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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Culpa na judicialização das relações políticas - Valor Econômico

Fernando Exman 


Culpa na judicialização das relações políticas .... e econômicos repelindo abusos ou comportamentos excessivos de agentes do Estado.
Estudo coloca em xeque críticas de ativismo judicial

O Supremo Tribunal Federal encerra 2019 em lugar de destaque no noticiário e no imaginário popular. Quando o cidadão comum lembra com mais facilidade o nome dos 11 ministros da Corte Suprema do que a escalação de muitos times de futebol, contudo, há que se debruçar sobre as razões desse fenômeno.  Para integrantes da cúpula do STF, o Judiciário exerceu papel fundamental para serenar as crises institucionais que insistiram em rondar a Praça dos Três Poderes. Na opinião de dirigentes partidários, julgamentos e decisões foram muitas vezes, respectivamente, cenários e protagonistas de episódios da conflagrada guerra política com a qual o país convive há anos.

Mas uma tese dificilmente pode ser refutada por lideranças partidárias: são os partidos alguns dos principais responsáveis pelo chamado processo de judicialização da política que tanto criticam. Ainda mais quando as legendas estão na oposição. [existe dois partidos nanicos, um tal de Rede e um Psol, que por falta de votos, tentam atrair atenção judicializando as mais ínfimas questões - muitas vezes contestando o Poder Executivo que está apenas exercendo sua competência constitucional.
Até aquela candidata padrão - evangélica favorável ao aborto e sempre escalada para perder - ousa contestar o presidente da República,]

Em muitos casos, o Supremo se tornou a única opção de quem é minoria na Câmara e no Senado. Sobretudo diante da constatação de que distintos governos têm transformado o Palácio do Planalto em uma espécie de fábrica de editar medidas provisórias e decretos.  O uso parcimonioso das ações judiciais é legítimo e deve ser visto como um ato do jogo, uma vez que está previsto na Constituição. Mas a judicialização da política acabou virando uma prática do dia a dia de alguns partidos.

Há diversos instrumentos, nos regimentos do Parlamento, para se tentar modificar ou obstruir o avanço das propostas originadas no Planalto. Mesmo assim, não raro os partidos de oposição têm dificuldades de atuar em conjunto.  É mais fácil - e midiático - ir direto ao Supremo e tentar anular muito do que vem pela frente. Legislar dá trabalho e não garante vitória. Judicializar dá trabalho, mas mais ao STF do que às siglas. Também não garante vitória, embora pelo menos seja mais fácil de marcar posição e assegurar um discurso para o eleitor em desalento.

Um estudo feito pela área técnica do STF é elucidativo. O levantamento abrange o chamado controle concentrado de constitucionalidade, que se refere a processos específicos que só podem ser julgados pelo Supremo. Por exemplo: as ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs), as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), as ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (ADOs) e as arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs).  Segundo o estudo, de um total de 5.734 processos de controle concentrado propostos entre 1995 e 2019, houve atuação partidária em aproximadamente 20%. Ou seja, 1.145 ações. As demandas apresentadas individualmente por deputados e senadores não foram objeto da pesquisa da área técnica do STF. As restantes 4.589 ações foram propostas por confederações sindicais, pelos presidentes da República, do Senado e da Câmara, além de assembleias legislativas, governadores, OAB e PGR.

As ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) são as preferidas dos políticos. Elas são as classes processuais mais utilizadas, totalizando 83% das ações. Têm como alvo leis ou atos normativos federais ou estaduais. Nesses casos, o STF faz uma análise em abstrato da norma impugnada, sem avaliar sua aplicação a um caso concreto.  A partir de 2015, no entanto, aumentou consideravelmente o número de arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) propostas no Supremo pelos partidos. Em 2014, elas representavam 3%. Já são 26% do total neste ano.

Vinculantes e abstratas, as ADPFs têm alcance amplo. Visam reparar ou evitar dano a algum preceito fundamental da Constituição eventualmente provocado por algum ato do poder público. Podem ter como alvo lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal - incluídos os anteriores à Constituição de 1988. A descrição é o suficiente para entender o motivo do crescente interesse do meio político por esse instrumento.  Das 1.145 ações apresentadas por partidos no período estudado, 77% foram apreciadas pelo Supremo. Destas, 84% foram rejeitadas. Um índice que merece ser analisado com atenção, diante do risco de banalização desse tipo de demanda.

Restam pendentes 266 ações, das quais aproximadamente 60% foram propostas nos últimos cinco anos. Estão prontas para inclusão em pauta 59. Vinte aguardam parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou manifestação da Advogacia-Geral da União (AGU), segundo o levantamento do STF. O plenário do STF iniciou o julgamento de 13. Assim, o quantitativo de processos “efetivamente pendentes” totaliza 174, o que representa em torno de 15% das demandas apresentadas pelos partidos políticos entre 1995 e este ano.  Na média, foram apresentadas 46 ações por ano pelos partidos. Os períodos mais intensos foram 2000 e 2001 - ápice do número de ações de controle concentrado de autoria das legendas. Ocorreu uma queda digna de registro de 2011 a 2013, mas elas voltaram crescer novamente a partir de 2014.

Em 2019, os advogados do Rede e do PDT foram os que mais frequentaram o protocolo do STF. O PDT também encabeça o ranking em outros anos, assim como o Psol, o Solidariedade e o PT. Quando oposição, DEM e PSDB fizeram o mesmo.  Neste ano, quando assumiu a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli sinalizou a intenção de ter como referência o mandamento constitucional de trabalhar pelo respeito entre os Poderes, com prudência. Para ele, a Corte deve moderar os conflitos políticos, sociais e econômicos repelindo abusos ou comportamentos excessivos de agentes do Estado. É justamente o que consta da Lei.

Ao fazer seu trabalho e interpretá-la, é natural que o STF e seus integrantes fiquem expostos a críticas e a elogios. O estudo do STF, contudo, dá argumentos para quem tenta afastar do Supremo as imputações de prática de “ativismo judicial”. É cada vez mais necessária uma análise sobre a responsabilidade dos partidos, sobretudo em meio à crescente deterioração da imagem da política e dos políticos.

Fernando Exman, colunista - Valor Econômico


sexta-feira, 31 de maio de 2019

Os pactos do barulho e do silêncio

O Executivo estaria sequestrando Legislativo e Judiciário para atender a seus propósitos 

Nas democracias, o pacto entre os Poderes se estabelece na Constituição. Desculpo-me se, ao fazer tal afirmação, chovo no molhado e no clichê, mas não resta alternativa quando o conhecimento firmado mais comezinho sobre política é ignorado em favor de uma fantasia. Até porque me pergunto como se daria o "troço" ocorreram-me substantivos menos decorosos. A "coisa" mais uma concessão à delicadeza— só seria possível se cada Poder abrisse mão de suas respectivas prerrogativas para abraçar as que aos outros dois pertencem ou se os três adotassem estranhezas impróprias a cada um. Nesse caso, não seria pacto, mas bagunça.
Estamos obviamente diante de um entendimento prejudicado do que é o regime democrático e do que significa a independência entre os três Poderes. "Ah, isso é o mundo ideal...". É, sim! Na vida pública, convém perseguir o ideal para que o real não se abastarde. A ética da responsabilidade modula a da convicção. Se aquela mata esta, o horizonte é o pragmatismo obscurantista. Avance-se um tanto mais. O Executivo e o Legislativo são os Poderes que traduzem as vontades conflitantes da sociedade. O Judiciário é, por excelência, o Poder do Estado. Os dois primeiros estão sujeitos às vagas de opinião, refletem a temperatura dos embates públicos, carregam as marcas e cicatrizes das nossas dissensões e divergências.

O Judiciário traz consigo a vocação de Poder Moderador. Embora nenhum Poder possa ser soberano na democracia em que soberana é a Constituição—, sobrou aos senhores e senhoras do antes chamado "Pretório Excelso" desempenhar o papel, em várias circunstâncias, de "Poder dos Poderes". A pergunta é obrigatória, e a resposta, evidente: "Quando a última palavra não está escrita, a quem pertence a última palavra?"

O Judiciário não atravessa a praça para somar forças com o Executivo e o Legislativo. Se o fizer, fatalmente acabará disputando o protagonismo. Será massa negativa —aquela que, na soma, diminui. Os outros dois Poderes é que fazem o movimento contrário quando, diante de uma dissensão insanável, buscam a Justiça. Aí, então, atua o Moderador. Ora, como é possível que o Poder Irrecorrível se meta em porfias políticas —e isso fatalmente aconteceria— para, mais tarde, atuar como o juiz isento do que escapou, então, ao chamado "pacto"? É mentira que só exista jabuticaba no Brasil. Mas certas bobagens são endêmicas de nossas vastas solidões também teóricas.
Se querem saber, nem mesmo vejo caminhos por onde se operasse a aposentadoria compulsória de Montesquieu, o formulador original do molde moderno da tripartição de Poderes. A conversa nada traz de útil e só gera "balbúrdia", como diria aquele... Há, ademais, de inconveniente o fato de que esse tal pacto foi ressuscitado como derivação necessária do "protesto a favor de Bolsonaro" a que se assistiu no domingo (26). Assim o noticiou parte considerável da imprensa, e se ouviu essa avaliação na boca de figuras coroadas do governo.
Sendo isso verdade, então não se trata de um pacto, mas de um rapto, na primeira acepção do termo. O Executivo estaria sequestrando o Legislativo e o Judiciário para atender a seus propósitos —sejam eles quais forem: reforma disso ou daquilo ou outros quaisquer.
A propósito: o Supremo passaria a atuar como consultor do Executivo ou eventualmente do Legislativo? Substituiríamos o controle de constitucionalidade pelo juízo prévio de constitucionalidade? "Olhem, é melhor não ir por aí porque isso não passaria por aqui." Não me parece que seja possível. Nem prudente. Também prefiro, a exemplo de Clóvis Rossi, nesta Folha, o presidente que fala de pacto ao que fica no Twitter a espancar a língua, a lógica, o bom senso e as conquistas mais comezinhas da civilização.
Melhor o que fala de entendimento do que aquele que se diz mais poderoso do que Rodrigo Maia porque tem a caneta dos decretos, que, segundo sugeriu, podem mudar leis. Que Dias Toffoli lhe conte que não podem. Bem, sempre haverá um Bolsonaro pior do que o outro. Noto, para encerrar, que essa conversa se deu na terça-feira (28). No domingo e na segunda, 55 presos foram assassinados em quatro presídios no Amazonas.

Há 70 partidos do crime a operar no sistema prisional do país, e seus braços, além dos muros, disputam mercado com as milícias. Sobre isso, fez-se o pior de todos os pactos, muito típico das elites políticas brasileiras: o do silêncio. E o pacto do silêncio eloquente torna especialmente indecente o pacto do barulho vazio.


Reinaldo Azevedo,   Coluna na Folha de S. Paulo



quinta-feira, 5 de maio de 2016

Base do impeachment



O impeachment existe no presidencialismo exatamente para limitar o poder forte do presidente, quando ele comete abuso. E são esses abusos que estão em debate no Senado

O voto do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que admite justa causa para o processo de impeachment da presidente Dilma, fortalece a lei fiscal do país, a base da estabilidade. É um passo a mais na longa jornada para se ter uma moeda estável. “Está em risco neste momento a preservação de um regime de responsabilidade fiscal conquistado a duras penas”, disse. Foi, de fato, a duras penas.

O descontrole das contas públicas levou o Brasil a ter índices de inflação de 5.000% ao ano, ambiente que afligia as famílias e as empresas. O país precisou travar várias batalhas, fazer planos seguidos, passar por momentos de extrema dificuldade para, enfim, derrubar aquelas taxas absurdas de inflação. A base do novo tempo foi construída com essas leis fiscais que se discutem agora. O assunto parece abstrato, mas a realidade é concreta. O governo Dilma cometeu um volume inacreditável de loucuras contábeis.

Não é um tecnicismo, disse Anastasia. “Está em jogo não um mandato, mas a preservação de um patrimônio inestimável à Nação de estabilidade fiscal e monetária”. Só não valoriza esse patrimônio quem não o entendeu, quem conspirou contra ele, quem, na luta anti-inflacionária, ficou do lado oposto ao desejo coletivo.

A inflação crônica infelicitou o país, minou sua trajetória por décadas, e ficou o trauma. É nesse contexto de confirmação da vitória conquistada que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi editada. Por coincidência, ela foi publicada no dia 4 de maio de 2000 e sua vigência começou no dia 5 de maio. A LRF completa hoje 16 anos desafiando a todos que diziam que a lei não ia “pegar”.

O relator Antonio Anastasia, combatido pelo governo por razões político-partidárias, fez um voto técnico. Na primeira parte, contestou os argumentos jurídicos contra o impeachment. Ressaltou o curioso detalhe de que o governo ressalta na decisão do deputado Eduardo Cunha a delimitação que ele fez de dois fatos de 2015 como a causa do impeachment e não todos os fatos arrolados na denúncia apresentada. Disse que a defesa “ataca o que lhe convém”. Na segunda parte, ele dissecou as denúncias de desrespeito às leis fiscal e orçamentária do país.

Os gráficos que ele mostrou não deixam dúvidas. O governo vinha tendo superávit primário, até que o resultado desabou em 2014, virou um déficit, que piorou em 2015. No caso dos decretos suplementares, o problema não é eles terem sido editados sem autorização do Congresso, porque em determinadas circunstâncias isso pode acontecer. Mas eles não podem ser editados quando já se sabe que a meta fiscal não será cumprida. E foi o que aconteceu em 2015. Em julho, a área econômica pediu para mudar a meta e, em agosto, antes de ela ser aprovada, editou os primeiros decretos de aumentos de gastos.

O governo estava com um déficit de R$ 2,8 bilhões,  muito distante do superávit de R$ 55 bilhões, que era a meta em vigor naquele momento. O Orçamento previa um superávit de 1% do PIB e no fim do ano o governo estava com um déficit de R$ 118 bilhões, quase 2% do PIB. Foi neste contexto, de resultado desabando, que o governo editou, sem autorização do Congresso, cinco decretos.

No relatório, o senador Anastasia mostra como o governo descumpriu abertamente o que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal nas operações que fez com os bancos públicos e disse que “os crimes classificados constituem crime de responsabilidade”. Em determinado momento, usou as palavras da própria presidente para provar esta irregularidade. Num comício em nove de dezembro do ano passado, ela defendeu as operações que fez com os bancos públicos e disse que quando atrasava pagava juros. Ocorre que a LRF proíbe que o governo tome empréstimo em bancos que controla. 

E Dilma disse: “nós somos os donos da Caixa, somos os únicos donos.” Pois é, exatamente por isso não poderia ficar devendo os R$ 40 bilhões que usou dos bancos públicos em 2014, nem ter continuado na mesma prática elevando o débito em 2015.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão