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sexta-feira, 24 de março de 2023

O ministro do atraso - Revista Oeste

Silvio Navarro

Com ideias 'geniais' e fixação pelo Porto de Santos, Márcio França irrita até Lula e pode promover um verdadeiro retrocesso no saneamento básico do país 

 Márcio França, ministro de Portos e Aeroportos no governo Lula  | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Márcio França, ministro de Portos e Aeroportos no governo Lula | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock  

 Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva finalmente terminou de nomear seu imenso primeiro escalão do governo, o brasileiro percebeu que o país poderia retroceder 20 anos em sua história. 
Um ministro, contudo, parece mais empenhado na tarefa do que os demais: Márcio França, cota do PSB, colocado na pasta de Portos e Aeroportos. 
 
Em menos de três meses, França já ameaçou desfigurar o Marco do Saneamento Básico, impedir privatizações, como a do Porto de Santos e de companhias estaduais de trens urbanos, de água e esgoto — especialmente a Sabesp —, e rever as regras da navegação de cabotagem. 
Do seu gabinete, também partiu a ideia genial de imprimir 12 milhões de passagens aéreas, ao custo de R$ 200, para estudantes, funcionários públicos e aposentados. 
No caso dos bilhetes aéreos, a fala provocou mal-estar com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que não sabia do plano de voo. 
Como o seu gabinete fica no andar superior ao de Lula, Rui Costa foi se queixar pessoalmente com o chefe. 
O presidente tratou do assunto publicamente, mas sem citar o nome de França, para não inflamar uma crise com o partido do vice, Geraldo Alckmin. 
Nenhum ministro, entretanto, teve dúvida de que o recado tinha endereço certeiro: era para Márcio França, cuja ideia inovadora amanhecera em todas as manchetes da imprensa. Até agora ele não disse o valor da contrapartida para as empresas aéreas que o governo terá de bancar — nem de onde vai sair esse dinheiro. 

“É importante que, antes de anunciar, os ministros façam uma reunião com a Casa Civil, para que a Casa Civil discuta com a Presidência, e a gente possa chamar o autor da genialidade”, afirmou. “Não queremos propostas de ministros. Todas as propostas de ministros devem ser transformadas em propostas de governo” 

O caso não foi o único que irritou Lula. O ministro também fez uma série de pronunciamentos contra a privatização do Porto de Santos, no litoral paulista, às vésperas do embarque da comitiva brasileira para a China. O país asiático é o principal parceiro comercial do Brasil e o destino de US$ 90 bilhões em exportações no último ano
Catorze Estados têm a China como principal destino do desembarque de mercadorias, sobretudo contêineres de grãos, carne e celulose. 
Outros 12 importam dos chineses grande volume de eletrônicos, acessórios e peças para a indústria de transformação. 
A porta de entrada e de saída é justamente o Porto de Santos. A China foi surpreendida com a insistência do ministro em “atravessar” o processo de privatização. 

Além disso, Lula resolveu levar para a China mais de 240 empresários, a maioria do setor agropecuário. O escoamento da produção dessas empresas é feito por meio de contêineres de Santos. Eles também não gostaram da chegada do ministro à mesa de negócios. 

Saneamento básico
Poucas ações na esfera pública podem mudar tanto a vida de populações inteiras quanto o acesso ao saneamento básico. O marco legal para o setor está em vigor há pouco mais de dois anos, aprovado durante o governo de Jair Bolsonaro, e já produziu resultados.

Antes mesmo de tomar posse, Márcio França se juntou ao deputado Guilherme Boulos (Psol-SP), líder do movimento dos sem-teto, para propor a revisão do Marco Regulatório do Saneamento. O argumento é que o Estado não deve entregar o serviço para a iniciativa privada

A estratégia foi bem simples: depois dos vencimentos dos contratos, as empresas públicas terão de competir com empresas privadas em licitação. A meta é a universalização do saneamento em dez anos: água potável, tratamento de esgoto, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e águas de chuvas. Segundo dados do Instituto Trata Brasil, 35 milhões de pessoas não tinham acesso à água tratada e 100 milhões ao serviço de esgoto até 2020.  

