Muitos ficaram preocupados, outros assustados, alguns
horrorizados com a eleição de Jair Bolsonaro. Quase todos tinham bons
argumentos para explicar seu sentimento de pânico. Afinal, o presidente
eleito já havia muitas vezes manifestado seu desprezo pelas instituições
da democracia. Da própria democracia ele fez pouco caso. Seu modo de
ver a vida cotidiana também deixou muitos brasileiros de cabelo em pé. O
deputado que disputava a Presidência mostrou que temas do comportamento
já consolidados na sociedade poderiam sofrer retrocessos.
Os que o elegeram conheceram muito bem sua agenda ao longo da
campanha. Seu discurso de direita, conservador nos costumes e liberal na
economia, foi amplamente divulgado pela mídia e expressado pelo próprio
Bolsonaro e seu grupo.
Não havia dúvida alguma sobre quem se estava
elegendo. Mesmo assim, ou por isso mesmo, o futuro presidente foi
chancelado pela maioria dos eleitores. Não há, portanto, como lhe negar o
direito de governar de acordo com o programa pelo qual foi eleito. É
legítimo. E aos brasileiros que discordam dele resta fazer crítica e
oposição.
Discordar e criticar não significa desprezar.
Bolsonaro não deve ser
desprezado. Seus modos não agradam? Tem que se acostumar a eles.
Seu
discurso parece pequeno? Melhor aprender a conviver com ele
(lembre-se
da Dilma). Sua agenda incomoda? Incomoda a muitos mas não à maioria. Os
que se opõem ao presidente eleito devem combatê-lo, mas de maneira
legal, institucional e democrática. Pode reconfortar a estes o fato ao
qual já me referi aqui antes, um presidente sozinho nada pode.
Para aprovar qualquer pauta, como a da redução da reserva indígena
Raposa-Serra do Sol
(da qual recuou ao perceber a dificuldade em
aprová-la), e outras tão polêmicas quanto esta, terá de negociar com o
Legislativo e com o Judiciário. Em última instância, terá de discutir
também com a sociedade, que já provou que tem meios e sabe se exprimir e
se fazer ouvir. O Brasil também será ouvido através do Congresso e dos
tribunais. E o brasileiro poderá sempre recorrer aos seus maiores
aliados, as instituições da nossa já sólida democracia, que não permitem
aventuras.
De qualquer forma,
nas últimas três décadas, de Itamar Franco para
cá,
o Brasil vem sendo governado por matizes diferentes de centro ou
centro-esquerda. Pela primeira vez desde então,
o país voltará a
experimentar um governo de direita. Sendo essa a vontade da maioria dos
eleitores,
não há outro jeito a não ser dar uma chance para ver o que
pode resultar desta experiência. No campo econômico se conhece bem o
caminho, já percorrido antes por outros países.
Menos gastos,
possivelmente menos impostos, privatizações, uma reforma previdenciária
inevitável. Mas também menos direitos trabalhistas, menos concessões a
empresas, uma busca incansável do equilíbrio fiscal.
Nas demais agendas, muitas delas de combustão espontânea,
o governo
também terá de se movimentar muito, negociar mais ainda, para tocá-las
adiante. Em todas as pautas, tantos as econômicas quanto as de costumes,
Bolsonaro sairá na frente porque vem legitimado pelo voto. E os que se
opuserem a elas, e que não são poucos,
terão que defender suas ideias
nos campos apropriados, os plenários do Legislativo e do Judiciário. Têm
também as ruas. Mas, mesmo nas ruas, não custa nada se opor
civilizadamente a Bolsonaro.
Do lado do novo governo,
já se ouviu inúmeras vezes que o jogo será
jogado no campo democrático. Bolsonaro disse isso mais de uma vez depois
de eleito. O general Heleno, o mais importante e respeitado oficial
general do Brasil, repetiu a mensagem na semana passada numa entrevista a
Pedro Bial. Para o vice, general Mourão, este discurso já virou um
mantra. Não que precisasse, mas considerando o que já foi dito no
passado pelo próprio Bolsonaro, reassegurar a democracia não atrapalha.
Para erros e malfeitos
, existem o Ministério Público, a Polícia
Federal, e diversas outras instâncias de fiscalização e controle.
Bolsonaro será escrutinado como foram todos os presidentes antes dele.
Na verdade, já está sob escrutínio no caso do Fabrício Queiroz, o
assessor de seu filho Flávio que depositou dinheiro na conta da sua
mulher, e o da sua assessora/personal trainer. Da parte de quem informa,
o brasileiro pode esperar vigilância.
Cabe a jornalistas acompanhar,
investigar e analisar todo e cada passo do governo e de seus membros. O
Brasil tem uma imprensa combativa, justa e honesta, que critica
duramente, mas que também sabe reconhecer acertos. [matéria começou excelente, prometendo chegar ao final da mesma forma;
só que por razões desconhecidas, colocou no tema o ex-assessor Fabricio Queiroz, que não é e tudo indica não será integrante do governo Bolsonaro.
O comentário se estende à inclusão da assessora personal/trainer.]
Ascânio Seleme - O Globo