ÉPOCA teve acesso ao documento do Ministério Público do Rio, de dezembro de 2011, que identificou o surgimento da nova organização criminosa. "Conforme dados de inteligência, milicianos estariam vendendo informações a Luiz Fernando da Costa em troca de assistência jurídica", diz o relatório. Primeiro preso federal do Brasil, Fernandinho Beira-Mar chefia o Comando Vermelho de dentro das penitenciárias de segurança máxima por onde passa. "Além de milicianos e advogados, um grupo de policiais corruptos e ex-policiais auxiliaria a rede mantida por Luiz Fernando, especialmente na facilitação da chegada de entorpecente ao Rio".
O documento mostra que não há separação ideológica entre as facções de milicianos e traficantes. "Apesar de pertencer ao colegiado de lideranças do CV, chefiando grupos de traficantes estabelecidos nas fronteiras do país, e aparentar não se relacionar com policiais (filosofia da facção), esta coordenadoria de Inteligência não descarta a hipótese de Fernandinho se aliar ou contratar milicianos para o cometimento de ações criminosas".
Serralho foi assassinado a tiros em frente à casa dele em Curicica, em agosto de 2016. Em outro caso importante, a polícia voltou a se deparar com milícia do bairro em outubro de 2017, quando houve a prisão do ex-policial acusado de chefiar o grupo. Orlando Oliveira de Araújo, mais conhecido por Orlando Curicica, é suspeito de envolvimento na execução da vereador Marielle Franco, morta com quatro tiros na cabeça em março passado. Atrás de alguma pista, os investigadores rastreiam as ligações e contatos do telefone celular de Orlando, apreendido no momento de sua prisão.
A suspeita de participação de milícias na morte de Marielle só indica que o grupo criminoso está cada vez mais forte e, pior, agora associado ao tráfico. É o que o livro Rio sem Lei, lançado em junho, chama de surgimento das "narcomilícias". A ousadia desse bando não tem limites. O delegado da Polícia Civil Alexandre Capote, personagem do livro, que combateu os milicianos, está com a cabeça a prêmio. Mesmo fora de atividade policial, trabalhando no Tribunal de Justiça, Capote precisa de escolta armada para sobreviver. Ele se tornou a única testemunha viva contra milicianos presos na Operação Capa Preta, que vem desde 2010. Juíza que atuou na investigação, Daniela Barbosa Assunção confirma no livro o florescimento dos narcomilicianos.
ÉPOCA publica abaixo trechos de Rio sem Lei que falam do surgimento da facção. Na obra, alguns nomes foram omitidos ou trocados por segurança dos autores, e também das testemunhas.
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"Capítulo 15 – O surgimento das narcomilícias com a união de milicianos e traficantes"
No final de 2011, um relatório reservado do Ministério Público anunciava o impensável: o casamento entre duas facções outrora inimigas de sangue. A milícia e o tráfico fecharam um acordo com as bênçãos de seus respectivos chefes, os irmãos Minho e Lino e Fernandinho Beira-Mar. Pela parceria que estabeleceram, o Comando Vermelho pagaria advogados para os presos da Liga da Justiça. Em troca da ajuda, os traficantes receberiam a cooperação dos milicianos no esquema de venda de drogas em bairros e favelas cariocas.
Os chefes da milícia queriam assistência jurídica para deixar as penitenciárias federais o quanto antes. Eles desejavam cumprir o resto da pena em alguma cadeia do Rio de Janeiro. Nelas, estariam próximos não só da família, mas do território onde ainda causavam terror. Recluso em Campo Grande (MS), o genro de Minho sonhava com a transferência mais do que todos, segundo dizia o relatório do Ministério Público. Ele entrou em contato com advogados de Beira-Mar para executar o plano. Em 2008, o miliciano escapara facilmente de um cárcere fluminense, certamente a boa lembrança da fuga o animava a voltar. ..."
Rio sem Lei
Autores: Hudson Corrêa e Diana Brito
Geração Editorial
2018
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