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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Obrigar o presidente a comparecer à PF pode ser lido como provocação

Alexandre Garcia

A obrigatoriedade de um presidente da República de comparecer pessoalmente diante de um delegado da Polícia Federal, na última sexta-feira (28/1), pode ser incluída em um conjunto de provocações

Nessa segunda-feira (1/2) reabriu o Judiciário, neste ano eleitoral. O "reabriu" é relativo, porque o voluntarismo de alguns ministros os fez receber, mesmo nas férias, os costumeiros pedidos de pequenos partidos para incomodar o governo. O presidente Fux, na posse, um ano e meio atrás, havia se queixado de que o Supremo tem sido usado em ações políticas, que deveriam ser resolvidas nos plenários próprios, do Legislativo. E pediu que isso fosse evitado. Mas, desta vez, não tocou no assunto em que foi vencido. Falou, sim, do império da lei, da higidez da Constituição e da liberdade de imprensa e que não há espaço para ações contra a democracia. Será que estava de novo alertando o próprio tribunal?

E, entre as primeiras pautas do Supremo, estão as federações de partidos, inventadas porque as coligações foram proibidas, e é preciso saltar por cima da cláusula de barreira que pega os nanicos
outro tema será a data de início para contar a inelegibilidade de oito anos da Lei da Ficha Limpa, outra hipocrisia igual à primeira, porque o próprio Supremo já lavou a ficha de condenado em três instâncias que é hoje candidato, e não devemos esquecer que foi um presidente do Supremo que presidiu o julgamento no Senado que ad hoc afastou da Constituição a inelegibilidade por oito anos da presidente condenada. [só que o eleitor mineiro recusou,anulando a suprema decisão, quando não votando na  presidente escarrada.]

Se isso acontece em relação a um lado da principal disputa eleitoral, o contrário acontece em relação ao outro lado. São evidentes as ações para fustigar o candidato à reeleição. A obrigatoriedade de um presidente da República de comparecer pessoalmente diante de um delegado da Polícia Federal, na última sexta-feira, pode ser incluída em um conjunto de provocações. O tal "vazamento" do inquérito dos hackers no TSE se refere a documentos distribuídos aos deputados pelo relator da Comissão Especial da PEC do Voto Impresso, deputado Filipe Barros. A comissão aprovou a requisição à Polícia Federal e recebeu os inquéritos de invasão de computadores do TSE. Não havia sigilo sobre os documentos. O delegado federal que trabalhou no caso confirmou, em depoimento, que não havia sigilo no inquérito. Quando Bolsonaro se manifestou sobre a violação do sistema do tribunal, aí apareceu a versão do sigilo desrespeitado, corroborada pela delegada escolhida por Alexandre de Moraes para tocar o caso.

O assunto, de 2018, estava dormindo, mas a insistência do ministro Moraes despertou novamente a polêmica. O ministro Barroso foi a Portugal ver a eleição de domingo e postou, entusiasmado, que foi um show de organização e que ninguém questionou o resultado. O voto, lá, é de papel e posto na urna pelo eleitor.  
O mais difícil para alguns do TSE será deixar cristalina a isenção requerida para ser juiz. 
A ministra Cármen Lúcia recém participou de reunião política em São Paulo. 
Há poucos meses, oito do Supremo decidiram que o condenado duas vezes em três instâncias é elegível e é o principal adversário do candidato à reeleição, que tem sido hostilizado por juízes do mesmo tribunal, que integram o TSE. 
Tais juízes vão ter que fazer esforço para ganhar confiança do dono da eleição, que é o eleitor, que, certamente, tem acompanhado toda a movimentação dos que vão apurar o voto que é origem do poder.

 Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

DE OLHO NO TSE - Alexandre Garcia

Esta terça-feira (1º) é dia de reabertura do Judiciário, neste ano eleitoral. E entre as primeiras pautas, estão as federações de partidos, inventadas porque as coligações foram proibidas e é preciso saltar por cima da cláusula de barreira que pega os nanicos
- outro tema será a data de início para contar a inelegibilidade de oito anos da Lei da Ficha Limpa, outra hipocrisia igual à primeira, porque o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já lavou a ficha de condenado em três instancias que é hoje candidato, sem esquecer que foi o presidente do Supremo que presidiu o julgamento no Senado que baniu ad hoc da Constituição a inelegibilidade por oito anos da presidente condenada.

