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domingo, 4 de junho de 2023

Zanin nunca vai tomar alguma decisão contra Lula, e o STF também não - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Indicação de advogado é mais um deboche de um presidente que trata o Brasil como uma republiqueta bananeira qualquer

A indicação do advogado Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal é, além e acima de qualquer outra coisa, uma vergonha
 Deveria ser, logo de cara, uma vergonha para ele. 
Todo o mundinho oficial, parasita e subdesenvolvido que prospera em Brasília, às custas do erário público e em permanente estado de coma moral, vai fingir que não há nada de errado com mais essa aberração. Mas ele, Zanin, vai saber no fundo da alma, a cada minuto dos próximos 27 anos, que está no seu cargo unicamente porque é, ou foi, o advogado pessoal do presidente Lula e não por qualquer mérito de sua parte. 
Pode ser, é claro, que Zanin não sinta vergonha de nada e apenas diga para si próprio: “Me dei bem”. Para o Brasil e para os brasileiros, em todo caso, é uma humilhação. 
Em que país sério do mundo o presidente nomeia o seu próprio advogado para a Corte Suprema de Justiça? Em nenhum. Isso é coisa de Idi Amin, ou de alguma dessas ditaduras primitivas que desgraçam o quinto mundo, da Venezuela à Nicarágua, e que encantam cada vez mais o presidente da República.

É possível, humanamente, esperar que o novo ministro seja imparcial em alguma decisão que tome a respeito de quem até outro dia era o seu patrão? É claro que não. Se o Brasil tivesse um Senado, a quem cabe aprovar ou rejeitar a indicação, Zanin não iria resistir a quinze minutos de sabatina – seu nome, aliás, nem seria enviado para consideração

Mas o Brasil não tem Senado nenhum. O que tem é um escritório de despachantes a serviço do governo que aprova tudo o que Palácio do Planalto manda fazer. Vai ser apenas mais um espetáculo de hipocrisia, em que os senadores vão fingir que perguntam e o nomeado vai fingir que responde
Todo mundo, incluindo-se aí a maior parte da mídia e toda a elite que manda no País, vai fazer de conta que as “instituições” funcionaram mais uma vez e o caso fica resolvido. Pronto: Zanin estará no STF até o ano de 2050, quando não vão mais existir Lula, nem o seu governo e nem o mundo político como ele é hoje.
A influência de Zanin no conjunto do STF, em termos aritméticos, será de três vezes zero. Lula já tem ali, hoje, uma maioria infalível de 8 votos a 2; com Zanin, passará a ter de 9 a 2. 
Qual a diferença, na hora da votação? 
O STF já tirou Lula da cadeia, onde cumpria pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, alegando que o CEP do seu o processo estava errado. Anulou as quatro ações penais que havia contra ele – e, com isso, fez sumir a sua ficha suja. 
Mais que tudo, através dos serviços do TSE, colocou Lula na Presidência da República. 
Não foi preciso ter nenhum Zanin para isso. Também não será preciso daqui para a frente. O STF, há muito tempo, deixou de ser um tribunal de justiça e se transformou numa seita política que trabalha para Lula e para o sistema de interesses em torno dele atende a todas as suas exigências e persegue todos os seus adversários, numa espécie de sociedade de assistência mútua onde uma parte se serve da outra e, ao mesmo tempo, é servida por ela. 
O Congresso ou alguma lei estão atrapalhando o governo? Nenhum problema. Manda tudo para o Supremo, seja lá o que for, e os ministros resolvem. Zanin vai ser apenas um voto a mais nessa farsa.
 
O novo ministro, cujo escritório recebeu R$ 1,2 milhão do PT durante a campanha eleitoral de 2022, fora o que já havia ganho antes para cuidar da sua defesa, nunca vai tomar alguma decisão contra Lula.  
O STF também não – com ou sem Zanin no plenário. 
Sua nomeação, na verdade, acaba sendo apenas mais um deboche por parte de um presidente da República que trata o Brasil, cada vez mais, como uma republiqueta bananeira qualquer.

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Quem apoia a ditadura - J. R. Guzzo

Revista Oeste

A realidade é que Alexandre de Moraes e seus colegas não tiveram, em nenhum momento, a menor objeção dos militares para tomar qualquer medida que tomaram

Ditaduras, uma vez que são impostas a algum país, não costumam ser biodegradáveis, nem passíveis de reciclagem
Não se tornam mais suaves, racionais ou justas com o passar do tempo, nem se transformam em outro material. 
Nunca recuam, nem cedem um milímetro do poder que tomaram, nem ficam mais inofensivas. Jamais abrem mão da sua violência — ao contrário, a repressão, as punições e a eliminação dos direitos individuais e das liberdades públicas só se tornam piores. 
É inútil ser tolerante, ou compreensivo, ou “pragmático” com elas, na esperança de satisfazer os ditadores; eles não se satisfazem nunca. 
São ditaduras, unicamente isso, e a cada dia de vida que ganham ficam com mais cara, corpo e alma de ditadura. É o caso do Brasil de hoje, obviamente.

Alexandre de Moraes e as Forças Armadas | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/José Cruz/Agência Brasil

Alexandre de Moraes e as Forças Armadas - Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock/José Cruz/Agência Brasil 

Deixaram, cerca de quatro anos atrás, que o Supremo Tribunal Federal começasse a violar abertamente a Constituição e o restante da legislação em vigor no Brasil, num projeto para entregar o controle do país aos ministros e às forças que os apoiam. Hoje a ditadura está operando com todas as turbinas ligadas, e raramente passa um período de 24 horas sem que seus operadores deixem de aprofundar o estado de exceção que criaram. É um golpe de estado em câmara lenta, sem tanques na rua e com golpistas que usam toga de juiz em vez de farda de general — mas é golpe do mesmo jeito. O fato é que a ditadura ganhou, e amanhã vai estar mais destrutiva do que é hoje.

A última prova material, objetiva e indiscutível de que o Brasil vive numa ditadura do Poder Judiciário é a cassação, por parte do ministro Alexandre de Moraes, do direito de palavra da deputada federal Bia Kicis nas redes sociais; também foi punido o seu colega Júnio Amaral, e ambos se juntam à deputada Carla Zambelli, que está silenciada desde o dia 1º de novembro
É, como tantas outras, uma decisão absolutamente ilegal. 
O STF simplesmente não pode proibir um deputado federal de manifestar a sua opinião; nem o STF e nem ninguém. 
A Constituição diz, em português claríssimo e compreensível até para um analfabeto, que os parlamentares brasileiros têm o direito de levar ao público quaisquer opiniões — e esse quaisquer quer dizer todas, sem exceção de nenhuma, para que jamais haja nenhuma dúvida a respeito, nem justificativas para a violação do que foi escrito. 
 
Não se trata de um acaso. Essa palavra foi colocada de propósito no texto da Constituição, justamente para impedir que alguém pudesse fazer o que o ministro Moraes está fazendo: alegar algum motivo de “interesse superior” para confiscar de um deputado federal brasileiro o direito de exercer plenamente o mandato que lhe foi conferido pelos eleitores — mais de 200.000 cidadãos de Brasília, no caso específico de Bia Kicis. Não interessa o que a deputada disse, e menos ainda se o que disse está certo ou errado. A única coisa que deveria valer é a regra escrita na Constituição: ela não pode ser impedida de falar o que quiser. Essa regra não vale mais nada no Brasil de hoje.
Deputada Bia Kicis
Deputada Bia Kicis | Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados
Já não existe há bom tempo, por parte de Alexandre de Moraes e de qualquer dos seus colegas, nem mesmo alguma tentativa remota de disfarçar a ilegalidade dos atos que praticam. Disfarce para quê?  
Uma ditadura, depois que se estabelece, não precisa disfarçar mais nada; faz, no caso brasileiro, uma encenação de que age em defesa da “democracia”, mas na prática toma as decisões que quer e não dá satisfação a ninguém. No episódio com Bia Kicis, não foi dado nem mesmo um motivo para a punição — a deputada foi expulsa das redes, e ponto final. No caso de Carla Zambelli, o ministro decidiu que ela tinha “o nítido propósito” de romper “com o Estado Democrático de Direito”. Que disparate é esse?  
Como uma autoridade pode determinar qual é o “propósito” de alguém ao dizer isso ou aquilo? 
 
