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sábado, 18 de fevereiro de 2023

Casadas com o poder (Primeira parte) - Augusto Nunes

Revista Oeste

Dois artigos exibem o mosaico humano composto de 16 primeiras-damas do Brasil 

Primeiras-damas: Ruth Cardoso, Maria Thereza Goulart, Marisa Letícia da Silva, Michelle Bolsonaro e Janja da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Reprodução/Shutterstock

As primeiras-damas: Ruth Cardoso, Maria Thereza Goulart, Marisa Letícia da Silva, Michelle Bolsonaro e Janja da Silva | Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Reprodução/Shutterstock  
 
No quadro de Gustave Hastoy, o marechal que proclamou a República está prestes a assinar a primeira Constituição do novo regime. Empunhando a caneta, Deodoro da Fonseca é contemplado por 15 homens e uma mulher. Só ela está de costas. O rosto de Mariana da Fonseca é o único que o pintor ocultou. 
Por ser casada com quem era, ela participou da cerimônia. 
Mas em 1891 as brasileiras não votavam, não podiam meter-se em disputas eleitorais e aprendiam desde a infância que política não era coisa para mulheres.
Mesmo que fosse casada com o chefe de governo, uma mulher não tinha rosto. Durante a República Velha, aliás, ninguém chamava de primeira-dama a esposa do chefe da nação. A expressão passou a ser usada depois que os vitoriosos comandantes da Revolução de 1930 estenderam às brasileiras o direito de votar e ser votada.
Na cena, eternizada em quadro de Gustave Hastoy, todos aparecem 
voltados para o presidente, com a caneta em punho, prestes a 
assinar o documento. Somente Mariana da Fonseca, 
esposa de Deodoro, estava de costas | Foto: Reprodução
A linhagem foi inaugurada pela gaúcha Darcy Sarmanho Vargas, que na primeira passagem de Getúlio pelo poder demarcou o campo de ação em que agiria: concentrou-se em programas sociais que ampliaram a força do marido entre eleitores pobres. Entre 1930 e 1945, e depois no governo constitucional de Getúlio, ela dividiu-se entre a administração de assuntos domésticos e a gestão de entidades como a Legião Brasileira de Assistência ou a Casa do Pequeno Jornaleiro. Darcy também ensinou que, na vida de uma primeira-dama, o triunfo pode ser a antessala da tragédia — ou o contrário. 
Em menos de dez anos, foi testemunha e protagonista da deposição do marido, em 1945, da volta ao poder, em 1950, e do suicídio, em 1954.
 
Como Getúlio, que era mais sensível ao que ouvia da filha Alzirinha do que lhe dizia Darcy, Jair Bolsonaro parece ter encontrado nos filhos os consultores favoritos.  
Mas nenhuma alteração no projeto da Nova Previdência foi acolhida com tanto entusiasmo quanto a supressão do tópico segundo o qual deficientes físicos e intelectuais deixariam de receber o benefício da pensão integral depois da morte dos pais. “Pedidos da primeira-dama são irrecusáveis e inadiáveis”, decretou o marido de Michelle. 
A voluntariosa mulher do presidente da República mostrou que não seria uma figura decorativa já no dia da posse, quando recorreu à Língua Brasileira de Sinais (Libras) para discursar antes do primeiro pronunciamento do novo presidente. O episódio incluiu Michelle no diminuto grupo das primeiras-damas que ultrapassaram a fronteira riscada por Eloá do Valle: “Política é coisa para os homens”, conformou-se a mulher de Jânio Quadros.
Darcy Sarmanho Vargas | Foto: Wikimedia Commons
A maioria das primeiras-damas adotou a doutrina da pouca interferência em questões políticas. Nem por isso escaparam de tempestades que não provocaram, e todas constataram que, no Brasil, o casamento com o nº 1 está longe de configurar um passaporte para o paraíso. Casada com Michel Temer, a paulista Marcela percorreu uma trajetória extraordinariamente menos atormentada que a imposta pelo destino à fundadora da linhagem. Livre de pequenos jornaleiros, pôde estabelecer uma rotina resumida numa capa da revista Veja: bela, recatada e do lar. Em contrapartida, a saga de Maria Thereza Goulart confirmou que o percurso entre o céu e o inferno, cronometrado pelo relógio da História, pode ser vencido num punhado de segundos. 
 Maria Thereza tinha 15 anos quando virou namorada do conterrâneo de São Borja que, a caminho dos 40, já fora ministro do Trabalho do governo Vargas e herdaria parte do espólio eleitoral de Getúlio. 
Ainda era adolescente quando se casou com o vice-presidente da República. Acabara de passar dos 20 quando a renúncia de Jânio Quadros a transformou em primeira-dama.
Michel Temer e  Marcela Temer (2016) | Foto: Beto Barata/PR
Foi a mais jovem, bela e injustiçada das primeiras-damas do Brasil. O rosto anguloso e a expressão tristonha de miss no desfile de despedida ornamentaram incontáveis capas de revistas e fizeram suspirar tanto figurões nativos quanto dignitários estrangeiros. 
Maria Thereza nem chegara aos 30 na madrugada de 2 de abril de 1964, quando soldados invadiram a Granja do Torto, onde vivia em Brasília, ordenaram-lhe que juntasse o que coubesse numa mala e a embarcaram rumo ao exílio. “Não sei o que foi feito dos meus vestidos, dos objetos pessoais, das minhas coisas”, lastimava Maria Thereza. 
Ela deixou o país sem saber do paradeiro do marido, que reencontraria dias depois no Uruguai. Ela contaria mais tarde que Jango ignorou sistematicamente o apelo que formulou ainda nos tempos de noiva e repetiu até as vésperas da viuvez, consumada em 1976: ela só queria que o marido deixasse de ser mulherengo.
Esse traço comportamental talvez tenha sido a única semelhança entre João Goulart e Jânio Quadros. Ao contrário do gaúcho introvertido, o sul-mato-grossense de Campo Grande amava fantasiar-se de marido exemplar. “Eloá manda em mim”, jurava em público o homem que, sem desconhecidos por perto, jamais perdeu chance alguma de justificar a fama de priápico.  
Nesse quesito, como atestam anotações nos diários de Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas, Jânio honrou a linhagem dos chegados a uma aventura extraconjugal. A gaúcha Darcy, com discrição de mineira, reagia com longos períodos de mudez à descoberta de furtivas incursões do marido por alcovas cujo endereço figurava entre os segredos de Estado. A mineira Sarah, com impulsividade gaúcha, explodia em bíblicos acessos de cólera, sobretudo depois que soube da paixão de JK pela socialite Lúcia Pedroso.