Desde então, o país realizou dez concorrências públicas. Mais de 200 cidades já foram beneficiadas, num total de 20 milhões de pessoas só com as primeiras obras. O investimento privado foi de R$ 70 bilhões. 
Antes de deixar o Ministério do Desenvolvimento Regional, no governo Jair Bolsonaro, o hoje senador Rogério Marinho disse que o país precisa de R$ 700 bilhões para resolver todos os problemas. 
Ou seja, há um longo caminho pela frente — se o governo Lula deixar. 

Antes mesmo de tomar posse, Márcio França se juntou ao deputado Guilherme Boulos (Psol-SP), líder do movimento dos sem-teto, para propor a revisão do Marco Regulatório do Saneamento. O argumento é que o Estado não deve entregar o serviço para a iniciativa privada. “A regra resultou na não participação social e dos agentes de políticas públicas na formulação das normas”, dizia o texto. Eles ajudaram a redigir o relatório apresentado pelo grupo de mil pessoas que se reuniu em Brasília, durante dois meses, na chamada transição de governo. 

O plano de França e Boulos era retirar da Agência Nacional de Águas (ANA) a competência sobre regras de saneamento e passá-las para as mãos do ministro das Cidades. Sugeriram criar a Secretaria Nacional do Saneamento. Na época, tanto França quanto Boulos queriam a cadeira de ministro das Cidades. Nenhum dos dois foi escolhido. França, contudo, continua fazendo lobby contra as empresas privadas. 

“A posição da maior parte dos partidos que sustentam a coligação do presidente Lula no Congresso quando foi votar o marco é que é muito prejudicial o processo de privatização do saneamento”, disse Boulos. “Os decretos que regulamentam o Marco do Saneamento, a gente sugeriu a revogação”, afirmou França. 

Ministro atracado
Um dos avanços da gestão de Tarcísio de Freitas
, hoje governador de São Paulo, na área de infraestrutura, foi a chamada BR do Mar, que trata da navegação de cabotagem — ligação entre portos do país. O Brasil tem 8,5 mil quilômetros de costa
A cabotagem atende hoje a 13% do transporte de carga. 
A medida flexibilizou o fretamento de navios com bandeira estrangeira para executar o serviço, já que a indústria naval brasileira não dá conta da demanda.  
O ministro Márcio França é contra, pela “soberania nacional”. 
 
A ideia do socialista é um retrato da vanguarda do atraso: basta calcular quantos caminhões lotados de carga cabem num único navio. 
Outro detalhe: não há acidentes, avarias na carga e polui menos o ambiente. Então resta a pergunta: qual a importância da bandeira estrangeira no navio? 

O ministro voltou a falar sobre o assunto num seminário sobre o tema nesta semana. Em seguida, ouviu o recado de Wilson Lima Filho, diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). “É importante para os investidores saber que as regras não vão mudar durante o jogo. 

Márcio França foi prefeito da cidade litorânea de São Vicente duas vezes. Governou o Estado de São Paulo por oito meses, em 2018, quando Alckmin concorreu à Presidência. Foi secretário estadual. Sempre foi conhecido pela boa relação com o empresariado. Durante a campanha eleitoral do ano passado, gostava de dizer que era “a direita da esquerda”. 
 
Na semana passada, o partido Novo questionou o Bolsa Avião”, com assentos a R$ 200. “É sabido que tal nicho é altamente regulamentado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e que envolve interesses setoriais das mais diversas naturezas”, disse o deputado gaúcho Marcel Van Hattem. 

Por enquanto, o que se pode afirmar é que Márcio França talvez esteja apenas sofrendo de um surto de socialismo aos 60 anos de idade. 

