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quarta-feira, 18 de maio de 2022

"O Supremo não é maior que a Constituição"

Alexandre Garcia

O Supremo não é maior que a constituição, mas é maior que os ministros que lá estão. O Supremo precisa ser salvo de quem o desgasta

Muita gente ficou chocada com a declaração do ministro Alexandre de Moraes, num congresso de juízes, de que a internet deu voz aos imbecis, repetindo Umberto Eco (O Nome da Rosa). Ele é o juiz que vai presidir as eleições de outubro, em que a maioria dos eleitores ganhou voz na internet. Antes dele, o atual presidente da Justiça Eleitoral, ministro Fachin, fez uma ironia com os militares que, convidados, apresentaram sugestões para dar mais segurança e transparência às apurações.  

Depois de recusar as sugestões, ele disse que "quem trata de eleições são forças desarmadas", desprezando as forças que foram convidadas para a Comissão de Transparência. E, antes ainda, o ministro Barroso, em Boston, denunciou que as Forças Armadas foram orientadas para atacar as eleições. Nada parecido com o ideal de juízes que vão presidir eleições e deveriam ficar olimpicamente distantes do embate político, eleitoral, ideológico e de paixões
O presidente da República tem sugerido a necessidade de mais segurança e transparência ao processo eleitoral, para mais confiança nas apurações, e feito críticas a ministros. Mas o presidente é um político — e eles são juízes.
 
Por isso, fico a imaginar se o próprio Supremo vai considerar, à luz da Lei Orgânica da Magistratura, alguma providência para preservar o tribunal. Por parte do presidente Fux já existe essa preocupação desde que a expressou em seu discurso de posse, dois anos atrás. A Suprema Corte tem sofrido um desgaste diretamente proporcional a decisões que contrariam a Constituição e os ditames do devido processo legal. Fica parecendo com um diretório de partido político e, às vezes, com um diretório acadêmico em véspera de eleição
Como se trata do topo de um Poder, tudo abaixo fica afetado. 
Até mesmo os estudantes de direito, no seu idealismo pelos princípios da Justiça e do direito.

É essencial um país democrático ter uma Justiça confiável, impessoal e imparcial. Sem isso, não há paz social e desenvolvimento, cuja base é a segurança jurídica. Se num ano eleitoral o juiz que vai presidir a eleição já separa os eleitores entre imbecis da internet e os outros, o que se tem é uma farsa de imparcialidade. O Conselho Nacional de Justiça, que pode julgar juízes, não tem jurisdição sobre o Supremo. Só quem pode fazer isso é o Senado. Mas o presidente do Senado acaba de declarar que "não deixarei o Supremo isolado". É um caso inédito de o presidente de um poder se mobilizar para proteger o outro, o que tem por consequência abandonar o dever de preservar a Constituição no encargo eventual de processar e julgar ministros do Supremo. Significa justificar sua negativa de encaminhar inúmeros pedidos de senadores, por desrespeito à Constituição. E deixar que o desgaste continue.

Juízes que exigem ser tratados como se estivessem no Olimpo precisam respeitar para serem respeitados. Se prendem, ainda que ilegalmente, os que os desrespeitam, precisam respeitar aqueles que os sustentam com seus impostos, a quem servem — e que acreditam na Constituição. Todos estamos submetidos à Constituição feita em nosso nome. Ela está acima do Supremo, que é um tribunal constitucional, não um tribunal constituinte. 

O Supremo não é maior que a Constituição, mas é maior que os ministros que lá estão. O Supremo precisa ser salvo de quem o desgasta.

 Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense

 

 

segunda-feira, 22 de março de 2021

STF na contramão do Direito, da ética e do País - Carlos Alberto Di Franco

O Estado de  S. Paulo - Opinião

Agora só falta prender o responsável pela maior operação anticorrupção da História do Brasil

Não me canso de reafirmar meu respeito ao Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto instituição essencial da República. No entanto, as instituições não são abstrações. Encarnam-se nas pessoas que a compõem. 
A credibilidade da Corte depende, e muito, das atitudes dos seus integrantes. É a base da legitimidade. Perdida a credibilidade, queiramos ou não, abre-se o perigoso atalho para o questionamento da legitimidade.  O STF, infelizmente, não tem contribuído para fortalecer a sua credibilidade. É hoje, lamentavelmente, uma das instituições com maior rejeição. E isso é um grave risco para a democracia. 
 