Não podemos nos queixar que estejam ocultando algo, porque claramente podemos acompanhar os movimentos. Tudo é feito em nossa cara, talvez na aposta de que não pensamos nem somos capazes de imitar os caminhoneiros canadenses. São evidentes as ações para fustigar o candidato à reeleição.

A obrigatoriedade de um presidente da República comparecer pessoalmente diante de um delegado da Polícia Federal na última sexta-feira (28), pode ser incluída no conjunto de provocações, como apreender o telefone celular do chefe de Estado, ou de impedi-lo de nomear um subordinado, ou de tornar pública reunião interna da Presidência, entre outras.

O tal “vazamento” do inquérito dos hackers no TSE não existiu, porque se refere a documentos distribuídos aos deputados pelo relator da Comissão Especial da PEC do Voto Impresso, deputado Felipe Barros. A comissão aprovou a requisição à Polícia Federal e recebeu os inquéritos de invasão de computadores do TSE. Não havia sigilo sobre os documentos. O delegado federal que trabalhou no caso confirmou, em depoimento, que não havia sigilo no inquérito.

O caso é de extrema gravidade, pois levanta preocupações do eleitor sobre a segurança da contagem de seu voto. Quando o presidente se manifestou sobre a violação do sistema do tribunal, aí apareceu a versão do sigilo desrespeitado, corroborada pela delegada escolhida por Alexandre de Moraes para tocar o caso.

O assunto, de 2018, estava dormido, mas a insistência do ministro Moraes despertou novamente a polêmica. Por que não emitir um comprovante, como fazem as maquininhas de cartões de crédito, como garantia de checagem, se houver dúvida? Seria tão simples. Por que ter medo disso? Além de tudo, o TSE comprou, em 2020, 180 mil urnas da Positivo, com entrada para impressora.  
 
Se as Forças Armadas vão acompanhar, a convite do TSE, certamente não será para endossar qualquer disfunção no cômputo dos votos. O mais difícil para alguns do TSE será deixar cristalina a isenção requerida em relação à disputa eleitoral.
 
 
 
Uma ministra do Supremo recém participou de reunião política em São Paulo. Há poucos meses, oito do Supremo decidiram que o condenado duas vezes em três instâncias, é elegível – e é o principal adversário do candidato à reeleição, que tem sido fustigado por juízes do mesmo tribunal, que integram o TSE. 
Vão ter que fazer um esforço sobre-humano para ganhar confiança do dono da eleição, que é o eleitor, que certamente tem acompanhado de rabo de olho toda a movimentação dos que vão apurar o voto que é origem do poder.
 
Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

domingo, 30 de dezembro de 2018

Não entre de otário na agenda bobalitária


O Governo Bolsonaro vai começar. Tudo indica que iremos nos irritar e nos divertir com o previsível show de horrores da oposição burra. A agenda do ativismo bobalitário será confrontada pela pauta conservadora de Bolsonaro. Ideólogos de esquerda vão apanhar mais que massa de pizza. Celebridades papagaias terão faniquitos. Mas os bolsonaristas não podem repetir, às avessas, o papo furado dos adversários (ou inimigos)... Por isso, o problema da ideologia merece um amplo debate/embate. Sobretudo, uma discussão baseada em um novo conceito que desenvolvemos em 2007. Vamos refletir sobre a “ideocracia”. Tal conceito vai muito além da conhecida, mas indevidamente estudada “ideologia”. 


E a ex-presidente, escarrada, foi demitida definitivamente pelo leitor mineiro da vida pública -  também seu amigo e colega de assassinatos, o aloprado Fernando Pimentel (tão sem noção que nos tempos de guerrilha quando tentava realizar um sequestro e foi atropelado pelo carro do 'quase' sequestrado.

O cara continua tão desgovernado que comunicou oficialmente seu não comparecimento à posse do Bolsonaro - qual a utilidade do futuro presidiário petista caso compareça ao evento?ser vaiado.)]

