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quinta-feira, 9 de junho de 2022

O complexo industrial da pandemia não acaba - Revista Oeste

Debbie Lerman

Quem se beneficia dessa covid-19 sem fim? 

A pandemia da covid-19 acabou. O diagnóstico partiu dos especialistas mais confiáveis — aqueles que acertaram suas interpretações dos dados durante a pandemia, em especial John Ioannidis, da Universidade de Stanford.

Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock 
 
Agora a doença se junta a uma longa lista de patógenos que coexistem com os humanos e com os quais lidamos de modo local e direcionado, quando e se ocorrem surtos. Como a gripe. 
Não fazemos testes para esses patógenos se não temos sintomas. 
Não isolamos pessoas mesmo que elas tenham sintomas. 
Não esperamos que a população inteira se vacine contra esses patógenos. 
Não acompanhamos obsessivamente o aumento ou a diminuição de casos entre a população.

É o estágio no qual deveríamos estar com relação à covid-19 neste momento. Se o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos anunciasse amanhã que a pandemia acabou, aqui estão algumas das grandes mudanças a que deveríamos assistir:

  • não haveria mais testagem de grandes parcelas da população. O resultado desses testes, a menos que se estivesse tentando limitar a proliferação da doença ou localizar áreas de infecção especificamente alta, é insignificante: mesmo que a população tenha resultado positivo nos testes, não é preciso tomar nenhuma atitude. Todo mundo será exposto ao vírus em algum momento, e muitos de nós já fomos. A maioria não vai lidar com sintomas graves nem vai morrer;
  • não haveria mais justificativa para a obrigatoriedade do uso de máscaras em nenhum lugar — nem nos transportes, nem nos serviços de saúde, nem nas escolas. Indivíduos que se sentirem mais protegidos cobrindo o rosto poderiam continuar usando máscara, mas ninguém precisaria fazê-lo por causa da covid-19. Lembrete: a justificativa para a OBRIGATORIEDADE do uso de máscaras é que, quando todos usam máscara, isso supostamente diminui a velocidade de alastramento da doença. Se não estamos mais nos preocupando com a rapidez, a vagarosidade ou até mesmo se a doença está se espalhando, essa obrigatoriedade deixa de fazer sentido. (O que não é a mesma coisa que dizer que as máscaras não funcionam, trata-se de uma questão diferente.);
  • não haveria razão para a obrigatoriedade da vacina, para passaportes de vacinação nem para longas discussões sobre vacinar crianças ou qualquer pessoa. Quem quiser se vacinar ou aos seus filhos pode fazê-lo. E quem não quiser se vacinar não estará colocando ninguém em risco.
O estado louco de limbo
Por que então nenhuma dessas coisas aconteceu ainda? 
Por que, se os dados e os especialistas dizem que a pandemia acabou, o nosso comportamento não reflete essa realidade? 
O que está nos impedindo — a nós de modo geral e às autoridade de saúde em especial — de finalmente dar fim a uma desgastante histeria pandêmica e garantir a todos que podemos tocar a vida? 
Quem se beneficia dessa covid-19 sem fim?

A resposta inclui todos os componentes do complexo industrial pandêmico: políticos, a burocracia da saúde pública, grande parte da mídia, os fabricantes de máscaras, testes e vacinas e o segmento do público cujas ansiedades e sinalização obsessiva de virtude mapeiam perfeitamente o pânico da pandemia.

Nós nos encontramos em um estado louco de limbo: não existe mais uma grave ameaça da covid-19 (como o próprio Anthony Fauci admitiu). No entanto, estamos apegados às reações cuja única justificativa era lidar com a grave ameaça da covid-19.

Estamos apegados às reações cuja única justificativa era lidar com a grave ameaça da covid-19

A razão, eu argumentaria, é que o complexo industrial da pandemia não pode e não quer ceder. 
 Se deixarmos a pandemia para trás, como ela já está tecnicamente, então…

…os políticos que lidaram com suas bases apoiando as medidas mais draconianas (e demonizando qualquer um que as questionasse, como se fossem assassinos negacionistas de bebês) terão de encontrar novas razões para retratar seus oponentes como monstros. (Sim, estou falando de vocês, da esquerda. Como uma democrata de inclinação esquerdista de longa data, estou horrorizada com o seu pensamento coletivo lamentável e, no fim das contas, desastroso.)