Que lei o autoriza a fazer esse tipo de adivinhação — que ainda por cima, como no caso de Bia Kicis, anula um mandamento constitucional?  
Moraes fala, também, numa “Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação”. Que diabo vem a ser isso?  
O órgão, com um desses nomes que encantam ditadores de Cuba à Coreia do Norte, não tem existência legal; foi inventado por Moraes e não poderia, assim, ser acionado para nada. 
Mas é usado como mais uma polícia do STF, para caçar mensagens “suspeitas” nas redes e aplicar multas de R$ 150.000 por hora. 
 
Naturalmente, como Moraes vem fazendo desde que a ditadura começou a ser implantada no Brasil, nenhuma das punições obedeceu a processo legal uma aberração que só existe em países onde o sistema judicial funciona no estilo do falecido ditador Idi Amin, ou de alguma outra republiqueta africana controlada por gângsters. 
Assassinos, traficantes de droga e estupradores têm direito a todas as regras estabelecidas em lei quando são acusados de algum crime; os deputados perseguidos pelo STF não têm. São punidos por decisão pessoal de Moraes, sem processo nenhum, sem advogados, sem direito sequer de ser informados do que fizeram. Se isso não é uma ditadura, então o que é?
 
A discussão a esse respeito, em todo o caso, já ficou para trás — o que importa é a realidade que existe hoje, e essa realidade mostra que a ditadura do judiciário não apenas está aí, mas conta com imensos apoios nas forças que têm influência prática no Brasil. 
Não poderia ter aparecido, na verdade, se não tivesse tido esse apoio desde os seus primeiros passos; não faz sentido acreditar que seja uma iniciativa individual, isolada e exclusiva de Moraes e do STF. O regime de exceção que manda hoje no Brasil só existe, objetivamente, porque há muita gente querendo que ele exista. 
 
A principal fonte de sua força na vida real, até agora, vem da aprovação silenciosa que recebe das Forças Armadas — a única instituição que tem meios materiais efetivos para deter a ação dos ministros. Os comandantes militares não fizeram, e nem era preciso que fizessem, um manifesto a favor do golpe em fatias que levou o país à situação em que se encontra neste momento. Obviamente, não assinaram um documento dizendo: “Nós, comandantes das três armas, fechamos um acordo com os ministros do STF para impor ao Brasil uma ditadura do Poder Judiciário”. Para que isso? 
Bastou que ficassem olhando sem fazer nada enquanto o regime de leis e a Constituição eram destruídos dia após dia pelas decisões do STF. 
A realidade, comprovada pelos fatos e acima de qualquer dúvida permitida pela lógica comum, é que Alexandre de Moraes e seus colegas não tiveram, em nenhum momento, a menor objeção dos militares para tomar qualquer medida que tomaram.
 
Os ministros do STF agiram, desde a sua primeira agressão ao sistema legal a proibição para o presidente da República nomear o diretor de sua escolha para a Polícia Federal , com a certeza de que ninguém iria se opor a nada do que fizessem
De lá para cá não pararam mais. Eliminaram a lei, aprovada legitimamente pelo Congresso Nacional, que estabelecia o cumprimento de pena de prisão para os réus criminais condenados em segunda instância o que, simplesmente, tirou o ex-presidente Lula da cadeia. 
Anularam as ações penais existentes contra ele, incluindo sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro — o que o livrou da ficha suja e permitiu a sua candidatura à Presidência nas últimas eleições. Acabaram com praticamente todas as condenações da Operação Lava Jato — o único momento, em todos os 500 anos de história do Brasil, em que a justiça mandou para a cadeia condenados por corrupção de primeira grandeza. Montaram, em seguida, a eleição mais viciada que o país já teve num dos seus melhores momentos, proibiram o presidente de exibir em sua campanha eleitoral as manifestações públicas e legais do último Sete de Setembro. Em outra ocasião extrema, o ministro Luís Roberto Barroso, o jurista do “Perdeu, mané”, disse que “eleição não se ganha, se toma”; acharam que estava sendo um homem espirituoso.
Os membros da corte suprema punem cidadãos, e parlamentares, por crimes que não existem no Código Penal e em nenhuma lei brasileira. Bloquearam, sem qualquer vestígio de procedimento legal, as pessoas de se manifestarem nas redes sociais. “Desmonetizaram” quem entrou em sua lista negra. Censuraram a imprensa. Acabaram com o direito ao sigilo. Não permitem até hoje que os advogados tenham acesso aos autos nos processos de que seus clientes são vítimas. 
Cassaram o direito de palavra das deputadas. Acabam de prender um empresário por exercer o direito de convocar uma manifestação pública — no caso, de caçadores e de colecionadores de armas, atividades perfeitamente legítimas neste país. Em nenhum momento, nem no passado e nem agora, as Forças Armadas disseram uma sílaba a respeito de qualquer dessas violações da lei.