A antropóloga Ruth Cardoso foi a única da estirpe com profissão definida, luz própria e mente brilhante, singularidades que explicam a rejeição do título que lhe parecia depreciativo

Entre 1930 e 1964, a única primeira-dama dispensada de surtos de ciúme foi Carmela Telles. Ao casar-se com o tenente Eurico Gaspar Dutra, aquela viúva de 30 anos já era mãe de dois filhos e abrigava na cabeça a ideia que rimava com o apelido que a canonizou em vida: Dona Santinha. Ela não descansou até conseguir que o marido, em abril de 1946, decretasse o fechamento de todos os cassinos no Brasil. Foi o desfecho da conspiração arquitetada por amigas carolas, padres, bispos e outras autoridades eclesiásticas que visitavam o Palácio Guanabara quase toda noite. Eram tantos e tão assíduos que a residência oficial do presidente ficou com cara de palácio episcopal.

Aberto pelo viúvo Humberto de Alencar Castello Branco, o ciclo dos generais-presidentes ressuscitou a figura da primeira-dama em 1967, com a posse conjunta de Arthur e Iolanda Costa e Silva. A paranaense extrovertida e saliente usou o tempo gasto com gente fardada no convívio com ricaços ansiosos por uma audiência com o presidente. De março de 1967 a 28 de agosto de 1969, a tramitação de um pedido a Costa e Silva foi encurtada por colares, pulseiras ou brincos. Essa via rápida para o Planalto foi obstruída pelas também gaúchas Scylla Médici e Lucy Geisel, uma soma de duas introversões que resultou em dez anos de silêncio. O barulho recomeçou em 1979 com a ascensão do casal João e Dulce Figueiredo. Ela fazia de conta que não sabia das escapadas noturnas do marido: tão logo Dulce embarcava para uma festa no Rio, Figueiredo driblava o esquema de segurança cavalgando motocicletas e desaparecia na noite de Brasília.  
Foi assim que Figueiredo se transformou no único presidente que produziu um filho fora do casamento enquanto tentava governar o país. 
Em contrapartida, Dulce foi a única primeira-dama que dançou com o ator Omar Sharif.
Ex-primeira dama Dulce Figueiredo | Foto: Divulgação
As diferenças entre as sucessoras de Dulce Figueiredo confirmaram que não há uma só receita de primeira-dama. Marly Sarney ficou cinco anos no cargo sem que a alma e a cabeça saíssem do Maranhão
Mulher do carioca Fernando Collor, que via no Brasil uma versão agigantada de Alagoas, Rosane Malta transformou a Casa da Dinda, onde morou em Brasília, numa extensão da Canapi em que nascera, e alternou contrafações de lua de mel com brigas conjugais de assustar o mais feroz dos cangaceiros. 
A antropóloga Ruth Cardoso foi a única da estirpe com profissão definida, luz própria e mente brilhante, singularidades que explicam a rejeição do título que lhe parecia depreciativo. “Primeira-dama é uma caricatura do original americano, esse cargo não existe”, ensinou a paulista de Araraquara que concebeu o conjunto de ações enfeixadas no programa Comunidade Solidária. A mulher de Fernando Henrique Cardoso nem precisou pedir ao marido que fizesse algo. Bastou que FHC a deixasse agir.