Ideocracia é a aplicação prática dos modelos ideológicos para a conquista e manutenção do poder. São Maquiavel sabe do que estamos falando...

Governado por “ideologias ou ideocracias fora do lugar”, o mundo parece um espaço reprodutor de erros e vícios, em que o ser nasce condenado, cresce sufocado e reprimido. Nele, o próprio ser violentado pratica a violência e reproduz a opressão do sistema. O ser se destrói existencialmente. Enfim, condena-se à morte em vida. E o ciclo de opressão e violência parece se perpetuar – como se fosse intrínseco ao ser humano. Será que é? Eis a questão.

As 
ideocracias nos fazem perder a noção da realidade objetiva. As verdades subjetivas distorcem as coisas, explicam falsamente a realidade e alimentam os conflitos individuais e coletivos. As ideocracias e suas ideologias, sempre com o intuito de “salvar o ser humano”, nascem e evoluem neste cenário de controle, dominação e manipulação. No fim das contas, as ideocracias e suas ideologias querem o poder. Não necessariamente o poder para a felicidade humana.

Para que servem as 
Ideocracias? As ideologias (conjunto de idéias)são usadas como mecanismos políticos de dominação, controle e manipulação das massas, através da padronização e simplificação das idéias. Já as ideocracias são os modelos ideológicos aplicados para a conquista e manutenção do poder. As ideocracias e suas idéias influenciam o meio “bio-psicossocial”. Atuam sobre a “vida” e a mente dos seres organizados socialmente. Ideologia é "um conjunto de idéias, pensamentos, doutrinas e visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas". O conceito de ideologia precisa ficar bem claro, para que seja compreendido seu emprego ideocrático.

Muitos autores definem ideologia como sinônimo de “visão de mundo”. Mas isto nem sempre é exato. Costuma-se conceituar visão de mundo como a perspectiva com a qual um indivíduo, uma comunidade ou uma sociedade enxergam o mundo e seus problemas, em um dado momento da história, reunindo em si uma série de valores culturais e o conhecimento acumulado daquele período histórico em questão. Mas as ideologias vão além da visão, sobretudo em um mundo controlado por oligarquias financeiras e seus restritos “clubes” de poder.  A ideologia é um fenômeno histórico-social decorrente do modo de produção. Karl Marx desenvolveu uma teoria da ideologia concebendo-a como uma forma de falsa consciência cuja origem histórica ocorre com a emergência da divisão entre trabalho intelectual e manual. É a partir deste momento, desta alienação, segundo Marx, que surge a ideologia. Ela é derivada de agentes sociais concretos (os ideólogos ou intelectuais), que tornaram autônomo o mundo das idéias. Desta forma, os ideólogos ou intelectuais teriam invertido a realidade.

De linha marxista, a filósofa Marilena Chauí caracteriza a ideologia como um mascaramento da realidade social que permite a legitimação da exploração e da dominação. “Por intermédio dela, tomamos o falso por verdadeiro, o injusto por justo”. Marx acreditava que a ideologia cria uma “falsa consciência” sobre a realidade que visa a reforçar e perpetuar a dominação. Já
Antônio Gramsci , conceitua que a ideologia não é enganosa ou negativa em si, constituindo qualquer ideário de um grupo de indivíduos. Não é à toa que os modelos de pensamento gramscianos se mostram tão adequados aos diferentes sistemas ideocráticos aplicados no mundo atual. Por sua vez, Louis Althusser retoma a linha original de Marx, definindo que a ideologia é materializada nas práticas das instituições. Desta forma, o discurso, como prática social, seria a “ideologia materializada” na prática.

Também de linha marxista, o psicólogo e sociólogo Erich Fromm sempre se mostrou profundamente impressionado pelo que ele via como uma poda da liberdade humana, pelo modo como as pessoas se submetiam, inconscientemente, a desempenhar papeis mecânicos dentro da sociedade exclusivista estruturada na ideologia do capitalismo. Vale conferir o conceito de Erich Fromm, exposto em seu livro "
A revolução da esperança por uma tecnologia humanizada(Círculo do Livro, São Paulo s/data. 190p.)":   "As ideologias são idéias formuladas para consumo público, satisfazendo a necessidade que todos têm de aliviar sua consciência culpada, na crença de que elas agem em favor de algo que lhes parece bom ou conveniente. As ideologias são mercadorias de pensamento já prontas, divulgadas pela imprensa, oradores e ideologistas a fim de manipular a massa do povo para finalidades que nada têm a ver com a ideologia, e que muitas vezes são exatamente o oposto”.

Erich Fromm pega na veia: “Essas ideologias são muitas vezes manufaturadas "ad hoc". Por exemplo, quando uma guerra é popularizada sendo descrita como guerra de libertação ou quando ideologias religiosas são usadas para racionalizar o status quo político”. Viram como é legal usar o raciocínio da esquerda contra ela própria?

A Oligarquia Financeira Transnacional, que controla o mundo, usa as ideologias do capitalismo, do socialismo, da globalização ou da “pqp” como melhor lhe convém para dominar as nações e exercer o poder do dinheiro. O grande desafio do mundo contemporâneo é entender os mecanismos ideocráticos e sua influência sobre os indivíduos e as sociedades. Quem ignorar a ideocracia será uma presa fácil de seus modelos ideológico. É bom ficar esperto, para não ser devorado pelas “ideocracias fora do lugar”.
Repito: São Maquiavel que nos ajude e guarde! Não merecemos ser feitos de otário pelas ideocracias e por seus agentes de ativismo, principalmente as estrelas artísticas e outras subcelebridades menos votadas.


PS – O artigo deste domingão é uma atualização do texto publicado neste Alerta Total em 14 de maio de 2007 – “Os perigos da Ideocracia”. 

Leia também o artigo de Renato Sant’Ana: Ativismo Agendado



sábado, 8 de abril de 2017

“A Corte Gilmar”? O estigma dos erros e os erros ao estigmatizar

Pedi ao jurista Lênio Luiz Streck que escrevesse uma contradita a artigo publicado no “Valor Econômico”, no dia 31, com críticas ao ministro e ao tribunal

No dia 31 do mês passado, o jornal “Valor Econômico” publicou um artigo da jornalista Maria Cristina Fernandes intitulado “A Corte de Gilmar e o Estigma dos Erros”. E, sim, havia erros em penca no texto. Para começo de conversa, ancora-se numa pesquisa da FGV que, lamento, pesquisa não é porque as conclusões, é visível, estavam prontas antes mesmo dos dados. Como se dissessem: “Gente, nós temos de fazer uma pesquisa que demonstre que…”. E se não demonstrar? Bem, que se faça outra! Até que, bem torturados, os dados confessem o que o inquisidor quer ouvir.
 
Pedi a Lênio Luiz Streck que escrevesse uma contradita para publicar no blog. Ex-procurador de Justiça, doutor em direito, membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional, escritor… Bem, acho que ele tem competência para tanto. E escreve com clareza.  O artigo segue abaixo. Longo, sim! Para ler com calma, reler, debater. Não se trata, que fique claro, de uma “defesa de Gilmar”. Até porque discordâncias de Lênio com o ministro saltam no texto. A leitura de fundo que faz o autor, todos sabem, é também a minha: a imprensa parou de dar bola para o estado de direito, para a letra da lei, e tem preferido substituir o rigor da área pela moral ou pela política.

O autor aponta com absoluta razão: se e quando um ministro do Supremo descumpre a lei, mas o faz em favor de vagas influentes de opinião, a heterodoxia ou o erro são aplaudidos. E pobre daquele que decidir seguir o que está escrito, mas na contramão do alarido! Está frito. Tenho em comum com Lênio o extremo conservadorismo em matéria constitucional e legal. Mais de uma vez o Supremo decidiu contra a letra explícita da Carta. 

