Hélio Schwartsman
Quarentena meia-boca não basta para reduzir substancialmente a circulação do Sars-CoV-2
Não
é que os planos de reabertura econômica dos governadores sejam
irracionais. Eles se baseiam nos parâmetros cientificamente relevantes,
como a evolução do contágio e a ocupação dos leitos hospitalares, e,
mais importante, preveem a possibilidade de volta do isolamento social,
caso os números piorem. Receio, porém, que eles tenham deixado de levar em conta aspectos menos racionais do comportamento humano.
Num
mundo ideal, em nome da previsibilidade, as discussões sobre como sair
da quarentena precederiam a própria quarentena. Só que não vivemos num mundo ideal, mas sim em um no qual a simples menção a uma abertura futura faz com que muitas pessoas passem a comportar-se como se já tivéssemos voltado à normalidade, sabotando os esforços de distanciamento social.
Dada essa idiossincrasia humana, que é bem conhecida de psicólogos, psiquiatras e economistas comportamentais, não sei se foi muito inteligente falar em retomada num momento em que, em grande parte dos estados, ainda é forte a circulação comunitária do vírus. O risco é vermos as curvas voltarem a subir antes mesmo de as termos estabilizado.
[Concordamos que não vivemos em um mundo ideal. Não em um mundo administrado, por suprema decisão, pelos 'competentes' governadores e prefeitos do Brasil.
Entraram na quarentena e agora não sabem como sair - planejamento para sair? para que este gasto de energia criativa? (a pouca que dispõem é para ser usada na tentativa de derrubar um presidente eleito com quase 60.000.000 de votos.
Tomando como exemplo a maior cidade do Brasil, o digno prefeito não atentou para a impossibilidade de liberar a capital, cercada por municípios com bloqueio em vigor.
E centrou suas ações em três pontos:
- criar engarrafamentos para forçar as pessoas a deixarem os carros e se amontoarem no transporte público.]
- reativar o rodízio de forma a manter todo dia um engarrafamento; e,
- adquirir mais de 30.000 urnas funerárias.
As duas primeiras abandonou e a terceira, devido a incompetência notória, infelizmente, continua sendo utilizada.
E o governador, anda em círculos, esperando o achatamento de uma curva que, infelizmente, tende a ser por alguns dias, um platô.]
Nesse quesito, o Brasil não está se saindo
muito bem. Acho que nosso relativo fracasso tem algo a ver com o tão
celebrado jeitinho brasileiro, definido como flexibilidade criativa em
relação a regras. Um bom exemplo é o do empresário que, para poder abrir
suas lojas de eletrodomésticos, passou a vender também arroz e feijão. Não
digo que o jeitinho seja sempre ruim. Há muitas situações em que jorros
de flexibilidade são desejáveis. Mas a contenção de uma epidemia não é
uma delas. Vírus tendem a ser inflexíveis. O resultado disso são
quarentenas meia-boca, que não bastam para reduzir substancialmente a
circulação do Sars-CoV-2 e, justamente por isso, vão prolongando os
dolorosos efeitos da inatividade econômica. É uma espécie de pior dos
mundos pandêmico.