Leia também “Vidas suspensas”

Leia também Casadas com o poder(última parte). Só que agora, lamentavelmente,  vamos ler sobre Janja.]

[Graças a DEUS, Augusta Nunes nos poupou a perda de tempo de ler sobre Janja.]

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

 

terça-feira, 5 de março de 2019

O desfile histórico da Mangueira

Carnaval


Está para se ver no Rio ou fora dali desfile de uma escola de samba mais politizado, crítico e polêmico do que foi o da Mangueira que terminou nesta terça-feira quando o dia começava a raiar.  Embalado pelo mais feliz samba-enredo deste ano, a escola exaltou personagens com pouco ou nenhum lugar na história do país, e afrontou outros tratados como heróis pela história oficial. Sobrou para Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, chamado de O Pacificador, patrono do Exército. Para a Princesa Isabel, a Redentora, que assinou a lei que acabou com a escravidão.  Sem falar do padre jesuíta espanhol José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil e suposto protetor dos índios, fundador da cidade de São Paulo, feito santo pela Igreja Católica em 2004.
“Brasil, meu nego/ Deixa eu te contar/ A história que a história não conta/ O avesso do mesmo lugar/ Na luta é que a gente se encontra”, cantou Mangueira, e a partir daí reescreveu a história do país.

Duque de Caxias, Anchieta e o marechal Floriano Peixoto foram apresentados dançando sobre corpos de índios e de escravos mortos e ainda ensanguentados.
A escola debochou do marechal Deodoro da Fonseca, o monarquista que derrubou o Império e proclamou a República enquanto o povo, bestificado, a tudo assistiu sem nada entender. Debochou também de Pedro Álvares Cabral, que a história consagrou como o descobridor do Brasil, e de Dom Pedro I, que declarou o Brasil independente de Portugal às margens do rio Ipiranga.

A bandeira brasileira trocou de cores. O verde cedeu lugar à rosa e ocupou
 o lugar do azul.  O dístico Ordem e Progresso foi substituído por Índios, Negros e Pobres.  Um carro alegórico, manchado de sangue e pichado com a palavra “assassinos”, reproduziu o monumento que em São Paulo homenageia os bandeirantes, caçadores de índios e de escravos.
O carro que fechou o desfile trouxe a pichação “Ditadura assassina” e como destaque a jornalista Hildegard Angel, filha da estilista carioca Zuzul Angel, morta pela ditadura militar de 64.
 

A saída da escola da avenida foi marcada pelo acenar de gigantescas bandeiras com o rosto da vereadora Marielle Franco, do PSOL, executada no centro do Rio vai fazer um ano.
Está bom ou quer mais? Se perdeu o desfile, pode vê-lo aqui. 
 

Blog do Noblat - Veja

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O eleitor de Bolsonaro - Bolsonaro vence nas regiões Norte - Centro-Oeste e Sudeste

“Bolsonaro vence nas regiões Norte/Centro-Oeste (33%) e Sudeste (31%), mas começa a perder influencia no Sul do país, onde caiu de 38% para 30%. Perde feio no Nordeste para Haddad”

Qualquer que seja o resultado das eleições, a candidatura de Jair Bolsonaro é um fenômeno a ser estudado, por romper velhos paradigmas e afrontar o “politicamente correto”. Apesar do seu caráter disruptivo, do ponto de vista ideológico, frustra o surgimento de uma “nova direita” liberal-conservadora e assinala a recidiva da “velha direita” intervencionista e nacionalista, inspirada no antigo regime militar. Se quisermos traçar um paralelo histórico, somente dois militares governaram o país constitucionalmente: Floriano Peixoto (1891-1894) e Eurico Gaspar Dutra (1946-1950). Eram rechonchais e chegaram ao poder depois de uma longa carreira militar, ao contrário do ex-capitão do Exército, que trocou a caserna pelo parlamento.