…as autoridades de saúde pública que conquistaram tanta fama e adulação por encontrar ainda mais variantes para monitorar e razões para se manterem vigilantes vão perder os holofotes. Terão de voltar ao seu trabalho anônimo e complicado, em que elas supostamente administram todos os aspectos do que mantém uma população saudável. 
É tão mais fácil se concentrar em apenas uma doença! 
Eles também terão de lidar com as catástrofes de saúde pública em termos de vícios, saúde mental, déficits de escolarização, doenças não tratadas etc. que a devastadora guerra global contra a covid-19 causou.
 
…os veículos de mídia e plataformas on-line não vão mais poder capturar suas audiências e seus públicos-alvo com mapas vermelhos sangrentos, contagens de casos disparadas e previsões apocalípticas. 
A transição de Donald Trump para a covid-19 como um inimigo infalível ajudou toda a imprensa a se manter sensacionalmente relevante. 
Aliás, eu diria que, para um grande segmento da mídia, assim como para parte mais à esquerda do país, combater a covid-19 substituiu quase perfeitamente o combate a Trump. 
Foi como a reação à doença se tornou tão irremediável e destrutivamente politizada.

…os mercados multibilionários de máscaras, testes e vacinas vão diminuir consideravelmente, deixando o que imagino que vão se tornar enormes pilhas de medicamentos e equipamentos sem uso. É provável que os preços de ações e os retornos dos investidores nas indústrias e empresas relacionadas caiam.

…todas as pessoas, a maioria nas cidades costeiras ditas esquerdistas, como a Filadélfia, onde vivo, que passaram dois anos usando mais máscaras, tomando mais vacinas, defendendo mais fechamentos de escolas e se sentindo infinitamente superiores a qualquer um que sugerisse que essas medidas são ruins ou ineficazes, terão de encontrar uma nova causa com que ficar superansiosas e superbravas.

São muitos os interesses fortes que precisam ser combatidos se quisermos voltar ao normal. É muita pressão para as autoridades de saúde pública enfrentarem se quiserem transmitir uma mensagem clara sobre o fim da pandemia.

Como diminuímos a pressão de todos os componentes do complexo industrial da pandemia para podermos voltar de modo pleno a algo minimamente parecido com a normalidade? Eu gostaria de saber. 

Debbie Lerman é formada pelo Departamento de Inglês da Universidade de Harvard. Aposentada, ela escrevia sobre ciências e atualmente é artista na Filadélfia, nos Estados Unidos

Leia também “O constrangimento em detrimento da ciência”

Debbie Lerman - Revista Oeste
 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Na pandemia, Bolsonaro mobiliza esforços para avançar pauta das armas

Com a economia precisando de atenção, Bolsonaro gasta energia demais na cruzada por uma política bélica mais liberal

Jair Bolsonaro foi às redes sociais no último dia 9 fazer um anúncio pelo qual ansiava desde o início do mandato. Com uma imagem em que aparece com uma arma na mão direita e um alvo a sua frente, o presidente comemorou ter zerado, a partir de 2021, a alíquota de 20% do imposto de importação de revólveres e pistolas. A iniciativa depois foi barrada no STF, mas chamou a atenção pela insistência com que o presidente se dedica a uma cruzada particular para a facilitação da compra, porte e posse de armas no país, uma das estrelas da chamada agenda conservadora empunhada na eleição de 2018 e talvez a pauta que tenha merecido mais afinco da parte dele nesses quase dois anos de mandato. Como se a economia não estivesse a demandar maior atenção e uma pandemia não angustiasse o país, com mais de 183.000 mortos.


AGENDA DA BALA - O presidente em estande de tiro: ele já editou dez decretos e catorze portarias sobre o assunto - Reprodução/Instagram

O empenho na pauta bélica pode ser medido pela proliferação de documentos editados a esmo pelo governo, sem nenhuma discussão com a sociedade ou com o Parlamento: foram dez decretos, catorze portarias e dois projetos de lei, segundo levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz. Entre as iniciativas para armar a população —parte delas suspensa — estão a autorização para que cada pessoa registre quatro armas (eram duas), a permissão de posse a moradores de áreas rurais, a inclusão de mais vinte categorias profissionais entre aquelas autorizadas a ter armas, o aumento do limite anual de cinquenta para 200 (depois, 550) munições e a revogação de três portarias do Exército que possibilitavam o rastreamento e o controle de armamentos. Também facilitou a vida de colecionadores e praticantes de tiro ao ampliar o leque de equipamentos que podem ser adquiridos, inclusive fuzis 556 e 762.