E não se ouviu um pio. Ou alguém reclamou — pergunto eu, não o autor do artigo quando Roberto Barroso se aproveitou de uma mera concessão de habeas corpus para “legalizar” o aborto até o terceiro mês de gestação? Houve um silêncio sepulcral. Afinal, sabem como é, a tese é “progressista”. Atenção! Para um conservador em direito, pouco importa se o aborto é ou não aceitável. Ele vai indagar: “O que dizem os códigos legais?”. E pronto. Não dizendo nada, não cumpre ao meritíssimo atuar como Parlamento complementar ou alternativo.

Segue o artigo.
*
Leio artigo de Maria Cristina Fernandes no Valor Econômico (A Corte de Gilmar e o Estigma dos Erros), em que pega carona em livro publicado pela FGV (Onze Supremos) para criticar o ministro e o Supremo Tribunal Federal. Lembremos que, no Brasil, o STF só existe a partir do que a FGV diz sobre ele. Algo como “Deu no New York Times”. E a jornalista vai nessa. Pega os dados e interpreta trechos de um livro de mais de 300 páginas. Parece nitidamente que a falta de formação jurídica da jornalista prejudicou a matéria. De todo modo, nota-se nitidamente o objetivo: praticar o esporte preferido de parcela da imprensa e da comunidade jurídica: colocar a culpa de tudo o que acontece de ruim no direito e na democracia na conta do velho Supremo Tribunal; especialmente quando a culpa puder ser colocada em um de seus membros.

Críticas ad hoc têm apenas uma vantagem: como pedaços de velcro, pegam fácil em superfícies com maior aderência midiática.  Com tantas emoções e estatísticas constantes no livro “Onze Supremos”, da FGV, basta atirar a flecha e depois desenhar o alvo. O crítico nunca erra. Tem para tudo que é gosto. É como a brincadeira que Umberto Eco faz no livro Pêndulo de Foucault.  Parafraseio: se eu medir a distância entre a sede do Valor Econômico e a FGV e dividi-la por 3.533 e somar o valor de 3,1416 e, sobre o resultado, aplicar o número de páginas do livro subtraindo um número que tiro da cachola, dá… exatamente o número que eu quiser, porque as variáveis são minhas. Ou seja: sempre dá certo. Demonstrei isso na minha crítica aos números da FGV na questão do foro privilegiado (Conjur de 28.03.2017 – Supremo em Números não pode ser Números Supremos –  aqui).

O alvo
A jornalista escolheu como alvo principal, no caso, o Ministro Gilmar. Pelos números, poderia ter escolhido qualquer um. Aleatoriamente, é possível encontrar dezenas ou centenas de decisões, monocráticas ou não, criticáveis. De todos os ministros. Eu mesmo devo ter feito, só no Conjur, mais de 100 colunas apontando erros do STF. Ninguém no STF escapa de ter feito decisões contra legem e assim por diante. Qualquer Corte do mundo comete erros. Por aqui, alguém quer comparar o que se faz no primeiro e no segundo graus com o que se faz no Supremo? O STF é muito, mas muito mais garantidor de direitos que o restante do judiciário. Inclusive já demonstrei que, atualmente, o STF julga mais rápido que parcela considerável dos juízes de primeiro grau e do segundo grau.  Com a diferença de que, quando o STF julga, terminou. 

E quando o primeiro grau julga, o périplo somente inicia. Anos depois chega ao STF. Fiz essa comparação dias atrás na Revista Consultor Jurídico para mostrar que era falaciosa a afirmação de que o foro privilegiado gerava impunidade. Os números utilizados pela FGV para isso não diziam exatamente isso.

Qual é o problema? Simples. Para fazer uma crítica, tanto a FGV como a jornalista deveriam fazer uma coisa prosaica: elaborar conceitos operacionais. O que isto quer dizer? Explico: Se acuso um ministro de ativista, tenho de explicar, minimamente, o que entendo por isso, porque uma coisa é ativismo, outra é judicialização. A primeira sempre é ruim. A segunda, contingencial. Tenho feito essa crítica às críticas que fazem ao Supremo. Digam, primeiro, qual é o critério. Tragam os números e que não sejam ad hoc e tirados de ementas de julgados. Pesquisas devem conter o “fator ácaro”. Mexer com os autos. Cansar os olhos naquelas páginas em PDF que “pulam” na tela. Mas olhar tudo o que o processo contém. Caso contrário, dá vexame, como foi a última da FGV sobre foro privilegiado.