Alagoano de Ipioca, Floriano Peixoto (1839-1895), o Marechal de Ferro, foi o segundo presidente da República, sucedendo Deodoro da Fonseca (1827-1892). Durante o governo provisório, em 1890, foi ministro da Guerra; no ano seguinte, foi eleito vice-presidente. Com a renúncia de Deodoro, assumiu a presidência em 23 de novembro de 1891. No poder, diminuiu os impostos, os preços dos produtos e dos aluguéis, o que lhe garantiu apoio popular, mas governou a maior parte do tempo com o país em “estado de sítio” e descontentou a elite política e econômica, principalmente os liberais e a elite cafeeira. Derrotou a Revolução Federalista (1893-1895), no Rio Grande do Sul, e a Revolta da Armada (1893), rebelião liderada pela Marinha, no Rio de Janeiro, que reprimiu duramente. Ao final de seu mandato, em 15 de novembro de 1894, se afastou da vida pública e passou o poder para o presidente eleito, Prudente de Moraes (1841-1902).

Natural de Cuiabá (MT), Eurico Gaspar Dutra (1883-1974) governou o país em 1946-1951. Pautado pela Guerra Fria, seu governo foi caracterizado pela perseguição aos comunistas, pela proibição dos jogos de azar e pela aproximação com os EUA. Era ministro da Guerra de Vargas, em 1936. Apesar de defender o apoio às potências do Eixo, Dutra foi o organizador da Força Expedicionária Brasileira (FEB), enviada para lutar na Itália, ao lado dos Aliados, na Segunda Guerra Mundial. Acabou escolhido pela oposição para ser o candidato à Presidência. A deposição de Vargas por um golpe militar assegurou a eleição de Dutra. Foi sucedido por Getúlio Vargas (PTB), que derrotou o brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), outro líder militar da época, e Cristiano Machado (PSD), e voltou ao poder consagrado pelas urnas. Até morrer, Dutra manteve influência no Exército, fazendo parte da Arena durante o regime militar.

Os votos
Bolsonaro protagoniza o ressurgimento de uma direita com votos, o que não acontecia desde a eleição de Fernando Collor de Mello, em 1989. Lidera a disputa eleitoral, sobretudo entre os jovens. Está em empate técnico com Fernando Haddad (PT) nas faixas etárias de 35 a 44 anos e acima de 55 anos. Entre os homens, é líder absoluto, com 35%; apesar da grande rejeição, entre as mulheres está empatado com Haddad. Lidera disparado entre os eleitores de maior escolaridade (ensino médio e superior), mas perde feio para o petista, ex-ministro da Educação, no eleitorado de baixa escolaridade. 


 Com exceção dos que têm renda abaixo de um salário mínimo, que votam em Fernando Haddad, provavelmente por causa do Bolsa Família, a liderança de Bolsonaro cresce progressivamente na medida em que aumenta a renda, passando de 26% dos eleitores que recebem de um a dois salários mínimos para 42% dos que recebem acima de cinco salários mínimos.  Em termos geográficos, é avassaladora a vantagem de Bolsonaro nas regiões Norte/Centro-Oeste (33%) e Sudeste (31%), mas começa a perder influencia no Sul do país, onde caiu de 38% para 30%. Perde feio no Nordeste para Haddad, que tem 38% das intenções de votos. Bolsonaro tem 34% de apoio entre os evangélicos e 29% entre outras religiões, mas está ligeiramente ultrapassado por Haddad entre os católicos (25% a 24%). Tem larga vantagem entre os eleitores brancos (33%), ligeira vantagem em relação a Haddad entre os negros e pardos (25% a 24%) e perde entre os demais, também para Haddad, por 28% a 25%.

Apesar de liderar as pesquisas de opinião, a rejeição a Bolsonaro subiu para 46% dos eleitores e chega a 50% entre as mulheres. Esse é o seu calcanhar de Aquiles, que está sendo explorado pelos adversários, principalmente o tucano Geraldo Alckmin, que aposta na desconstrução da imagem de Bolsonaro. Entretanto, quem se aproxima de Bolsonaro é o petista Fernando Haddad. Na pesquisa do Ibope de segunda-feira, que aqui serviu de referência, pela primeira vez Bolsonaro deu sinais de estagnação, permanecendo no mesmo patamar de 28%, enquanto o petista subiu de 19% para 22%. Ciro manteve-se em 11%, Alckmin oscilou de 7% para 8% e Marina, de 6% para 5%. Apesar da volatilidade do cenário eleitoral, a resiliência de Bolsonaro é um fato.

Nas Entrelinhas - Blog Luiz Carlos Azedo - CB
 

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Presidente diz, com razão, que é preciso tomar cuidado com inclinação para o autoritarismo

No ato em comemoração à Proclamação da República, Temer lembra as tentações autoritárias que nos rondaram e ainda nos rondam

O presidente Michel Temer transferiu nesta terça, simbolicamente, o seu governo para a cidade de Itu, no interior de São Paulo, onde se realizou, em 1873, a primeira convenção em favor da República. É claro que o presidente estava, com o gesto simbólico, saudando a República, proclamada no dia 15 de novembro de 1889, mas resolveu fazê-lo sem jogar conversas ao vento. Aliás, de todos os nossos hinos, apesar do “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”, o da República é o que mais me incomoda. Foi publicado no Diário Oficial em 1890, ano seguinte à Proclamação. E há lá um trecho inacreditável, a saber: Nós nem cremos que escravos outrora
Tenha havido em tão nobre País…
Hoje o rubro lampejo da aurora
Acha irmãos, não tiranos hostis.
Somos todos iguais! Ao futuro
Saberemos, unidos, levar
Nosso augusto estandarte que, puro,
Brilha, avante, da Pátria no altar!

Como é? “Nós nem cremos que escravos outrora/ tenha havido em tão nobre país”? Outrora? A escravidão acabara havia dois anos. E como é que “nós não cremos”? Tanto cremos que a escravidão, embora oficialmente extinta, perdurou na prática por muito tempo e, como afirmou Joaquim Nabuco, abolicionista, monarquista e liberal, “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Permaneceu. E, em muitos aspectos, permanece ainda.

Muito bem! O que isso tudo tem a ver com Temer?
Ao discursar em Itu, o presidente afirmou que o país tem certa tendência “a caminhar para o autoritarismo”. Disse mais: “Se nós não prestigiarmos certos princípios constitucionais, a nossa tendência é sempre caminhar para o autoritarismo, para uma certa centralização. Nós, o povo brasileiro, temos até, digamos, uma certa tendência para a centralização”.

E então não é verdade? Temer está coberto de razão. Nenhum país nasce vocacionado para a democracia e a grandeza. Isso é coisa de hino. A depender de sua história, determinados valores terão mais importância ou menos. Do ponto de vista administrativo, a herança portuguesa nos deixou o apreço pela centralização e pela burocracia. Estão nas nossas raízes. Mas já poderíamos ter feito algo diferente do que fizeram de nós. E, no entanto, no que concerne ao amor pelo autoritarismo, andamos bastante errado ao longo dos tempos.

Querem ver? Um dos períodos considerados fundadores do país e da política contemporânea é, pasmem!, o Estado Novo. Entre 1937 e 1945, vivemos sob um regime policial que prendeu, matou, esfolou. Getúlio Vargas havia chegado ao poder em 1930. Logo, ficou 15 anos no poder, dos quais menos de três sob os auspícios de uma Constituição de 1934. Portanto, a ditadura getulista não durou apenas oito anos, mas mais de 11.

E, no entanto, o homem é saudado como um verdadeiro “Pai da Pátria” em razão de algumas leis que fez aprovar em plena ditadura — e, entre elas, está justamente a Consolidação das Leis do Trabalho, mudada no governo Temer. O Estado Novo foi o período institucionalmente mais violento da República. Não obstante, Getúlio é saudado pelas esquerdas como um inspirador das lutas nacionalistas e trabalhistas. Retornou ao poder, pelas urnas, em 1951 e se mata em 1954. A frase dura a ser dita é a seguinte: na ditadura, matou em penca; na democracia, se matou.

Dez anos depois, aconteceu o golpe militar de 1964, do qual, curiosamente, também foi personagem, é bom que a gente se lembre. João Goulart era um herdeiro político seu. Se é fantasiosa, e é, a história de que preparava um golpe para transformar o país numa república sindical, de que o Partido Comunista seria o esteio, é absolutamente verdadeira a afirmação de que nunca entendeu o regime democrático e que levou a desordem para dentro do governo.

E, veio, então, o golpe militar em favor justamente da ordem. Como esquecer, de resto, que foi um golpe a inaugurar a República, liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca? A ele no poder se seguiu outro, este com a alcunha de “O Marechal de Ferro”: Floriano Peixoto. O primeiro presidente civil será o ituano Prudente de Moraes, que assume em novembro de 1894, cinco anos depois do golpe da República.