Meu artigo é um alerta angustiado. Já passou da hora de os ministros descerem do Olimpo dos deuses e fazerem uma séria e honesta autocrítica. A sociedade está farta de inúmeras decisões do STF. E a instituição, goste ou não, está mergulhando numa gravíssima crise de imagem. 
 
A decisão monocrática do ministro Edson Fachin que anulou as condenações de Lula da Silva decididas na 13.ª Vara de Curitiba pelo então juiz Sergio Moro, no âmbito da Operação Lava Jato, e tornou o ex-presidente elegível não poderia deixar de causar um terremoto político e um tsunami de indignação moral.  
Como disse, oportunamente, a professora Catarina Rochamonte, colunista do jornal Folha de S.Paulo, trata-se daquele que é tido como chefe do chamado petrolão, que o ministro Gilmar Mendes, antes da sua conversão garantista, considerou “o maior escândalo de corrupção de que se tem notícia”. Também “não se tem notícia de uma transmutação de valores como a de Gilmar Mendes, que, de entusiasta da Lava Jato, passou a fazer da destruição da mesma sua prioridade e obsessão”, frisou a colunista. 
 
Fachin, misteriosa e surpreendentemente, resolveu ressuscitar argumentos já analisados (e rebatidos) à exaustão sobre a competência da 13.ª Vara para julgar as ações contra Lula. Para sustentar sua decisão inexplicável afirmou que as ações contra Lula não tratavam especificamente da Petrobrás, foco central da Operação Lava Jato de Curitiba. No entanto, o próprio ministro incluiu em sua decisão trechos da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal no caso do triplex, em que está claríssima a ligação entre os favores recebidos pela empreiteira OAS e nomeações e contratos da Petrobrás. Essa relação foi reconhecida em todas as instâncias nas quais Lula foi condenado – na primeira instância, pelo juiz Sergio Moro e no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), como voto do relator João Pedro Gebran Neto sendo seguido pelos demais membros da Oitava Turma. Por fim, o Superior Tribunal de Justiça, que manteve a condenação de Lula, também analisou os questionamentos sobre a competência para julgar o caso e concluiu que não houve irregularidade alguma ao se realizar o julgamento na 13.ª Vara e pela Oitava Turma do TFR-4. 
 
Em nota, Fachin disse que a questão já havia sido debatida diversas vezes no Supremo, mas só agora reuniu condições de ser julgada corretamente. Ele assumiu o caso em 2017, depois da morte do ministro Teori Zavascki. Foram necessários quatro anos para decidir “corretamente” sobre um assunto que ele havia decidido outras tantas vezes de modo diverso? Nenhum problema. Faz tempo que a Corte deixou de lado os fatos e o Direito e se embrenhou no campo de um ativismo de ocasião. O STF é hoje a principal fonte de insegurança jurídica no País. 
 
Mas a coisa não parou por aí. Fachin errou feio ao anular os processos contra Lula, mas tão evidente quanto o fato de as denúncias e sentenças desses processos desmentirem sua argumentação é o fato de que, concorde-se ou não com essa decisão, uma vez anulados os processos, qualquer recurso impetrado dentro deles também se torna nulo. 
 
Mas aí, caro leitor, aparece no horizonte o ministro Gilmar Mendes. Após segurar o caso por quase dois anos e meio, graças a um pedido de vista, o ministro sentiu forte comichão e decidiu pautar o tema Moro na famosa Segunda Turma do STF. Em voto longo e carregado de parcialidade (afinal, é desafeto público de Moro), Mendes dedicou-se à demolição da reputação do ex-juiz, no que chamou de “maior escândalo judicial da nossa História”, e, apesar de dizer que nem seria necessário usar as supostas mensagens atribuídas ao ex-juiz e aos procuradores da Lava Jato, mencionou seu conteúdo com grande generosidade. 
 
O fecho de ouro foi dado pelo ministro Nunes Marques, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para o STF. Pediu vista. Um artifício para adiar a provável degola do ex-juiz Sergio Moro e dar mais um empurrãozinho na Lava Jato rumo ao abismo diligentemente preparado num enorme acordão. Não faz muito, terminei um de meus artigos com um comentário premonitório: Lula absolvido e Moro condenado. A narrativa começa a ser construída. Agora só falta prender o responsável pela maior operação de combate à corrupção da nossa História. Caminhamos céleres rumo à ditadura do Judiciário. Acho difícil, muito difícil, que a imensa maioria da sociedade brasileira, honrada, trabalhadora e sacrificada, aceite engolir um sapo de tamanhas proporções. 
 