Em nenhum momento, nem no passado e nem agora, as Forças Armadas disseram uma sílaba a respeito de qualquer dessas violações da lei

Exército, Marinha e Aeronáutica se comportam hoje, para todos os efeitos práticos, como uma repartição pública sem maior significado. Estão basicamente preocupados com os seus soldos, aposentadorias, benefícios — incluindo os R$ 500 milhões pagos por ano a familiares, a título de pensão. Não ajudam em nada, com os seus tanques de guerra, mísseis de longo alcance ou caças a jato, a segurança do cidadão brasileiro — cada vez mais destruída pelo crime e pelos criminosos. 
Não defendem o território nacional de nenhuma invasão estrangeira, pois até uma criança com 10 anos de idade sabe perfeitamente bem que nenhum país vai invadir o Brasil.[aqui cabe lembrar que o presidente francês e o norte-americano, manifestaram interesse em internacionalizar a nossa AMAZÔNIA = o que na prática, equivale a transformar aquela parte do território soberano do Brasil em "terra de ninguém".]  
Não conseguem, nem mesmo, a autorização para comprar um lote de 100 novos tanques — o PT não deixa. [a intenção evidente do perda total =pt, é transformar nossas FF AA em milícia,  para ser usada na plenitude na transformação do Brasil em um 'venezuelão'.] 
Também não estão exercendo, com atos concretos, a sua obrigação legal de fazer cumprir a Constituição — ou então acham que nenhum dos fatos expostos acima pode ser descrito como violação constitucional, da ordem e do Estado de Direito. 
Não têm lideranças. Não parecem interessados em assumir responsabilidades maiores ou diferentes das que já têm;
-  talvez nem consigam fazer isso no mundo de hoje, mesmo que quisessem. 
A verdade, de qualquer forma, é que os militares não manifestaram nenhuma oposição às ações do STF — e os ministros vêm se sentindo livres, há quatro anos, para fazer tudo o que têm feito.
O outro grande braço que dá força ao STF, e que tem sido essencial para sustentar a sua ditadura, é a classe política brasileira — não toda, é claro, mas a maioria necessária para manter o Congresso Nacional numa postura de submissão absoluta ao Supremo. 
Um Congresso que se coloca de quatro diante deles — o que mais os ministros poderiam querer? 
A maior parte dos senadores e deputados apoia histericamente o STF; pedem a punição de colegas com mandato, canonizaram o ministro Moraes como o “salvador” da democracia no Brasil e querem, pela proposta de um dos mais notórios chefes da facção do Senado que reúne refugiados do Código Penal, dar mais poderes ao tribunal e legalizar suas agressões à Constituição. 
Os dois presidentes são o pior de tudo. O do Senado é um militante aberto do golperecusa-se, sem nenhum apoio legal, a permitir que os senadores discutam a conduta do Supremo, e com isso tira de funcionamento o único mecanismo constitucional que poderia controlar a sua conduta. 
O presidente da Câmara entrará na história pela realização de algo provavelmente jamais ocorrido em qualquer parlamento do mundo — aceitou sem dar um pio a prisão por nove meses de um deputado federal em pleno exercício do seu mandato. 
 
O deputado não tinha cometido nenhum crime inafiançável e nem foi preso em flagrante, as únicas hipóteses que permitem a prisão de um parlamentar o que Alexandre de Moraes e o STF fizeram com ele foi possivelmente a sua ilegalidade mais indiscutível e escandalosa. 
E daí? A maioria do Congresso ficou a favor da punição ao colega; é a favor de qualquer coisa que o STF decide. 
Se o ministro Moraes, um dia desses, mandar fuzilar o deputado, ou qualquer outra pessoa, a ordem vai ser cumprida. 
Ele não terá a menor dificuldade de achar na Polícia Federal, ou no Exército, ou em alguma das 27 PMs, o pelotão de fuzilamento; o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado, mais os componentes da mesa, iriam comparecer à execução e bater palmas no final. 
É uma sorte para todos, realmente, que o ministro Moraes não esteja querendo fuzilar ninguém, ao menos tanto quanto se saiba, porque não precisa fazer isso. A ditadura do judiciário já ganhou. Tem todo o apoio necessário para ficar de pé e para continuar prosperando.