Olhem o quadro eleitoral que temos pela frente, tudo o mais constante. O candidato que lidera as pesquisas de opinião é Luiz Inácio Lula da Silva. Seu partido ficou 13 anos no poder. Sim, governou segundo as regras da democracia, mas buscou se estruturar como partido único. O PT se organizou para tornar irrelevantes os mecanismos de alternância de poder. Mensalão e petrolão foram mais do que simples assaltos aos cofres públicos. Eram uma forma de entender o poder. Lula se considera uma versão atualizada de Getúlio — não, claro!, do líder fascistoide, mas daquele que seria o pai do povo. Seu oponente mais próximo nas pesquisas é Jair Bolsonaro, que reivindica, ainda que de forma imprópria, a herança da ditadura militar.

Tendência ao autoritarismo, sim, infelizmente! A República antifederativa inaugurada em 1930, com Getúlio, está aí, com a sua tendência à centralização. Sim, é preciso tomar muito cuidado. O início da República traz a marca da crueldade. Como esquecer que, entre1896 e 1897, ela travou a sua maior batalha armada, em Canudos, contra uma horda de miseráveis, analfabetos, e vítimas da miséria.  A Guerra de Canudos matou ao menos 20 mil revoltosos e cinco mil soldados. Tinha-se a fantasia, útil para a época, de que se tratava de um movimento monarquista, que ameaçaria a República. Não! Era só um dos gritos que a miséria e a exclusão dão de vez em quando. Morreram a tiros, degolados, queimados.  Sim, há paixões renitentemente autoritárias no pais. A própria Lava Jato, com sua tendência de primeiro atirar para depois perguntar quem vem lá, dá testemunho disso. E Temer faz bem em chamar a atenção para elas.

Blog do Reinaldo Azevedo 

 

 

 

 

domingo, 17 de setembro de 2017

Quem “matará” os facínoras? Como o Brasil foi parar nas mãos dessa turma de delinquentes

terça-feira, 11 de julho de 2017

Adeus, Temer. E depois?

Impeachment deu a falsa ilusão de que tudo estaria resolvido com a mera substituição do titular do Planalto

Não há na nossa história republicana nenhum caso de um presidente que tenha tido uma agonia política tão longa como a de Michel Temer.

No início da República, Deodoro da Fonseca, após ter fechado o Congresso Nacional, permaneceu mais uma quinzena no poder antes de ser obrigado a renunciar, após a rebelião da Marinha, entregando o governo a Floriano Peixoto. Mais de meio século depois, Getúlio Vargas resistiu 19 dias até a tragédia do 24 de agosto de 1954.  A crise de novembro de 1955 foi resolvida no próprio mês, mesmo tendo três presidentes em um curto espaço de tempo.

Já em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, em duas semanas, fundamentalmente, foi possível encontrar uma solução para o impasse sucessório. Três anos depois — e, neste caso, com a decisiva presença militar — em alguns dias foi construída uma nova situação política.  Agora, mesmo tendo instituições um pouco mais sólidas do que nos momentos históricos citados, nada indica que seja possível encontrar, a curto prazo, um caminho que retire o país da mais profunda crise da nossa história.

Com a redemocratização, foi construído um estado democrático de direito que não conseguiu lançar os fundamentos de uma República democrática. Pelo contrário, a institucionalidade acabou — graças à sua complexidade e ausência de controle público — dando guarida segura àqueles que conspiraram sistematicamente contra os valores republicanos. O que deveria servir como um instrumento de defesa da cidadania acabou, ao longo de três décadas, sendo utilizado para garantir legalmente — por mais paradoxal que pareça — uma República apodrecida pela corrupção.

Os republicanos passaram por diversos momentos de desilusão política. A cada aparente ruptura, vinha — em seguida — a desilusão. E isso desde o 15 de novembro de 1889, passando por 1930, 1945, 1964, 1985 e, especialmente para a conjuntura que vivemos, 1988 e a sua “Constituição cidadã.”  De Saldanha Marinho, lá no início do governo Deodoro, até a atual sociedade civil — participante, ativa, que transformou as redes sociais em instrumentos de combate político — todos dizem que não vivemos na República dos nossos sonhos.

A cada dia fica mais profundo o fosso que separa o cidadão comum da elite dirigente — elite dirigente, entenda-se, dos Três Poderes da República.  O poder continua petrificado, de costas para a sociedade. Não quer saber de mudança. Quer manter, na essência, tudo como está. Basta recordar que estamos a cerca de um ano das eleições presidenciais e nada indica que haverá uma profunda alteração do que vivemos no processo eleitoral de 2014.

Ou seja, teremos o habitual jogo sujo, com os mesmos partidos políticos, com os marqueteiros de sempre, os eternos candidatos e os ridículos debates. E no segundo turno, se houver, teremos dois candidatos representando frações eventualmente distintas do grande capital.  E a cidadania? Ah, esta pouco importa — ou melhor, importa só como eleitor, naqueles segundos em frente à urna eletrônica.  Desta forma, a crise do governo Temer é muito mais profunda. Que o presidente não está à altura do momento histórico, disso não há dúvida. Poderia liderar o país até o processo eleitoral de 2018, mas se apequenou, seduzido pelas benesses financeiras do poder. Resta agora, desesperadamente, se manter à frente do governo, manobrando da forma mais vil. 

Contudo, nada indica que deva permanecer até 31 de dezembro de 2018. [???] Mas se o problema fosse somente Michel Temer, tudo poderia facilmente ser resolvido. A questão é mais complexa, é estrutural.  Não estamos passando por uma crise política, o que não é pouco, como tantas outras na História do Brasil. Agora há uma crise sistêmica que atinge os Três Poderes.  Temer, Lava-Jato, JBS, Dilma, Odebrecht, Lula, Aécio et caterva são faces conhecidas de um sistema que entrou em colapso.

O processo do impeachment deu a falsa ilusão de que tudo estaria resolvido com a mera substituição do titular do Palácio do Planalto. Ledo engano. Tanto que, no “novo governo”, grande parte da base parlamentar é a mesma da antiga situação e, inclusive, teve e ainda tem no Ministério Leonardo Picciani, que votou contra a autorização para a abertura do processo contra Dilma Rousseff.  Entre as principais forças políticas com representação no Congresso, há um relativo consenso de que tudo o que ocorreu nos últimos anos não passou de mero acidente de percurso. Algo inevitável, típico de uma jovem democracia.

Insistem na falácia de que as instituições estão funcionando, mesmo em meio aos escândalos que transformaram o Brasil no país mais corrupto do mundo ocidental. É a velha conciliação, sempre presente na nossa história, principalmente nos momentos de tensão política.  Desta vez, dada a profundidade e magnitude temporal da crise, é provável que a conciliação fracasse. Isso só poderá ocorrer se a sociedade civil tiver uma ação ativa e propositiva. E aí mora um dos problemas. Fazer o quê? Como? Quais são as propostas? De que forma encaminhá-las? Como combinar a institucionalidade vigente com ideias de reorganização do aparelho de Estado? E de que forma construir o novo em meio a uma estrutura arcaica, que impede as mudanças?

Michel Temer deve logo abandonar o Palácio do Planalto. Mas a crise sistêmica vai permanecer. Ela é muito mais profunda do que a mera substituição do presidente. E se for seguido o velho figurino brasileiro — o que é mais provável — permaneceremos em meio à turbulência nos próximos anos, com reflexos diretos na economia e na sociedade. [a "Constituição cidadã" tem o remédio adequado para sanar de vez com a crise; sua leitura atenta deixa claro ser constitucional uma INTERVENÇÃO MILITAR, sendo adequado até mesmo denominar tal ação de INTERVENÇÃO MILITAR CONSTITUCIONAL.
É um caminho que a Constituição vigente oferece e deve ser seguido.]

Fonte:  Marco Antonio Villa,  historiador

CONHEÇA MAIS SOBRE A LEGALIDADE DE UMA  INTERVENÇÃO MILITAR CONSTITUCIONAL




O objetivo que tenho em mente é fazer uma provocação ao mundo jurídico sobre a melhor interpretação  que pode se dar ao artigo 142 da Constituição Federal, frente  aos recentes escândalos  levados à apreciação jurisdicional envolvendo políticos, autoridades governamentais e empresários.

As opiniões divergentes que andam por aí não têm a cientificidade que o caso requer. Delas não participaram as melhores cabeças jurídicas. A tendência majoritária dos próprios militares é no sentido de que a intervenção  com destituição da Presidenta da República não teria amparo jurídico. Isso também os têm levado, em grande parte, a apoiar o processo de impeachment, que, com certeza não seria a saída mais inteligente, com  o país sendo reentregue à sua pior escória  política, no caso, com a complacência, omissão e cumplicidade das Forças Armadas, que teriam se recusado a usar previamente da  prerrogativa constitucional que se lhes assiste.

Mas em grande parte a confusão e o errôneo entendimento se dá não só na interpretação do disposto no citado artigo 142 da CF, mas também quando combinado com a Lei Complementar Nº 97, de 1999, que  “pretende” regulamentar  tal  dispositivo constitucional. A lei complementar “avança-o-sinal” e dispõe sobre matéria para a qual não está autorizada, modificando - e não só regulamentandoo artigo 142 da Carta Magna, o que é inadmissível no ordenamento jurídico pátrio. Com a palavra os nossos “doutos”.

Para início de conversa, o art. 142 da Carta preceitua que  “AS FORÇAS ARMADAS...................... DESTINAM-SE À DEFESA DA PÁTRIA, À GARANTIA  DOS PODERES CONSTITUCIONAIS E, POR INICIATIVA DE QUALQUER DESTES, DA LEI E DA ORDEM”.  Trocando esses  dizeres constitucionais em miúdos, significa dizer que as Forças Armadas devem intervir por iniciativa de qualquer um dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), tão somente para manter a LEI e a ORDEM. Nas hipóteses outras, ou  seja, DEFESA DA PÁTRIA e GARANTIA DOS PODERES CONSTITUCIONAIS, não será preciso provocação de nenhum dos Três Poderes, podendo as Forças Armadas, por via de consequência, agirem por motivação, decisão e ação próprias.

Resumidamente: As Forças Armadas podem intervir, com base no artigo 142 da Constituição para  DEFESA DA PÁTRIA e GARANTIA DOS PODERES CONSTITUCIONAIS, se ameaçadas ou violadas. Esse “julgamento” somente compete às Forças Armadas, sem qualquer interferência, seja  dos Poderes Constitucionais, seja de qualquer outro.

A “coisa” poderia mudar de figura frente ao disposto no artigo 15 da Lei Complementar Nº 97/99. Porém poderia mudar de figura se essa lei “tivesse” validade e não violasse a Constituição que regulamenta.  Talvez nunca tenha havido discussão judicial a respeito porque o problema é novo e jamais foi suscitado, por desnecessário.  Mas agora é. E urgente, antes que se faça “besteira”. E a “besteira” pode ser realizada  após 15 de março próximo, já que tal mobilização tende para o “impeachment”, sob a atenta  “torcida” do  PMDB.

 Ao que tudo indica, "descobriram” esse  risco (intervenção militar) só bem mais tarde. A Constituição é de 1988. O parágrafo primeiro do seu artigo 142 estabeleceu que a regulamentação do “caput” desse artigo dependeria de “lei complementar”. Ora a tal “lei complementar”  só   veio a ser expedida em 1999, ou seja, 11 anos após a Constituição. Foi tanta a demora, que é de se supor que os parlamentares  novos e antigos tenham “esquecido” dos limites a que estavam sujeitos para a missão de regulamentar  o dispositivo constitucional (art.142).

Aí eles mudaram a Constituição. Deram ao Poder Executivo  prerrogativas muito além do previsto na Constituição, em detrimento, é claro, dos Poderes Legislativo e Judiciário, infringindo a ConstituiçãoPor tal Lei Complementara INTERVENÇÃO MILITAR só poderá acontecer se “aprovada” e “acionada” pelo Presidente da República. Mas, pergunta-se agora, e se  a autoridade infratora, ou seja, o “réu”, se confundir com a pessoa do  Presidente da República?

E se for o Presidente da República o agente que atenta contra a “pátria” e os seus “poderes constitucionais”? Poderia se esperar que   ele mesmo mandasse  demiti-lo ou prendê-lo?
Que determinasse a ação das  Forças Armadas contra ele próprio?

Ora, Senhoras e  Senhores,  seria  estupidez essa interpretaçãoSignificaria configurar a tirania pura, que  apesar de tudo ,ainda nos negamos a aceitar, embora a  presença de muitos dos seus  traços mais    marcantes. A Lei Complementar   97, portanto, é flagrantemente inconstitucional. E se as entidades competentes para propor  a respectiva ação direta de inconstitucionalidade  ficaram “dormindo” e nada fizeram até hoje, não significa, evidentemente, validação do dispositivo questionado, e que a situação não possa ser levada  a qualquer momento  à apreciação de juiz.

E dito artigo dessa lei complementar também não poderá impedir que seja cerceado o direito constitucional das Forças Armadas  de intervirem, por iniciativa própria, para DEFESA DA PÁTRIA e GARANTIA DOS PODERES CONSTITUCIONAIS.

Urge, por conseguinte, colocar luzes jurídicas sobre a INTERVENÇÃO MILITAR, da mesma forma que já existe, com  fartura,  em relação ao IMPEDIMENTO (impeachment). Mas o “impedimento”, na verdade, não seria tão “traumático” ao poder político, quanto a “intervenção  militar” porque  com certeza meramente seriam trocadas as “moscas”.
Reformas profundas mesmo somente mediante o IMPEDIMENTO, pelas  razões  e procedimentos que já expus em texto anterior , ao qual me reporto, e que o presente artigo pretende complementar. 

Por: Sérgio Alves de Oliveira, Advogado e Sociólogo.