A proibição da condução coercitiva de investigados para interrogatórios
pode fazer com que juízes ordenem prisões temporárias para garantir operações
de busca e apreensão, na avaliação dos presidentes da Ajufe (Associação dos
Juízes Federais do Brasil), Roberto Veloso; da ANPR (Associação Nacional dos
Procuradores da República), José Robalinho Cavalcanti; e da ADPF (Associação
Nacional dos Delegados de Polícia Federal), Edvandir Paiva.
Os três comentaram o assunto a pedido do UOL nesta terça-feira (19)
depois que o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu
proibir a realização de condução coercitiva de investigados para
interrogatórios por considerar o procedimento inconstitucional. A decisão de
Mendes tem caráter liminar (provisório) e ainda será analisada pelo colegiado
da Corte, o que não tem data para acontecer. "A condução para o interrogatório se dava justamente para preservar
a busca e a apreensão, além do interrogatório", disse Veloso. "É
possível que o juiz seja obrigado a decretar a prisão temporária de
investigados, quando uma condução coercitiva já resolveria a situação."
Para Cavalcanti, a decisão de Gilmar Mendes tem "bons argumentos",
mas foi "equivocada". Segundo o presidente da ANPR, pode haver um
prejuízo aos investigados. "Ao se tirar a condução coercitiva, não se vai
diminuir o número de prisões, vai aumentar", disse.
Cavalcanti lembrou que
a condução coercitiva para interrogatórios vinha sendo usada no contexto da
coleta de provas e afirmou que o uso do procedimento por si só "é um fato
raro." Paiva também destacou a importância da medida como forma de
garantir a coleta das provas durante operações policiais. "A gente entende que essa decisão tira um importante instrumento da
investigação", disse o presidente da ADPF. "Os colegas, muitas vezes,
deixavam de pedir a prisão temporária para pedir essa medida [condução
coercitiva], que é menos gravosa. O que o pessoal vai fazer agora é pedir prisão
temporária." Robalinho e Paiva disseram esperar que o pleno do STF,
formado por 11 ministros, reverta a decisão de Gilmar Mendes. Veloso se
manifestou a favor apenas de que o colegiado do Supremo analise o assunto.
"Como é uma decisão liminar, a gente tem a esperança de que o plenário não
vá nesse sentido", disse o presidente da ADPF.
Entenda o que é condução coercitiva
O termo "condução coercitiva" significa a condução de pessoas
por autoridades independentemente de sua vontade para que elas prestem esclarecimentos.
A condução coercitiva para interrogatórios está prevista no Código de Processo
Penal quando "o acusado não atender à intimação para o interrogatório,
reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser
realizado". [necessário destacar que a CONDUÇÃO COERCITIVA para ser válida tem que atender alguns requisitos, sendo o primeiro o do 'conduzido' ter sido regularmente intimado e não comparecido.
Sem a regular intimação do 'conduzido' e sua manifesta recusa em não comparecer a CONDIÇÃO COERCITIVA é legal, válida.]
Segundo Gilmar Mendes, "a condução coercitiva para interrogatório
representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não
culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é
obrigado a Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal", escreveu
em sua sentença proferida na segunda-feira (18) e tornada pública nesta terça
(19). Já a prisão temporária é cabível, entre outros casos, "quando
imprescindível para as investigações do inquérito policial", diz a lei
7.960/89. Este tipo de detenção tem prazo de cinco dias e pode ser prorrogada
"por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade". [se para autorizar a CONDUÇÃO COERCITIVA é necessário que o paciente do mandado tenha faltado a ato para o qual foi regularmente intimado, a PRISÃO TEMPORÁRIA por ser mais gravosa necessita de justificativa bem mais robusta - não vale quem pede a PRISÃO TEMPORÁRIA alegar que o paciente 'PODE' prejudicar as investigações.
A decretação a granel de PRISÃO TEMPORÁRIA certamente vai ser repudiada pelo Poder Judiciário a começar dos magistrados que serão mais exigentes na sua justificação.]
"Pode ser até que, em alguns casos, o juiz diga: 'olha, eu acho que
aqui, eu determinaria uma condução coercitiva, mas acho que a provisória não
tem justificativa'", disse Cavalcanti, da ANPR. "Então, algumas
pessoas vão ficar sem um e sem outro. Mas é muito possível que a maior parte
das pessoas que são alvo hoje de condução coercitiva passem a ser alvo, na
verdade, de prisão por cinco dias. Vai ser muito pior para para elas."
Uso
frequente na Lava Jato
As investigações da Operação Lava Jato recorreram com
frequência ao procedimento. Segundo dados do MPF-PR (Ministério Público Federal
no Paraná), do início da operação, em 2014, até o dia 14 de novembro deste ano,
foram cumpridos 222 mandados de condução coercitiva. Um levantamento publicado
pelo jornal "O Estado de S. Paulo" em março deste ano, com base em
dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, mostrou que o número de pessoas
que foram alvo de condução coercitiva pela Polícia Federal havia aumentado 304%
desde janeiro de 2013. Em diversas ocasiões, Gilmar Mendes se mostrou crítico a
procedimentos usados por integrantes da operação. Em maio, à "Folha de S.
Paulo", chegou a declarar que a Lava Jato fazia "reféns" para
manter o apoio popular. No mês seguinte, citou a Lava Jato em uma palestra e disse que era preciso criticar
"abusos" nas investigações.