A opção por regulamentações pontuais é uma estratégia do governo para contornar a falta de disposição do Legislativo — notadamente do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) [em fevereiro próximo o deputado Maia privilegiará o Brasil com sua ausência da presidência da Câmara.]— em fazer avançar as pautas conservadoras, que incluem outras bandeiras da campanha como a redução da maioridade penal e a adoção do homeschooling, como conta um de seus articuladores políticos, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, em entrevista a VEJA (leia na pág. 13). Segundo ele, o governo vai apoiar candidatos nas duas Casas do Congresso que se mostrem comprometidos em avançar esses temas em 2021.

A oposição parlamentar ao assunto já havia ficado clara em junho de 2019, quando o Senado revogou um decreto que flexibilizava o porte e a posse de armas e obrigou o governo a rever a sua estratégia. O sistema de contrapeso à ofensiva armamentista também se manifestou na semana passada, quando o ministro Edson Fachin, do STF, suspendeu a extinção da alíquota sobre importação até que o plenário decida. Questionamentos à Justiça deixaram outras normas no limbo, como a ampliação de categorias autorizadas a usar armas, aumentando a confusão em torno do tema, segundo Felippe Angeli, gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz. “Não é bom para o país que ninguém entenda o que está valendo”, diz.

Em meio ao caos normativo, no entanto, a pauta foi avançando e suas consequências estão explícitas no armamento recorde da população. Dados da PF mostram que, entre janeiro e novembro deste ano, foram registradas 109 734 novas armas por cidadãos comuns, um aumento de 102% em relação a todo o ano passado (veja o quadro abaixo):



 

[o cenário se apresenta promissor, havendo boas possibilidades do fuzil IA 2, 7,62 mm, fabricado no Brasil,  e  que substituirá o FAL,  usado pelo Exército Brasileiro, ter no prazo de uns dois anos sua venda permitida para civis.Arma excelente para se ter em casa.

A Sig Sauer fabricante de excelentes pistolas passará a fabricar armas no Brasil.]

Apesar de as estatísticas comprovarem a ampliação desse mercado no país, alguns consideram tímidas as mudanças. “Bolsonaro tem boa vontade, mas com a legislação que existe ainda é muito difícil comprar uma arma no Brasil”, avalia Misael de Sousa, cuja empresa representa a alemã Sig Sauer no país. Ele é um dos lobistas desse setor com portas abertas no governo — só nos primeiros cinco meses da gestão Bolsonaro, além de Sousa, representantes das brasileiras Taurus, CBC e DelFire Arms, da tcheca CZ e da austríaca Glock despacharam trinta vezes nos ministérios da Justiça, Casa Civil e Defesa.

A obsessão pelo armamento da população é uma conhecida bandeira da direita mundial, notadamente nos Estados Unidos, país que serve de inspiração para Bolsonaro e seus filhos. Dos muitos movimentos do presidente, a tentativa de tarifa zero para a importação talvez seja o mais importante para a família presidencial — e, de quebra, agrada às fabricantes estrangeiras. Fazia apenas seis dias que o pai estava no governo quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) comemorou a chegada de sua pistola Glock importada, enquanto reclamava dos impostos. Dizia que a operação demorava, em média, quase um ano e que a arma custava 10 000 reais no Brasil enquanto nos EUA era encontrada por 2 500 reais. A marca austríaca é a favorita da família — era uma Glock a pistola roubada de Bolsonaro durante um assalto ao então inexpressivo deputado federal no Rio de Janeiro, em 1995. “Isso de zerar a tarifa é coisa do Eduardo. Lamentavelmente, o presidente se deixou levar”, diz um aliado.

(........) 


