Opinião
A inflação estimada para o ano subiu pela 15.ª semana consecutiva, segundo a pesquisa 'Focus'. É uma má notícia para os consumidores.
Pesadelo
da maior parte das famílias, a inflação estimada para o ano subiu pela 15.ª
semana consecutiva, segundo a
pesquisa Focus, uma consulta feita pelo Banco Central (BC)
junto a cerca de cem instituições do mercado financeiro. Em um mês a mediana
das projeções para 2020 subiu de 2,99% para 3,45%. No mesmo intervalo a alta de
preços calculada para o próximo ano passou de 3,10% para 3,40%. São más
notícias para os consumidores, especialmente num período de pouco emprego,
renda baixa e muita insegurança. Mas o quadro inclui pelo menos um aspecto
positivo, ou menos sombrio. Se as expectativas se confirmarem, a inflação,
medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), continuará
abaixo da meta, de 4% neste ano e de 3,75% em 2021.
Com
a inflação abaixo da meta, a taxa básica de juros, a Selic, deve ficar em 2%
até o fim do ano, segundo a pesquisa Focus divulgada ontem. O
superendividado Tesouro Nacional encerrará 2020 carregando juros
excepcionalmente baixos. Para o fim de 2021 a projeção indica, no entanto, uma
taxa de 3%, 0,25 ponto superior àquela estimada quatro semanas antes.
Essa
projeção pode parecer estranha, à primeira vista. No Brasil, como na maior
parte do mundo, os dirigentes dos bancos centrais têm-se mostrado dispostos a
manter a política de juros baixos e crédito fácil por muito tempo, para dar
espaço à recuperação dos negócios e do emprego. No
caso brasileiro, a orientação será mantida, segundo a autoridade monetária,
enquanto duas condições forem observadas: 1) a expectativa de inflação deve
permanecer compatível com a meta; 2) o Executivo deve manter o compromisso de
condução responsável das contas públicas. Deste compromisso dependerá a
evolução da dívida bruta.
Dúvidas
sobre o compromisso com a responsabilidade fiscal continuam marcando o dia a
dia do mercado. As preocupações aparecem na oscilação dos juros e, de modo mais
sensível, na instabilidade cambial. O dólar tem estado mais barato do que até
recentemente, mas sem sinal de acomodação. A cotação da moeda americana caiu,
na manhã de ontem, mas em seguida subiu, depois de uma fala do ministro da
Economia, Paulo Guedes. A fala, segundo fontes do setor financeiro, decepcionou
quem esperava alguma indicação positiva sobre as condições fiscais em 2021.
A
cobrança de sinais mais claros sobre a condução das finanças públicas tem sido
feita, de modo muito diplomático, também pelo presidente do BC, Roberto Campos
Neto. Executivos do mercado financeiro também têm mostrado inquietação diante
do cenário fiscal obscuro. O Orçamento federal do próximo ano continuava
indefinido ontem. Não se sabia se a programação financeira do poder central
para 2021 estará mais clara no fim de novembro.
A
incerteza sobre as contas públicas pode afetar perigosamente as expectativas de
inflação. A instabilidade cambial é uma das formas de transmissão da
insegurança para os preços. O efeito inflacionário da alta do dólar tem sido
facilmente observado. Mas o desajuste das contas fiscais pode afetar os preços
de forma ainda mais desastrosa. Um
amplo desarranjo das finanças oficiais pode produzir, nos casos mais graves, a
chamada dominância fiscal. Quando isso ocorre, o aperto da política monetária
pelo BC deixa de funcionar como remédio para a inflação. Pior que isso: produz
o efeito contrário.
Uma
elevação de juros pode normalmente gerar duas consequências, a contenção de
preços e o encarecimento da dívida pública. Em situações de dominância fiscal,
a desconfiança crescente em relação à dívida afeta o fluxo de recursos, mexe no
câmbio e realimenta a inflação. O aperto monetário deixa de funcionar como
instrumento de ajuste e se converte em fator inflacionário, gerando uma
situação descrita por alguns economistas como o pior dos mundos. Não há, até
agora, dominância fiscal no Brasil. Mas sobram razões para o governo se
comprometer claramente com a seriedade fiscal e com o controle da dívida,
deixando em segundo plano os objetivos pessoais do presidente da República.
Opinião - O Estado de S. Paulo