Carlos Alberto Di Franco, jornalista - e-mail: difranco@ise.org.br - O Estado de S. Paulo

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Crusoé e os deuses


Com uma caneta ou um clique, o Judiciário pode destruir a sua vida

O Poder Judiciário é o poder mais poderoso da República. A repetição dos termos na frase anterior é proposital.  O Estado detém o monopólio legítimo da violência. A gestão da violência é o campo por excelência da política, a arte de organizar o uso da violência via instituições ou fora delas. Logo, o Poder Judiciário é político, apesar de não ser representativo, no sentido de que não recebe, via voto popular, o papel de representar as aspirações da soberania popular.

 [inserido pelo Blog Prontidão Total]


A capacidade de exercer a violência é a espinha dorsal de qualquer forma de poder institucional. Não se esqueça disso e não caia no marketing do “poder do bem”.  O Poder Judiciário é o poder mais poderoso da República. Com uma caneta ou um clique, um agente dele pode destruir sua vida. Em cinco segundos, pode criar uma situação em sua vida que, se equivocada, tomará 20 anos, no mínimo, para ser desfeita. E esse agente seguirá sua rotina dos deuses. E você paga a conta.


                                           [inserido pelo Blog Prontidão Total]


 Um senador, um deputado, um vereador, um governador, um prefeito e um presidente não dispõem dessa rapidez para exercer nenhuma forma de violência (legítima ou não) sobre você nessa magnitude.   O Poder Judiciário é o poder mais poderoso da República. Daí o fato esperado de que ele seja o mais discreto, principalmente o STF (Supremo Tribunal Federal), na medida em que tal poder de violência (legítima ou não) tende a chamar atenção quando acompanhado da vaidade típica de quem tem tanto poder.

O resultado da magnitude do poder mais poderoso da República é que seus agentes se acostumam com uma rotina de deuses, que acaba por criar uma expectativa de tranquilidade quanto ao caráter institucional de sua existência.  A pompa e a circunstância que caracterizam as manifestações públicas profissionais do Poder Judiciário são em função desse caráter “divino”. Uma espécie de ritual religioso que cultua a própria existência. O advogado, nessa cadeia alimentar, é o elo menos “nobre” porque corre atrás das graças dos agentes oficiais do Judiciário. Mas ele ganha muito bem para tornar você devorável ou não pelos deuses.

E aí entra em cena o novo agente político que tende a criar a maior disrupção política na história, desde a invenção da democracia ateniense: as mídias sociais, tanto no seu viés amador (de emissores particulares de conteúdo) quanto no seu viés profissional (profissionais e marcas portadoras de credibilidade pública que geram conteúdo).  A revista Crusoé e o site O Antagonista são exemplos desse viés profissional das mídias sociais. Quando um ministro do STF censura um conteúdo da revista Crusoé, ele declara guerra às mídias sociais.

E elas têm, entre os vários traços da sua personalidade, um caráter de enxame que pressiona a dimensão institucional da República. Esse traço não precisa ser intencional, basta tê-lo numa quantidade pura. Claro que esse efeito enxame de pressão sobre a dimensão institucional é, muitas vezes, nuvem passageira, mas, quando se torna recorrente, o resultado pode ser um tsunami.

O filósofo Blaise Pascal, no século 17, descrevia as cortes da França absolutista como um palco em que a cena era mais essencial do que o conteúdo. Sabemos que Pascal fazia parte de um movimento religioso conhecido como jansenismo (olhe no Google, se você não sabe o que é), que tinha uma forte vocação anti-institucional, muito bem captada pela monarquia na época. Daí a perseguição sistemática sofrida pelos jansenistas. Pascal nutria um certo desprezo pela instituição do poder como um todo.

Essa descrição da cena como mais essencial do que o conteúdo significa que o poder do poder, no caso, o Judiciário, depende de uma certa pantomima pública (a pompa e a circunstância da qual falava acima).  Um dos efeitos das mídias sociais é desgastar o efeito dessa pantomina. Logo as pessoas começarão a rir da suposta seriedade com a qual os agentes do Poder Judiciário falam de si mesmos.

As mídias sociais são um ataque a qualquer Olimpo de bolso. Mas, não se esqueça: o Poder Judiciário é o poder mais poderoso da República. Qualquer passo em falso trará a ira de Hades sobre você. Mantenha a cabeça baixa, só para garantir sua invisibilidade e sua irrelevância, duas características essenciais quando lidamos com o poder.mitar a pura e simples inexistência é parte da caixa de ferramentas que um mortal deve carregar consigo ao lidar com os deuses. Mas, hoje, eles veem o invisível.

 
Luiz Felipe Pondé - Doutor em filosofia pela USP.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A queda do marqueteiro



A decretação da prisão de João Santana, o poderoso marqueteiro das campanhas presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, é um dos desdobramentos mais graves de toda a Operação Lava Jato. Embora a força-tarefa tenha enfatizado que seu trabalho, ao menos por ora, não é investigar campanhas eleitorais, o nexo entre Santana e o desvio de dinheiro da Petrobras para financiar a eleição de petistas salta aos olhos.

Seja lá que versão os magos da impostura a serviço do PT inventarão agora para explicar o que fizeram Santana e seus encalacrados clientes, o fato é que está por um fio a linha de defesa de Dilma a respeito da lisura de sua campanha – ela insiste em que o financiamento da campanha eleitoral foi considerado legal pelo Tribunal Superior Eleitoral e, por essa razão, tudo o mais seria irrelevante. Tal alegação, como hoje está mais claro do que nunca, faz troça da inteligência alheia e não pode ser aceita sem ressalvas pela Justiça.

Batizada de “Operação Acarajé”, em alusão ao termo que alguns investigados usavam para se referir à propina, a nova redada da Polícia Federal teve como alvos João Santana e a Odebrecht. A empreiteira teria usado empresas offshore para movimentar contas ocultas no exterior e depositar US$ 7,5 milhões na conta de outra offshore, que seria do marqueteiro.

O dinheiro, pago em diversas parcelas entre 2012 e 2014, seria proveniente da Petrobras e serviria para quitar despesas de campanhas do PT de 2008 a 2012. O intermediário da transação seria Zwi Skornicki, representante do estaleiro Keppel Fels, de Cingapura, que entre 2003 e 2009 fez negócios com a Petrobras no valor total de US$ 6 bilhões. Skornicki, apontado pelo ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco como o operador do repasse de US$ 40 milhões para diretores da estatal e para o PT, foi um dos presos na operação.

O cerco a João Santana leva a Lava Jato a uma nova dimensão. Atinge o estrategista das agressivas campanhas petistas das eleições presidenciais de 2006 a 2014, que ajudaram a criar o clima de antagonismo que hoje cinde o país. A cada novo sucesso de Santana, consolidava-se sua aura de gênio eleitoral e, com ele, a lamentável certeza de que não se ganha eleição no Brasil sem apelar ao marketing agressivo.

Foi assim que Santana amealhou notoriedade. É inesquecível sua estratégia na eleição de 2014, que Dilma venceu depois de agredir todos os seus adversários. A arrogância dos petistas ficou especialmente clara nas palavras do marqueteiro, que declarou, um ano antes do pleito, que “a Dilma vai ganhar no primeiro turno, em 2014, porque ocorrerá uma antropofagia de anões” – uma referência aos outros candidatos. “Eles vão se comer, lá embaixo, e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo”, arrematou Santana, talvez movido pela confiança de quem sabia que a campanha petista tinha enorme vantagem sobre as demais porque podia contar com a incalculável pecúnia proveniente da roubalheira na Petrobras.

Como se sabe, no entanto, o prognóstico do confiante Santana não se confirmou Dilma teve de apelar às táticas de atemorização do marqueteiro para vencer um duro segundo turno. O custo desse sucesso imoral está sendo pago em dolorosas prestações até hoje, na forma de grande impopularidade.

Enquanto isso, Santana continuou a posar de guru dos candidatos “progressistas” latino-americanos. No momento em que se expediu o mandado de prisão contra o marqueteiro, ele estava na República Dominicana, onde coordenava a campanha à reeleição do companheiro Danilo Medina, que desde sempre contou com o apoio de Lula e cujo governo, logo após uma visita do chefão petista em 2013, entregou uma obra de R$ 2 bilhões à Odebrecht, com crédito do BNDES.

Medina provavelmente terá de encontrar outro marqueteiro, porque o poderoso Santana, principal conselheiro tanto de Dilma como de Lula em momentos de crise, tem contas a acertar com a Justiça. Desde já, porém, pode-se dizer que a importância do avanço da Lava Jato contra Santana não está nos apuros desse personagem, e sim na evidência inapelável de que, nas campanhas eleitorais petistas, “fazer o diabo” não era mera força de expressão.

Fonte: Editorial – Estadão