 

Quando se analisam as pesquisas recentes, o cenário mostra os brasileiros bem cautelosos com relação a esse tema que tanto apaixona o Palácio do Planalto. Levantamento do Datafolha realizado em maio evidenciou que só 24% concordavam com a frase do presidente dita na célebre reunião ministerial de abril: “Quero todo mundo armado. Povo armado jamais será escravizado”. Pesquisa Ibope divulgada na quarta 16 mostra que, apesar dos esforços para armar a população, a avaliação positiva em segurança pública caiu 7 pontos entre setembro e dezembro — e, pela primeira vez, a maioria (53%) reprova a atuação do governo federal nessa área. Ainda assim, a censura popular é menor do que as destinadas às ações na saúde (60%), ao combate ao desemprego (62%) e aos altos impostos (70%). Esses números mostram que o Palácio do Planalto está mirando no alvo errado ao priorizar uma promessa de campanha. É um equívoco ignorar urgências e gastar energia com um tema apenas para satisfazer o fetiche bélico da família presidencial e de uma parcela de apoiadores radicais. Em resumo, um verdadeiro tiro no pé.

MATÉRIA COMPLETA em VEJA - Política

Publicado em VEJA, edição nº 2718,  de 23 de dezembro de 2020

 

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Carlos Bolsonaro: país não terá transformação rápida por vias democrática - Folha

Filho do presidente é alvo de críticas após declarações em rede social

O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (PSL), na noite dessa segunda-feira (9), em rede social que, por vias democráticas, não haverá as mudanças rápidas desejadas no país:
  "Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos... e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!"

[uma perguntinha para o vereador: Stalin quando recebeu a sugestão de se aliar ao Papa, com sarcasmo perguntou: 'quantas divisões tem o Papa?'

Sem querer me comparar ao tirano comunista (Deus me livre) pergunto ao vereador Carlos Bolsonaro - adaptando a pergunta para o perguntado: 'quantas companhias o ilustre vereador tem?] 


A mensagem foi postada após o vereador comentar sobre os esforços que, segundo ele, o governo do pai faz para acabar com "absurdos que nos meteram no limbo". De acordo com o vereador, o governo tenta colocar o Brasil "nos eixos", mas que os "avanços são ignorados, e os malfeitores esquecidos". "O governo Bolsonaro vem desfazendo absurdos que nos meteram no limbo e tenta nos recolocar nos eixos. O enredo contado por grupelhos e os motivos cada vez mais claro$ lamentavelmente são rapidamente absorvidos por inocentes. Os avanços ignorados e os malfeitores esquecidos", escreveu.



E conclui afirmando que "como meu pai, também estou muito tranquilo e o poder jamais me seduziu. Boa sorte sempre a todos nós!"Em pouco tempo a postagem gerou críticas na rede social. O vereador também recebeu mensagens de apoio. Também pelo Twitter, o PSDB defendeu a democracia como única opção possível. "Por vias democráticas o brasileiro elegeu presidentes, apoiou impeachment dos que cometeram irregularidades. Por vias democráticas, o brasileiro elegeu Bolsonaro e tirou o PT. Figuras autoritárias insistem em transformações que não sejam pelas vias democráticas. Mas a democracia é a única opção possível". O youtuber Felipe Neto, que comprou milhares de quadrinhos com beijo gay na Bienal do Livro do Rio após operação da prefeitura para tentar recolher os materiais, respondeu a Carlos e, em uma hora, já tinha 25 mil curtidas na rede social: “Se você está calado nesse momento, você é conivente. Todas as ameaças estão sendo feitas. A democracia está em risco”. A postagem foi feita enquanto o presidente está internado em São Paulo após fazer cirurgia para corrigir uma hérnia. Até o fechamento desta edição, Bolsonaro não havia comentado o texto do filho.



Esta não é a primeira vez que um filho do presidente gera polêmica. Em uma palestra feita antes do primeiro turno das eleições, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que “para fechar” o STF bastam “um cabo e um soldado”. No vídeo do dia 9 de julho de 2018, o deputado é perguntado por um aluno sobre uma eventual ação do STF para impedir a posse de seu pai, caso fosse eleito em primeiro turno, e qual seria a atitude do Exército neste cenário hipotético.
—Aí já está encaminhando para um estado de exceção. O STF vai ter que pagar para ver. E aí, quando ele pagar para ver, vai ser ele contra nós —disse o parlamentar, para depois insinuar que os militares não teriam dificuldade em fechar o STF. — Será que eles vão ter essa força mesmo? O pessoal até brinca lá: se quiser fechar o STF, você sabe o que faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo — completou.
Folha de S. Paulo - 10 Setembro 2019

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Jogos da nova temporada - Blog do Gabeira

Um governo que era contra a corrupção e,  na hora H,  ajuda Toffoli a neutralizar o Coaf.


Com a volta do Congresso e do STF, o delicado equilíbrio de forças entre os três Poderes precisa ser decifrado.  Comecei a ler o livro Os Onze, de Felipe Recondo e Luiz Weber, na busca de mais informações sobre os bastidores e a história recente do STF. A ideia era entender melhor como esse Poder se desdobra no futuro próximo. Constatei no livro que um marco profundo na dinâmica do STF foi a morte de Teori Zavascki. Não só foi alterada a correlação de forças entre eles, mas perdeu-se uma figura agregadora. Isso impulsionou a criação de ilhas independentes, com grande desenvoltura para decisões monocráticas.

Mas a grande linha divisória desde o princípio foi a Lava Jato. Poucos sabem, mas a operação chegou de certa forma ao próprio STF. Foi um episódio ligado à Construcap, que doara R$ 50 mil a um membro do PT com nome Toffoli. Parecia ser o do ministro. No mesmo ano, o irmão de Toffoli disputou as eleições como deputado estadual. O mal-entendido deixou cicatrizes.  Nas suas mais recentes decisões, Toffoli comportou-se como diante de cerco se fechando contra ele. E se antecipa de uma forma que faz do STF não um contrapeso democrático, mas um novo peso pesado em nossos temores.

Toffoli começou criando um inquérito guarda-chuva para combater acusações ao STF. Agregou Alexandre de Moraes como seu delegado. O que surgiu disso? Buscas na casa de pessoas que apenas criticavam o Supremo. E logo em seguida a censura à revista Crusoé, precisamente a que tinha revelado relações financeiras atípicas entre ele e sua mulher.  Num novo passo, Toffoli proibiu as investigações a partir de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), quebrando o ritmo dos trabalhos, rompendo acordos internacionais, dificultando até a entrada do Brasil na OCDE. Agregou o presidente Bolsonaro, uma vez que atendeu a um pedido da defesa de Flávio.

Finalmente, Alexandre de Moraes suspendeu a fiscalização de ministros do Supremo e outras autoridades, alegando serem tendenciosas.  Um manifesto de 195 auditores afirma que são cruzamentos automatizados que definem o objeto de fiscalização mais rigorosa. Não há nada de pessoal ou político nisso.  Tanto Toffoli como Gilmar Mendes condenam, com razão, os vazamentos. Mas, ora, basta punir quem vazou. Na realidade, os vazamentos que prejudicam os investigados acabaram se transformando em algo contraproducente no fim das investigações. O presidente Bolsonaro assinou uma medida provisória colocando a Funai no Ministério da Agricultura. Derrotado, assinou de novo, o que é ilegal numa mesma legislatura. O Supremo funcionou como um contrapeso. Mas quem funcionará como contrapeso quando o STF avança? O Congresso, a outra ponta do triângulo, observa com uma resistência localizada no Senado o pedido de CPI da Lava Toga.
Nesses últimos movimentos, Toffoli e Moraes investiram contra a liberdade de imprensa e agora criam um cinturão de aço protegendo alguns ministros e suas mulheres da fiscalização financeira.

Para completar o quadro, o diretor do Coaf, Roberto Leonel, está sendo pressionado a sair porque Bolsonaro não gostou de suas críticas à decisão de Toffoli proibindo o Coaf de levantar pistas para órgãos de investigação. Como não protestar contra a decisão de Toffoli, se atinge o núcleo de sua atividade, que é o controle das atividades financeiras? E mais: atinge também compromissos externos do Brasil.  A briga pela domesticação do Coaf é uma briga feia. Toffoli e Bolsonaro estão juntos, a esquerda está se lixando para o Coaf. O próprio Moro se vê diante da perda do Coaf e, agora, da de seu indicado para dirigi-lo. No quesito engolir sapo, segue no seu aprendizado político.

