O Estado de S.Paulo
Para um crescimento econômico mais veloz e sustentável será preciso investir muito mais
Passar a noite numa fila, em busca de senha para um mutirão do emprego,
tem sido um dos grandes programas boêmios de São Paulo. Nenhum outro tem
atraído tantos milhares de pessoas. Num dos últimos, 4 mil sortudos
conseguiram senhas para entrevistas. Na tevê sempre aparecem figuras
animadas e até sorridentes, contratadas poucos minutos antes ou com
esperança de sucesso na próxima tentativa. Com tanta gente entusiasmada,
deve ser uma experiência boa. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro
da Economia deveriam experimentar. No auge do entusiasmo, poderiam ter
um surto de iluminação, como Saulo de Tarso num tombo, e perguntar-se:
1) Como essas pessoas sobrevivem?
2) Até quando poderão sobreviver sem
trabalho?
3) Onde surgirão os empregos, se as vendas continuarem fracas?
4) Com pouca demanda final, como poderá reagir a indústria, já enfiada
num buraco tão fundo? [as perguntas apresentadas são extremamente oportunas e deveriam ser objeto da atenção de parte da imprensa, dos presidentes da Câmara e do Senado, do STF e de mais alguns que parecem ter um prazer especial em atrapalhar o esforço do Presidente Bolsonaro em solucionar os problemas da República da qual é o Presidente - eleito pelo voto popular, em eleições livres e democráticas.]
São perguntas básicas, essenciais, e, no entanto, desprezadas pelo
presidente, pela maior parte de sua equipe econômica e até por boa parte
dos economistas do setor financeiro e das consultorias. As análises
têm-se concentrado, na maior parte, em obviedades conhecidas há muito
tempo, repetidas por instituições internacionais e já incluídas no
repertório de jornalistas iniciantes. Para um crescimento econômico mais
veloz e sustentável será preciso investir muito mais, cuidar da
infraestrutura, reformar a tributação, eliminar entraves burocráticos,
aumentar a segurança jurídica e – detalhe nem sempre lembrado – ampliar a
oferta de capital humano bem preparado.
Cada um desses itens comporta muitos detalhes, como redução de
vinculações orçamentárias, ganhos de eficiência na gestão pública,
valorização dos professores, eliminação da guerra fiscal entre Estados,
maior abertura comercial, maior inserção nas cadeias globais de produção
e um monte de etcéteras. Os amantes do lugar-comum poderão adicionar
uma frase contra a tentação de produzir um voo de galinha.
Mas um voo de galinha depende pelo menos de uma galinha capaz de algum
impulso. Nem disso se pode falar no Brasil neste momento. Depois da
recessão, a economia cresceu 1,1% em 2017, repetiu esse resultado em
2018 e hoje nem se pode dizer se crescerá 1% em 2019. Avançará 0,87%, se
estiver certa a mediana das expectativas de mercado publicadas na
segunda-feira (16/9). A última estimativa do governo é ligeiramente mais
modesta, 0,85%. Fica por aí, em 0,8%, a nova projeção divulgada pela
OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
A ambição mais modesta, neste momento, nem é fazer a galinha voar. É
tirá-la da UTI. Todos os prognósticos são muito ruins. No Brasil, a
projeção de crescimento em 2020 chegou a 2%. Uma semana antes ainda
estava em 2,07%, um número já miserável. A previsão da OCDE caiu de 2,3%
em maio para 1,7% na reavaliação concluída em setembro. Nas tabelas
desses dois anos o Brasil aparece com um dos piores desempenhos do
mundo. A desaceleração é global e o Brasil se mantém no último pelotão, à
frente de poucos corredores. Se der alguma atenção a esses números, o presidente da República,
formalmente o responsável principal pelas condições do País, poderá
entender um pouco mais claramente o sentido da palavra “ociosidade”,
usada com frequência em notas e atas do Copom, o Comitê de Política
Monetária do Banco Central (BC).
O “nível de ociosidade elevado”, segundo a nota da última reunião do
comitê, poderá continuar empurrando a inflação para baixo da meta,
fixada em 4,25% para este ano e em 4% para 2020. Traduzindo: a inflação
bem comportada, um fato com vários aspectos positivos, é também sintoma
de algo muito ruim. O “nível de ociosidade elevado” indica uma sobra
indesejável de dois fatores, mão de obra e capital produtivo. No caso da
mão de obra, o problema é sintetizado em alguns números. A última
pesquisa oficial apontou 12,6 milhões de desempregados, ou 11,8% da
força de trabalho. Somando a esse contingente os trabalhadores
subempregados e os desalentados, chega-se a 24,7 milhões de pessoas.
No caso do capital produtivo as pesquisas são menos amplas. No entanto,
bastam os números do setor industrial para mostrar um quadro assustador.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a ociosidade está
próxima de 70% da capacidade instalada. Outros levantamentos indicam
números mais próximos de 25%. Em qualquer caso, o uso do capital
produtivo continua bem abaixo dos padrões normais na experiência
brasileira. Perguntas óbvias: por que alguém comprará máquinas e equipamentos se a
empresa estiver operando com ociosidade na faixa de 25% a 30%? Poderá
comprar para substituir material desgastado ou muito desatualizado, mas
pensará seriamente antes de cuidar da ampliação de capacidade. Da mesma
forma, por que um empregador abrirá vagas, se os negócios andam em
marcha lenta e os sinais de melhora são pouco tangíveis? Tem-se falado
em aumento de confiança, mas a produção de máquinas e equipamentos,
apesar de alguma melhora, continua muito abaixo dos níveis pré-recessão.
Sem um impulso inicial, o investimento das empresas continuará muito
fraco, bem abaixo do necessário para animar a economia e para ampliar o
potencial de crescimento do País. Sem demanda, a formação de estoques
permanecerá muito cautelosa, desde o varejo até os primeiros elos da
cadeia produtiva. O desemprego cairá muito lentamente e, por um efeito
circular, a demanda de consumo seguirá insuficiente para proporcionar um
arranque aos negócios. O fim de ano poderá ser um pouco mais animado, como sempre, e falta ver
os efeitos da liberação de saques do Fundo de Garantia, mas as
perspectivas são pouco entusiasmantes. Nem as projeções oficiais para
este ano e para o próximo indicam algo muito melhor que uma galinha
ainda na UTI.
Rolf Kuntz - O Estado de S. Paulo