Leia também “A conduta do STF está envenenada pela hipocrisia”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste


sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Graças a Alexandre de Moraes, a justiça brasileira é igual à de republiquetas - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo


O ministro Alexandre de Moraes, com o apoio cego, incondicional e automático da maioria dos seus colegas do STF, está impondo ao Brasil uma justiça de Idi Amin – aquele deboche violento, e baseado na força bruta, que as piores ditaduras da África fazem da trágica deformidade que apresentam como o seu aparelho judicial. 
Nem existe mais esse Idi Amin, uma caricatura de ditador patológico que foi estrela do noticiário internacional nos anos 70, nem o seu regime de barbaridades. 
Mas pelo que indicam os fatos, os puros e simples fatos, o seu estilo de fazer justiça ressuscitou no Brasil de hoje e está transformando o ministro Moraes, junto com o resto do Supremo, numa espécie de cópia mal resolvida dos déspotas subdesenvolvidos de 50 anos atrás.
 
“Temos liberdade de opinião, mas eu não posso garantir a liberdade de quem deu a opinião”, diz Amin numa piada que circula nas redes sociais. É um retrato perfeito do STF de hoje
Falam, em seus manifestos à nação e em suas palestras em universidades dos Estados Unidos ou Europa, que o cidadão brasileiro tem direito de pensar livremente e dar a sua opinião sobre o que bem entenda. Mas a cada cinco minutos Moraes está mandando a polícia atrás de quem tem opiniões que ele acha “antidemocráticas” e aí se vê que a liberdade de ninguém está garantida depois que a opinião foi dada, mesmo que numa conversa particular. 
É exatamente o que acaba de acontecer com os “empresários golpistas”, um grupo que trocava ideias pelo WhatsApp e foi enfiado por Moraes nos inquéritos totalmente ilegais que ele usa há três anos para perseguir pessoas cujas posições políticas não admite. No caso, trata-se de admiradores do presidente da República – mais uma vez.

O seu estilo de fazer justiça ressuscitou no Brasil de hoje e está transformando o ministro Moraes, junto com o resto do Supremo, numa espécie de cópia mal resolvida dos déspotas subdesenvolvidos de 50 anos atrás

Que ideias os empresários estavam trocando? Não interessa: eles têm o direito, garantido pela Constituição Federal, de expressar suas opiniões pessoais. 
Mais ainda, estavam dando essas opiniões dentro de um grupo fechado de correspondência, cuja privacidade foi violada; o teor do que se dizia ali acabou publicado na imprensa. 
Como diz a respeito o ex-ministro Marco Aurélio Mello: “Não há crime de opinião no Brasil”.  
Mas Moraes e o STF desrespeitam grosseiramente este princípio – o caso dos “empresários golpistas”, na verdade, é apenas a última demonstração de sua longa e repetida insistência em rasgar a lei, nesse e em outros assuntos.
 
Moraes mandou a polícia invadir às 6 horas da manhã os escritórios e as residências dos empresários sem ao menos avisar o Ministério Público – a única autoridade, no Brasil, que tem direito a fazer denuncias criminais e solicitar à justiça que elas sejam examinadas
Mas Moraes, há três anos, ignora o MP de maneira sistemática e truculenta; nesse caso, só mandou um comunicado aos procuradores depois de iniciada a operação. É pior ainda. 
O MP, a quem cabe a exclusividade da acusação, é contra essa investigação dos “empresários golpistas”, por não ver nenhum cabimento nisso – não há qualquer prova, nem indício, de atividade ilegal por parte do grupo. 
É contra, aliás, outras investigações do ministro e já pediu formalmente que sejam arquivadas. Não adianta nada. 
Ele passa por cima dos pedidos ou, então, abre investigações novas, e igualmente ilegais, sobre o mesmo assunto. 
Moraes, por lei, não pode tocar inquérito policial nenhum. Faz isso o tempo todo.
 
 
Os empresários também não poderiam, segundo diz a lei, ter a sua conduta sob a apreciação do STF; 
só são julgadas ali, quando é o caso, pessoas que têm foro privilegiado, como o presidente da República, ministros de Estado e outras altas figuras. É óbvio, até para um advogado de porta de cadeia, que nenhum deles é nada disso, e caso tivessem feito alguma coisa errada (o que o MP acha que não fizeram) teriam de responder a um juizado de primeira instância. Mas e daí?  
A própria justiça, através do STJ,  já decidiu, em outro aspecto da questão toda, que transcrições escritas de conversas no WhatsApp não são prova de coisa nenhuma. Moraes passou por cima disso também – prova é o que ele acha que é prova. Fim de conversa.

Está tudo errado, em suma, neste caso dos “empresários golpistas”. Na justiça de republiqueta africana que o STF criou no Brasil, entretanto, o que se está fazendo aí é “a defesa da democracia”.

J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

quinta-feira, 19 de março de 2020

Pós-atos de domingo - Quanto mais apanha, mais Bolsonaro encorpa - J. R. Guzzo

Gazeta do Povo

Quanto mais apanha, mais Bolsonaro encorpa

Presidente Jair Bolsonaro cumprimentou manifestantes dos atos de domingo na área externa do Palácio do Planalto, em Brasília.

Às vezes, francamente, a gente fica com a impressão de que os inimigos do presidente Jair Bolsonaro estão cada vez mais empenhados em garantir a sua reeleição nas eleições presidenciais de 2022. Não é o que querem, é claro, mas é o que acabam fazendo na prática em seus atos do dia a dia. Bolsonaro, como sabem até as crianças de 10 anos de idade, cresce e prospera, acima de tudo, em situações em que o colocam sob o fogo de artilharia pesada. É aí que ele realmente brilha.

É óbvio: de um lado está um bando de políticos de quinta categoria, uma mídia na qual o público acredita cada vez menos e detesta cada vez mais, e os grandes interessados em manter o Brasil aprisionado no atraso. Do outro lado está o cavaleiro solitário que tem o peito de enfrentar todos eles. Tanto faz se isso corresponde ou não à realidade dos fatos. É isso, e só isso, que a maioria da população, como ficou contabilizado nas eleições de 2018, tem a certeza de que está acontecendo. Resultado: quanto mais batem, mais ele encorpa.

Não seria o caso, então, de pensar em alguma outra estratégia? Em vez de se entregar, praticamente todo dia, a acessos de cólera cada vez menos equilibrados contra o presidente, não seria talvez o caso de fazer alguma coisa séria para tirar dele o palco permanente que estão lhe dando de graça? É pouco provável, obviamente, que Bolsonaro colabore com o inimigo e aceite, como um bom moço, ir para a geladeira – ele, que precisa do calor de 40 graus para ser politicamente viável. Estará, de um jeito ou de outro, fazendo coisas para manter-se no centro das atenções. Mas aí, pelo menos, o trabalho será dele. Do jeito que está, a oposição se encarrega de fazer esse esforço em seu lugar.

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O “domingo do coronavírus” foi um clássico no gênero. As manifestações de protesto originalmente voltadas contra o Congresso — e que Bolsonaro encampou como sendo a favor do seu governo — poderiam ter levado recordes de público às ruas de todo o Brasil. Com o clima antivírus e os esforços gerais para se reduzir os riscos de contágio, seus inimigos ganharam um belíssimo presente – as manifestações foram uma fração do que poderiam ter sido. Era só deixar quieto. Mas o que a oposição faz? Justamente na hora em que o chope do presidente fica aguado, saem de pau em cima dele porque foi cumprimentar, fazer selfies, etc, com grupos que, apesar da epidemia, foram saudá-lo na porta do palácio. Pronto: Bolsonaro, inteiramente sem custo, vira a figura central da história toda.

O presidente passou a imagem do homem que tem coragem de ir onde o povo está, num momento de perigo, enquanto os adversários se escondem pelos cantos. Os bolsonaristas vibram. Ele não perde um voto. Os outros não ganham nada. Aí, para completar a obra prima, entram com um pedido de “impeachment”. E quem apresenta o pedido? O ator Alexandre Frota. É uma piada cinco estrelas; um pedido como esse desmoralizaria o impeachment de Idi Amin. Bolsonaro, desse jeito, vai ter de fazer muita força para perder. 

J. R. Guzzo, jornalista - VOZES - GAZETA DO POVO