O STF e a sobrecarga
Todos sabemos dos problemas de uma Suprema Corte composta por onze ministros sobrecarregados de processos. Não foram eles que fizeram as leis lhes colocando nos ombros até mesmo a função de julgar habeas corpus de ladrões de galinha e ter que colocar na rua filhos de mães presas que deveriam ter sido liberados pelos juízes de primeiro grau. Quanto mais o primeiro e segundo graus se tornam punitivistas, mais o STF é chamado para conceder habeas corpus. Por vezes, o STF exagera pelo lado contrário, como quando negou a letra da Constituição no caso da presunção da inocência. Mas, neste caso, o que fez a imprensa? Apoiou o “ativismo do STF”. Sim: negar a letra da Constituição é fazer ativismo. Mas pouco se disse sobre isso.

De novo, qual é o problema? Simples. Porque o STF “é bom” quando julga a nosso favor. Ele “é bom” quando julga de acordo com as sereias (a maioria – lembremos sempre de Ulysses e o canto das sereias). Mas, quando se coloca como freio às maiorias, é amaldiçoado. Pois seria justamente quando se coloca como remédio contra as maiorias (inclui-se, na formação da maioria, a imprensa) é que o STF deveria ser elogiado. Mas, não. Aí é que leva paulada. O STF é bom — e a imprensa gosta — quando o decano dá entrevista no shopping sobre um tema em julgamento. Por que “é bom”? Porque o que ele lá disse agradou à maioria. Mas é ruim quando um Ministro diz coisas que desagradam a setores da imprensa. Há ministros que falam todos os dias sobre qualquer assunto. E não recebem críticas. Por quê? Porque o assunto agrada os interlocutores, ouvintes, leitores e telespectadores. Mas, quando o assunto desagrada, vem a frase: juiz só deveria falar nos autos. Concordo, desde que a regra valha para todos. Para todos os ministros, todos os juízes, todos os procuradores da Repúblicas (inclui-se, aí, o power point, se me permitem a ironia).

Como falei, o alvo da jornalista é Gilmar. E elenca decisões por ele dadas. Sou insuspeito nesse quesito “críticas” ao STF. Há quantos anos faço isso, com a diferença de busco ser coerente!? Se pegarmos o “caso Gilmar”, errou no caso da liminar impedindo a posse de Lula. Tão coerente deve ser um crítico que, quando uma juíza impediu Moreira Franco de assumir um ministério, elogiei o STF que derrubou a liminar impeditiva. E assim por diante. Mas minhas críticas e elogios não são ad hoc e nem espiolhadas de um conjunto de centenas de decisões dadas por onze ministros. Se existem Onze Supremos, multiplica-se a possibilidade de erros. E de acertos. Mas, de novo: acerto para quem? O acerto para um pode ser um erro para outra parte.

Critérios
Como evitar críticas ad hoc? Simples: Construindo critérios que servem para todos os julgados. À falta de conceitos operacionais acerca do que, de fato, a jornalista quer(ia) dizer e o que as pesquisas da FGV querem demonstrar, o que se faz é política com os números e com os resultados. Exatamente isso: críticas políticas. Portanto, tudo o que estão falando está fora do direito. Isso pode ser visto com a mira da matéria sobre Gilmar e o IDP, assunto que volta a todo momento. Há milhares de juízes dando aula em cursinhos que nem chegam perto da qualidade do IDP. Que é uma Faculdade e tem programa de Mestrado com docentes respeitabilíssimos. E alunos que publicam trabalhos sérios. 

Não tenho procuração, mas os professores de lá podem até falar sobre isso. Enfim, trata-se de críticas ad hominem. Isso já está velho. Insisto: Há bom — e farto — material jurídico para criticar o ministro Gilmar e seus colegas (e o STJ etc). Mas isso seria exigir muito dos críticos porque é mais fácil fazer a crítica sob o viés da política. A propósito: ao que sei, ao contrário do que disse a jornalista, a PEC da Bengala (que eleva para 75 anos a aposentadoria do judiciário e do MP) não tem nada a ver com José Serra. E nem com Gilmar.