Era um governo contra a corrupção e, na hora H, ajuda Toffoli a neutralizar o Coaf… A ideia geral não era seguir o dinheiro? Agora é proibido seguir o dinheiroO Congresso tem se fixado na reconstrução econômica, o que é a prioridade indiscutível. Por algumas manifestações de Rodrigo Maia, críticas à Lava Jato, sente-se que o clima ali, com exceção do pequeno núcleo no Senado, tende a ser favorável a essa movida de Toffoli e Bolsonaro. Há muito caminho pela frente: plenário do Supremo, resistência institucional, pressão externa – pode ser que o bom senso ainda prevaleça. De qualquer forma, um novo capítulo se abre também com a chegada do inquérito dos vazamentos da Lava Jato. Vem para as mãos de Moraes. O conteúdo das mensagens poderá trazer novas tensões, sobretudo num ponto sensível: investigação de ministros.

Os ministros que divergem da Lava Jato não são só ilhas, mas um arquipélago no STF. Algumas vulcânicas e em erupção, como Toffoli, que neutraliza o controle efetivo de transações financeiras para atender, entre outros, o filho do presidente, as mulheres dos ministros.  Parece-me às vezes uma utopia. Nem Trump está livre desse incômodo. A ideia geral é de que a lei vale para todos. De certa maneira, o País terá de chegar a um acordo sobre isso, pois transcende as divergências com a Lava Jato. Um sistema de controle de transações financeiras é essencial para combater o crime organizado, o terrorismo e a própria corrupção. Ele ultrapassa os limites nacionais pela troca de informações. É um sistema de defesa coletivo.

O cerne das divergências sobre a Lava Jato é a prisão em segunda instância. Se cair esse dispositivo, os presos por corrupção serão libertados. O impacto real será menor do que bloquear investigações. Pelo menos foi tudo desvendado. Na situação atual, simplesmente nada saberíamos. Estamos no limbo, uma palavra que significa margem, esquecimento, mas também, no sentido religioso, aquele lugar para onde antigamente iam as crianças inocentes. Hoje não vão mais para o limbo. Vão para o céu. O que certamente não será o nosso caso.

Artigo publicado no Estadão em 09/08

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira 

Gabeira.Com - Blog do Gabeira
 

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quarta-feira, 15 de maio de 2019

Chute nos aliados

E se Bolsonaro quiser ser abandonado por todo mundo para governar 'com o povo'?

Os aliados de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral deviam ter desconfiado quando, assim que foi empossado, ele jogou no mar seu amigo, seguidor e devoto Magno Malta. Todos se lembram da importância de Magno Malta, então senador pelo Espírito Santo, na vida do candidato. Quando Bolsonaro levou a facada em Juiz de Fora, foi Magno Malta quem se debruçou sobre ele no leito do hospital, quase o asfixiando, e fez uma reza braba —digo, oração— pela sua recuperação. O país inteiro assistiu. Magno Malta olhou para o teto em busca de Deus e, com seus poderes de pastor evangélico e cantor de pagode gospel, só faltou ordenar a Bolsonaro: “Levanta-te e anda! Levanta-te e anda!”.

Seja como for, deu certo. Bolsonaro levantou-se, andou e, um ou dois dias depois da posse, chutou Magno Malta de volta para o limbo de onde ele nunca devera ter saído — sem mandato, por não ter sido reeleito senador por seu estado, e sem o ministério que esperava ganhar por sua devoção. Dura perda para quem, um dia, sonhara até ser o vice de Bolsonaro.

Para Bolsonaro, aliado de campanha é uma coisa e, no governo, outra. E isso vale para todos os escalões. Sergio Moro e Paulo Guedes, por exemplo, eram decisivos para elegê-lo, daí os epítetos de superministro para o primeiro e de Posto Ipiranga para o segundo. Na prática, Bolsonaro tem se dedicado, com sucesso, a sabotar um e outro, com declarações que atrapalham que realizem seus projetos. Bolsonaro não vê a hora em que eles, tristinhos, peçam demissão.

Bolsonaro parece trabalhar contra si próprio, ao deixar que o Congresso derrube seus decretos, o Judiciário lhe faça cara feia e os militares se magoem com os insultos que recebem. Mas só parece. O que ele quer é que todos saiam da sua frente para que, dizendo-se incompreendido, possa governar com os filhos e “com o povo”, através das redes sociais.

Resta ver se combinou com o povo.