na categoria de mortes violentas para cada 100 mil habitantes, está em oitavo lugar, segundo ranking do UNODC, o escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

Burocracia kafkiana
Embora a velha imprensa e a oposição propaguem a ideia de que, depois que Bolsonaro assumiu o poder, conseguir uma arma passou a ser tão simples quanto comprar um pão na padaria, a realidade é completamente diferente. Apesar de ter havido uma flexibilização das regras, as armas legais não estão facilmente ao alcance de qualquer interessado.

Mesmo com os avanços a favor do acesso, o Brasil está a anos-luz dos Estados Unidos, onde os modelos estão disponíveis mesmo em lojas populares de departamentos. Por aqui, até o porte virar oficial, o candidato a figurar na lista de CACs precisa enfrentar uma maratona burocrática. São inúmeras etapas, que podem fazer o percurso durar mais de um ano. Nesse aspecto, a legislação ainda tem muito a prosperar.

Loja de armas nos Estados Unidos | Foto: Shutterstock

O primeiro requisito para comprar uma arma no Brasil é ter mais de 25 anos. Depois, não responder a nenhum inquérito ou processo criminal. Além disso, é obrigatório apresentar todas as certidões negativas das Justiças municipal, estadual e federal. É obrigatório, também, um teste prático de tiro, atividade em que um instrutor credenciado pela Polícia Federal precisa atestar que o indivíduo sabe atirar com um mínimo de técnica. A seguir, vêm os testes psicológicos: o interessado deve comprovar que tem aptidão mental e emocional para possuir uma arma de fogo. O cidadão ainda terá de pagar todas as taxas desses processos burocráticos. No fim da jornada, ainda falta aguardar o deferimento da Polícia Federal.

A reportagem conversou com um homem recentemente aprovado como CAC, que conseguiu cumprir o trâmite em uma cidade média, com auxílio de um despachante, em 130 dias — prazo considerado ágil. Outros interessados têm enfrentado processos bem mais morosos, de até um ano.

Sobre a experiência, reclamações sobre a instabilidade na plataforma eletrônica do Exército e falta de clareza a respeito das normas de transporte de armas e munições entre endereços cadastrados e clubes de tiros, com temor de abordagens policiais. “A gente vê alguns relatos sobre abordagens e detenções e há uma certa insegurança sobre isso”, contou o entrevistado. “O que vale em um lugar do país parece diferente em outro.”

O que muita gente não sabe é que o certificado CAC não dá direito a andar armado. A arma pode ficar guardada apenas em locais determinados e ser transportadas sem a munição, que deve estar num compartimento separado. 
Estar com ela carregada só é permitido em deslocamentos específicos: entre a residência e o clube de tiro, locais de competições ou entre a residência e a propriedade rural, por exemplo. 
Para andar armado é necessário ter o porte de armas, o que é ainda mais difícil de conseguir e depende da aprovação da Polícia Federal — não só do Exército, como o CAC.

Armas e Congresso
Logo no primeiro ano de mandato, Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei que previa ampliações na legislação sobre armamento. A proposta foi aprovada no plenário da Câmara em 2019, mas acabou sendo deixada de lado no Senado, onde não tem sequer prazo para ser votada.

O projeto aprovado pelos deputados trazia mudanças consideráveis no Estatuto do Desarmamento, ainda que não tenha sido, de toda, a matéria que o governo havia sugerido. Entre as alterações, a Câmara autorizou a aquisição de no mínimo 16 armas para caçadores, atiradores e colecionadores (grupo conhecido como CACs). Destas, até seis poderão ser de calibre restrito, que são mais potentes, como queria o governo.

Os deputados também permitiram ao proprietário obter, com a Polícia Federal ou com o Comando do Exército, certificado de registro provisório. O texto revoga ainda o artigo do Estatuto do Desarmamento que exige a venda de munições em embalagens com código de rastreio e de armas com dispositivo de segurança e de identificação gravado no corpo da arma.

Mas nem tudo foi vitória aos defensores de uma maior flexibilização da posse e do porte de armas no país. Apesar dos avanços, ao chegar ao Congresso Nacional o projeto também recebeu alterações que não foram bem recebidas pelos seus defensores, como em relação à regularização de armas em até dois anos a partir da publicação da futura lei. O texto aprovado restringe essa regularização às armas com data de fabricação igual ou anterior a 31 de dezembro de 2009, prazo final de um período de regularização criado inicialmente em 2008. A bancada governista não conseguiu reverter esse tópico, e foi assim que a proposta chegou ao Senado, onde engatinha desde então.

Foto: Shutterstock

Diante da inércia dos senadores, Bolsonaro reagiu. Três meses depois de o projeto ter sido encaminhado ao Senado, o presidente editou decretos que flexibilizaram o uso e a compra de armas de fogo no país. Embora tenha havido manifestações contrárias, não há absolutamente nada de ilegal nisso. A medida foi usada para tornar menos rígidos trechos da lei em vigor, uma vez que o tema não encontra respaldo para avançar no Congresso Nacional.

Foram ao todo quatro decretos presidenciais, que trouxeram uma série de avanços em dispositivos que estavam estagnados desde que o Estatuto do Desarmamento foi implementado (leia gráfico). Ainda que esteja parado no Congresso, os próprios integrantes da base governista sabem que o tema precisa avançar e vir ao encontro das expectativas do governo.

Marcos do Val (Podemos-ES), relator da proposta no Senado, já acolheu emendas que subsidiam os decretos presidenciais, mas ainda não conseguiu apoio para levar o projeto para votação nem mesmo na Comissão de Constituição e Justiça, primeiro passo antes de a proposta ser votada em plenário.

“A política de armas foi positiva, porém muita coisa depende do Congresso Nacional”, comenta o deputado federal Capitão Derrite.O que o presidente Bolsonaro poderia fazer fez via decreto. Além disso, o Congresso aprovou a posse rural. Não apenas dentro da casa no ambiente rural, mas em todo o território da propriedade a posse foi legalizada.”

Para o jurista Fabricio Rebelo, diretor do Centro de Pesquisas em Direito e Segurança (Cepedes) e autor do livro Armas e Números, o governo foi até o limite político. “O governo foi inicialmente muito tímido, quando teve a primeira norma, ainda com Sergio Moro no Ministério da Justiça, que gerou um enorme descontentamento”, disse. “No momento seguinte, foi extremamente ousado e chegou ao extremo do que poderia fazer.”

Esquerda derrapa em falsas versões
A campanha oficial para as eleições ainda não começou, mas a política armamentista já é um dos temas preferidos da oposição, que derrapa em versões sem sustentação estatística. No fim de abril, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que pretendia fechar os clubes de tiros abertos durante o governo Bolsonaro e transformá-los em bibliotecas. Alguns dias depois, o ex-presidente compareceu a um evento em Campinas protegido por seguranças fortemente armados. A imagem correu as redes sociais e foi um prato cheio para quem contesta o discurso do pré-candidato. “Não se trata de ignorância, trata-se de má-fé, somada a uma boa dose de hipocrisia”, comentou Marcos Pollon, um dos principais ativistas de armas do país, em entrevista a Oeste em junho. “O sujeito fala que vai transformar clubes de tiros em clubes de leitura e, na semana seguinte, aparece com vários seguranças armados. Toda a narrativa dele é baseada em mentiras.”

O jurista Fabricio Rebelo também contesta o argumento do petista. “É curioso, porque quem tiver mais contato com livros sobre esse tema vai entender a necessidade de estar armado”, afirma. “Aliás, toda a política de segurança conduzida pelo PT foi um estrondoso fracasso. Eles ficam nessas platitudes, de vitimização do criminoso, e os resultados foram tenebrosos. Nós tivemos recordes de homicídios durante os governos petistas e fortalecimento de organizações criminosas, muito graças a políticas do governo.”

Há poucos meses, em outro momento infeliz, Lula afirmou que Bolsonaro “não gosta de gente, gosta de policial”. O petista pediu desculpas no dia seguinte, mas a frase já fora incluída no rol de declarações em defesa da violência e da bandidagem. 
Desarmar as forças policiais, por exemplo, é uma bandeira típica da esquerda. 
A mesma que elogia Luiz Edson Fachin, quando o ministro do STF proibiu incursões da polícia nas favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia, rejeita a aplicação de penas mais duras a menores infratores que cometem crimes graves e aplaude a instalação de câmeras nos coletes dos policiais.

Democracias x ditaduras
Ao contrário do que repetem os defensores do desarmamento, permitir o acesso a armas é profundamente democrático. Em vez de depender do governo, o povo também tem chances de cuidar da própria defesa. “Há uma correlação bastante óbvia entre governos autoritários e desarmamento, como vem sendo demonstrado ao longo da história”, afirmou Bene Barbosa. Entre os exemplos, ele inclui o Japão, que no século 16 desarmou a população para que os senhores feudais mantivessem o poder absoluto sobre as terras, a Alemanha nazista “que foi provavelmente o país que melhor conseguiu impor o desarmamento de sua população, com o claro objetivo de exterminar certos grupos de pessoas” — e a Venezuela de Hugo Chávez.

“Cuba é outro exemplo”, acrescenta Bene. “Nas batalhas pela derrubada da ditadura de Fulgencio Batista, Fidel Castro pedia ajuda aos camponeses que tinham armas de fogo. Após a vitória dos comunistas, Castro instaurou uma legislação draconiana sobre a posse e o porte de armas, desarmando o povo cubano. Por consequência, conseguiu manter uma ditadura ao longo de décadas. Nenhum tirano quer a população armada.”

Nos Estados Unidos, uma das democracias mais sólidas do planeta, o direito às armas foi eternizado na Constituição. Os brasileiros precisam escolher entre dois caminhos. Um leva aos Estados Unidos, o outro termina em Cuba ou na Venezuela.

Foto: Shutterstock

Leia também “A verdade sobre o desarmamento da população”

Bruno Freitas,  Flavio MorgensternIara Lemos  - Revista Oeste