Sigo. Para dizer que, sendo generoso, pode-se dizer que as críticas se situam no campo de uma pretendida crítica política. Mas não é direito que se trata e tampouco de teoria do direito. Não podemos exigir que a jornalista entenda de direito ou de teorias acerca de como se deve decidir. Aqui poderíamos abrir uma boa discussão com o ministro Gilmar e seus colegas. E com o STJ. Aliás, muito deveríamos discutir decisões do STJ. E dos TRFs. 

E dos juízes e tribunais que invertem — contra a lei e a Constituição — o ônus da prova em casos de furto e tráfico. Na verdade, acreditaria tanto na jornalista como na FGV se se preocupassem com “efetividades qualitativas nas decisões da Corte” e menos na crítica de decisões escolhidas a dedo que fragilizam este ou aquele ministro. E menos também nas questões pessoais. Há dois corpos do rei. A modernidade inventou isso. Não deve importar o que o juiz ou o Ministro coma no almoço. Ele deve julgar bem. E disso devemos exigir accountability. Aliás, se olharmos para trás, veremos coisas interessantes como quando do julgamento do mensalão. Os mesmos ministros criticados nos dias atuais eram incensados naquele momento. Claro: estavam decidindo de acordo com o que a torcida queria. O incensado de ontem é o queimado de hoje. E vice-versa.

Gosto que se façam críticas com critérios. Se construirmos critérios, podemos exigi-los inclusive quando se trata de nossos inimigos, claro, se formos honestos na apreciação e não transformamos tudo em uma dicotomia “amigo-inimigo” (político). Por exemplo: um bom critério é não permitir que o direito seja corrigido pela moral na hora da aplicação. Com isso, cada vez que um Ministro faz esse uso corretivo, temos de criticá-lo. Tenho feito isso há anos. Já escrevi mais de cinco mil páginas sobre isso.  Mesmo que a decisão seja contra nossa opinião. A imprensa deveria ser a primeira a cultivar esse hábito. Um bom exemplo é o caso Bruno. Marco Aurélio acertou. Mas o que levou de críticas… Mas logo — Gilmar e qualquer outro — serão elogiados em decisões que agradem a maioria. Lembram quando Gilmar denunciou o “estado policial” o quanto de elogios teve? Em termos de torcida e crítica, quem afunda o STF são os mesmos que o fazem flutuar. Meu medo é que nem nisso haja critérios.

Direito não é moral, religião ou política
A maior prova da falta de critérios nas críticas ao STF é a referência à “era Moreira Alves”. A jornalista faz isso. Eu também gosto do ex-ministro. Se muitos hoje se comportassem como ele, o STF poderia caminhar melhor. Todos sabem de meu (forte) conservadorismo em relação à letra da Constituição. Judiciário não faz lei. Cumpre. Mas, por favor: se elogiamos Moreira Alves, vamos ter que ser coerentes e analisar os seus erros. De novo: Moreira Alves interessa aos pesquisadores e à jornalista naquilo que querem, com o gancho de puxar a sardinha para o seu assado. O que sobraria dos votos de muitos ministros se comparados com o perfil de Moreira Alves? Mas isso exigiria coerência na análise. A propósito: se é o STF que tranca inquérito em que houve prisões e que nem sequer resultou em denúncia após 10 anos (aqui), o pau comeria solto. Foi o STJ. E o fez corretamente. Mas fosse o STF, por certo haveria ranger de dentes.

Numa palavra: para fazer críticas consistentes às atuações do judiciário — e especialmente dos Ministros do STF — te(ría)mos que entender que direito não é moral, não é religião, não é política. Claro que o STF também tem de se dar conta disso. O direito se abebera desses elementos quando de sua votação e aprovação. Depois de posto, admite, é claro, interpretações. Mas não admite correções via opiniões pessoais, moralismos de ocasião etc. Se um ou mais ou todos Ministros cometem esse erro, há que se apontar isso. Em todos os momentos. E não só quando o ministro fica bulindo com coisas com as quais não concordamos. Elogios não devem ser ad hoc… Nem as críticas.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA