Quem é
Luiz Inácio Lula da Silva? O herói que deu acesso às linhas aéreas e ao
ensino superior aos pobres e por isso conta com o apoio de pelo menos
35% dos eleitores, o dobro da preferência atribuída aos dois principais
adversários, de acordo com a pesquisa Datafolha – o oficial da reserva
que conta com a nostalgia da ditadura militar e a militante ambiental? O
bandido que já deveria ter sido preso, na opinião de 54% dos mesmos
entrevistados? Ou seria os dois em um? Talvez fosse ainda o caso de
acrescentar mais uma quarta opção: todas as hipóteses anteriores.
Os
fatos falam por si. Em dois mandatos de quatro anos cada, o ex-líder
sindical virou dono do Partido dos Trabalhadores (PT) e “messias” das
esperanças salvacionistas da esquerda e de grande parcela da população,
porque amealhou um prestígio avassalador.
Este lhe garantiu eleição,
reeleição após ter sido flagrado com a mão na botija no escândalo do
mensalão e metade do mérito pela vitória da “poste”, que impôs aos
companheiros petistas, eleita com a mãozinha nada desprezível do PMDB de
Michel Temer e reeleita pela lei da inércia e pelo sucesso da repetição
da parceria. A estratégia sensata de não se opor às conquistas dos
antecessores que se lhe opunham, para depois construir sua própria
fortuna, no maior assalto ao conjunto dos cofres da República,
reservou-lhe o lugar mais alto no pódio dos heróis. Ainda hoje, apesar
de tudo o que já se descobriu sobre ele, Lula exibe a mais bem-sucedida
trajetória pessoal de uma política fragmentária e cruel como o é a
nossa. Isso é suficiente para lhe garantir o apoio incondicional de um
terço do eleitorado nacional, que nada cobra dele.
Muitas razões
mais têm os 54% que disseram aos pesquisadores que os abordaram que o
que foi descoberto de sua longa e profícua atividade fora da lei pelos
policiais federais e procuradores da Operação Lava Jato já dá motivos
suficientes para que o titular da operação, o juiz federal Sergio Moro, o
condene a uma cela no inferno prisional brasileiro.
Lula
protagoniza a parábola do réu pródigo. No âmbito da Lava Jato, foi
condenado em primeira instância a nove anos e meio de prisão, acusado de
ter recebido uma cobertura triplex no Guarujá como propina da
Construtora OAS, por serviços que lhe prestou no governo. Na mesma
operação responde a acusações do Ministério Público Federal de ter
recebido da Odebrecht o apartamento vizinho ao dele em São Bernardo e um
terreno, no qual teria pretendido construir a sede do Instituto Lula.
Na Justiça Federal de Brasília é acusado em processos penais que dizem
respeito a tráfico de influência, negócios em Angola e obstrução de
Justiça. É uma incrível via-crúcis com várias estações do Código Penal.
Ilícitos
penais à parte, revelações vindas à tona ao longo desse percurso, que
sua defesa chama de perseguição política, desnudaram atitudes nada
condizentes com seu ícone de mártir popular. Apelidado de “amigo” de
Emílio Odebrecht nas planilhas do departamento de propinas da
empreiteira, teve o dissabor de ser acusado por este de ter comprado
dele greves de interesse da empresa no Recôncavo Baiano. Assim como
antes havia sido apontado como informante das lutas sindicais ao então
diretor do Dops, Romeu Tuma, pelo filho homônimo deste no livro
Assassinato de Reputações (Topbooks, Rio, 2013), nunca contestado por
Lula, algum advogado ou aliado dele. [Lula como alcaguete a serviço do Romeu Tuma era conhecido como o 'boi'.] No livro O que Sei de Lula
(Topbooks, Rio, 2011), narrei um encontro no qual ele relatou
particularidades do movimento sindical a um agente do Serviço Nacional
de Informações (SNI), em plena ditadura militar, que ele ajudou a
derrubar ao desafiar a legislação trabalhista com as greves que liderava
no ABC.
A tentativa de transferir delitos de que é acusado para
sua mulher, mãe de seus filhos e avó de seus netos, Marisa Letícia,
morta, revelou o hábito de manifestar esse laivo machista e covarde de
seu caráter. A carta de seu ex-lugar-tenente Antônio Palocci, que
foi ministro da Fazenda em seu governo e chefe da Casa Civil na
(indi)gestão de Dilma Rousseff, contém detalhes malfazejos desse caráter
cheio de jaça. Pouco importa que o missivista esteja longe de ser um
santo, como demonstrou o sórdido episódio da desqualificação do caseiro
Francenildo dos Santos Costa, que testemunhou contra ele no escândalo de
certa mansão em Brasília. Os crimes de que é acusado o ex-prefeito de
Ribeirão Preto foram cometidos sob a égide de Lula. [nunca esquecer que se as investigações se aprofundarem, as digitais de Lula e do seu pau mandado, o ex-seminarista de missa negra, Gilberto Carvalho, serão encontradas no caso do assassinato do ex-prefeito Celso Daniel.]
Outro
episódio que expõe à luz solar sua contumácia em mentir com cinismo é o
dos recibos entregues por sua defesa para “comprovar” que Marisa –
sempre ela! – pagou religiosamente os aluguéis de um apartamento que o
casal ocupa ao lado da própria moradia a um incerto Glaucos da
Costamarques, que aparece como Pilatos no Credo. Ou como o J. Pinto
Fernandes, súbito personagem do poema Quadrilha (que não se perca pelo
título apropriado para o caso), de Carlos Drummond de Andrade.
Seu
discípulo na arte de tergiversar, o dr. Zanin Martins apareceu com
recibos que nada comprovam, pois transações comerciais rotineiras não
são atestadas por eles, mas por movimentação bancária fiscalizada pelo
Banco Central. E ainda reinventou o calendário gregoriano, datando dois
em inexistentes 31 de junho e 31 de novembro. Os papéis inúteis poderão
provocar o vexame de revelar mais uma farsa típica de Lula se a perícia
da Polícia Federal atestar em laudo que foram assinados no mesmo dia.
O
mito do teflon de Lula, que evita lama em seu ícone, é ajudado por
pesquisas como a última em que ele surgiu como adversário do juiz que o
condenou, Sergio Moro. Qualquer brasileiro com QI superior a 30 sabe que
não lhe será fácil obter daqui a um ano atestado de ficha limpa e que o
julgador em parte de seus processos penais não deixará a carreira para
se candidatar a nenhum posto na política. Trata-se do mesmo material de
ilusões de que é feita sua fama de intocável.
Fonte: José Nêumanne, jornalista - O Estado de S. Paulo