Leia também “Não existe imunidade parlamentar no Brasil”

 Com reportagem de Loriane Comeli

 Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Futuro jogado fora

Um estudo do Unicef escancara que as políticas assistencialistas de Lula e Dilma serviram apenas para mascarar a pobreza

É muito oportuna a pesquisa do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) segundo a qual seis em cada dez crianças e adolescentes brasileiros até 17 anos vivem na pobreza. A vergonhosa estatística, com base em dados de 2015, escancara o tamanho da falácia lulopetista, repetida exaustivamente pelo departamento de agitação e propaganda do PT, segundo a qual no tempo em que Lula da Silva e Dilma Rousseff presidiram o Brasil trinta e tantos milhões de pessoas deixaram de ser miseráveis, por obra e graça do “pai dos pobres” ora recolhido à carceragem da Polícia Federal em Curitiba.

O critério usado pelo Unicef para mensurar o alcance da pobreza entre crianças e adolescentes no Brasil leva em conta não somente a renda, mas também a qualidade do acesso dessas pessoas à infraestrutura e aos serviços públicos necessários para seu desenvolvimento, como educação e saneamento básico, além de moradia decente, proteção contra o trabalho infantil e acesso à informação.

Assim, o quadro apresentado pelo levantamento mostra o quanto é questionável a propaganda de Lula da Silva a respeito de seus feitos na Presidência. Levando-se em consideração apenas a renda, o estudo mostra que de fato houve melhora na última década, provavelmente como resultado da política de distribuição forçada de renda ─ da qual o Bolsa Família é o exemplo mais vistoso nos palanques petistas. No entanto, corretamente, o Unicef considera que não basta atingir um certo nível de renda para que se possa considerar satisfatório o combate à pobreza. “Os resultados mostram que a pobreza monetária na infância e na adolescência foi reduzida no Brasil na última década, mas as múltiplas privações a que meninas e meninos estão sujeitos não diminuíram na mesma proporção”, diz a pesquisa.

Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, o Unicef concluiu que 61% das crianças e adolescentes do País são pobres, quer porque estejam em famílias com renda insuficiente, quer porque sofrem diversas privações ─ ou uma combinação entre as duas situações, o que é ainda mais dramático.  São 18 milhões de crianças e adolescentes que vivem em famílias com renda insuficiente, dos quais 12 milhões também não têm acesso à infraestrutura e aos serviços sem os quais terão enorme dificuldade para se desenvolver. Outros 14 milhões até dispõem de renda considerada suficiente, mas sofrem privações múltiplas em outros aspectos essenciais.

A privação que mais afeta as crianças pobres brasileiras é a de saneamento básico, que atinge 13,3 milhões de pessoas. Em seguida vêm educação (8,8 milhões), água tratada (7,6 milhões), acesso à informação (6,8 milhões), moradia adequada (5,9 milhões) e proteção contra o trabalho infantil (2,5 milhões).

Há gradações em cada um desses aspectos. No caso de educação, por exemplo, é considerada “sem privação” a criança em idade escolar que frequenta escola sem atraso e sabe ler e escrever. Já a “privação intermediária” é aquela em que a criança acima de 7 anos de idade frequenta a escola com atraso e é analfabeta. E a “privação extrema” é aquela em que a criança acima de 7 anos não vai à escola nem é alfabetizada. Passa de 20% o total de crianças que estão em alguma dessas categorias de privação.

Em relação ao saneamento básico, 21,9% das crianças e adolescentes moram em casas onde há apenas fossas rudimentares ou esgoto sem tratamento. São mais de 13 milhões de brasileiros jovens vivendo em condições insalubres, majoritariamente no Norte e no Nordeste.  Tudo isso poderia ter sido ao menos atenuado nos mais de dez anos em que o PT esteve no poder, mas Lula da Silva preferiu o caminho fácil da demagogia de “dar dinheiro na mão de pobre”, que é como o ex-presidente costuma descrever suas políticas assistencialistas. Como mostrou o estudo do Unicef, essas políticas serviram apenas para mascarar a pobreza, iludir os tolos e render muitos votos ao hoje presidiário de Curitiba. Enquanto isso, o País vê toda uma geração ser condenada ao subdesenvolvimento.

Editorial - O Estado de S. Paulo
 

sábado, 4 de agosto de 2018

Violência, omissão e votos



Poucas atividades no Brasil, se é que há alguma, desfrutam hoje de tantas salvaguardas legais e ideológicas, dentro e fora do Estado, quanto o crime.

A violência no Brasil, com índices anuais de massacre (já que apenas um dos lados, o do crime, está armado), não é obra do acaso.  É uma gradual e contínua elaboração, a que se associam políticos, ONGs (nacionais e internacionais) e formadores de opinião (artistas, jornalistas, acadêmicos e quem mais aí figure).  Consiste em atenuar progressivamente a legislação penal, ao ponto de torná-la inoperante, figurativa, mera abstração. É construção de fundo ideológico, que vê no crime um sucedâneo inevitável da pobreza, o que imporia proteção moral aos criminosos.

A Lava Jato, nos seus quatro anos de ação, desmente essa vinculação socioeconômica, que, no entanto, prossegue. E o resultado é uma legislação que, em vez de freio ao crime, garante-lhe salvo conduto. Poucas atividades no Brasil, se é que há alguma, desfrutam hoje de tantas salvaguardas legais e ideológicas, dentro e fora do Estado, quanto o crime.  Quem se der ao trabalho de pesquisar as mudanças operadas na legislação nas duas últimas décadas, há de entender o que se passou com aquilo que um dia se chamou de segurança pública.

Da progressão da pena, que a pode reduzir a um nada, à audiência de custódia, que liberta em 24 horas, sem inquérito ou processo, criminosos recorrentes, presos em flagrante (ideia genial de Ricardo Lewandowski, quando presidente do STF), chegou-se a limitar o direito de o policial valer-se da arma para enfrentar bandidos em regra, mais bem armados.   Por essa lógica, o correto é o policial evitar a iniciativa e limitar-se a responder ao agressor, isto é, só atirar depois que o bandido o fizer. Ano passado, mais de uma centena de policiais, somente no Rio de Janeiro, foram parar no cemitério na tentativa de cumprir esse regulamento; neste semestre, já são mais de 70.

Nesse processo, chegou-se à tipificação bizarra do “excesso de legítima defesa”, em que se pretende limitar o número de tiros dados em pleno confronto. Além de cuidar da pontaria, o policial tem que contabilizar os tiros; caso contrário, pode ser – e é – punido.  Como tais limites só valem para um lado – o que defende a sociedade -, o crime agradece e segue ganhando de goleada. Os números oficiais – e que, por serem oficiais, não expressam plenamente a realidade – falam em mais de 61 mil homicídios no ano passado, marca que se repete há pelo menos uma década.

Esses números contabilizam apenas os que morrem no local do crime – e os especialistas avaliam que pelo menos metade disso morre depois ou padece de sequelas graves e irreversíveis.  A intervenção militar no Rio não mudou o quadro: a MP que a instituiu nega ao soldado o poder de polícia. Torna-o, e ao aparato bélico que o acompanha, mero adorno, que não assusta o bandido.  Estudiosos da cenaem regra, acadêmicos e teóricos que jamais subiram um morro – sugerem investimentos em saúde, educação, saneamento básico, o que, sem dúvida, é fundamental, mas não exerce efeito de curto (ou mesmo médio) prazo e nem conflita com o que a urgência da situação requer.

Em meio a balas perdidas (e achadas), impõe-se o enfrentamento, com a devida retaguarda jurídica, recusado em nome dos direitos humanos, que obviamente não são os das vítimas.  Os mesmos personagens que sustentam essas teses horrorizam-se com os índices crescentes da candidatura presidencial do deputado Jair Bolsonaro. Não percebem que ele nada mais é que fruto político desse quadro bizarro, que por anos, ainda que com linguagem rude, excessiva ou inadequada, denuncia obsessivamente. O público perdoa os excessos da linguagem, não os da burrice, alienação ou cumplicidade; quer socorro, não conversa fiada.




sábado, 24 de fevereiro de 2018

A vida sob intervenção

Um delegado de polícia, uma moradora de Ipanema e um ativista da Rocinha­­. Acompanhamos a rotina de três cariocas ao longo da última semana para mostrar o que mudou e o que ainda precisa melhorar para que a cidade se torne de fato mais segura

ABORDAGEM Militar revista morador da favela do Kelson’s, na zona norte do Rio, onde uma mulher foi torturada por traficantes na segunda-feira 19: desafio é agir sem abusar da força (Crédito: Leo Correa)

O carioca mistura os sentimentos de esperança e suspeita quando o assunto é a intervenção federal em vigor desde a sexta-feira 16 na segurança pública em todo o estado do Rio de Janeiro. “Torço, como todos, para que essa intervenção seja bem sucedida e que tenhamos um pouco de paz. Um pouco, não. Queremos paz completa. Não é pedir muito, é?”, indaga a gerente comercial Kika Gama Lobo, 53 anos, moradora de Ipanema. Criadora da hashtag “Riode Merda”, ela diz ter sido hostilizada por sua postura crítica em relação à segurança. “Criei isso depois que minhas duas filhas foram assaltadas. Foi meu meio de desabafo e de colaboração. Ali, falo de roubalheira, de falta de ética – e elogio também”. 


Assim como ela, moradores das zonas nobres da cidade dizem não ter percebido uma diferença significativa nas ruas durante a primeira semana de intervenção. Isso porque os tanques, blindados e soldados das Forças Armadas não ocupam os pontos turísticos e bairros da zona sul – como já ocorreu em eventos de grande porte, como os Jogos Olímpicos de 2016. As ações começaram em locais estratégicos, com a ocupação de rodovias federais e estaduais, varredura em presídios e patrulhamento de favelas violentas. Em uma delas, a do Kelson’s, no Complexo do Alemão, uma moradora foi torturada por traficantes na segunda-feira 19. O motivo: suspeita de ter passado informações do tráfico para agentes das Forças Armadas. 

Nascido e criado na favela da Rocinha, na zona sul, Leandro Lima, 35 anos, viveu uma dramática experiência tempos atrás, quando foi parado, numa viela por policiais do Bope. “Eu estava indo para o trabalho e um policial começou a me fazer perguntas com uma arma apontada para minha cabeça e o dedo no gatilho. Eu só pensava que se algum mal entendido acontecesse e o dedo dele apertasse, minha vida acabaria ali.” Lima é cameraman da TV Globo, mora na parte alta da favela e dirige a mídia comunitária FaveladaRocinha.com, que distribui um jornal impresso na comunidade e está presente em mídias sociais. Ele faz parte do grupo que gravou o vídeo “Dicas para Sobreviver a Uma Abordagem Indevida”, que aconselha ao jovem negro de favela, por exemplo, a não usar guarda-chuva de cabo longo pois isso pode ser confundido com uma arma e a carregar o cupom fiscal de qualquer objeto que ele esteja portando, seja um iPhone ou um cordão para comprovar a compra e descartar o roubo. “Os moradores de favelas estão apreensivos porque têm sofrido incursões truculentas ao longo dos anos, sem solução para eles. Não são tratados como cidadãos, as portas de suas casas podem ser arrebentadas por chutes”, diz Lima. “Para nós, é mais do mesmo. A pior violência que sofremos nas favelas não é a da falta de segurança e, sim, da falta de saneamento básico, transporte, posto de saúde, educação, cultura”, afirma.
Orlando Zaconne 54 anos, morador da Barra da Tijuca Profissão Delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE) (Crédito:Stefano Martini)

“O delegado é uma autoridade jurídica. A partir do momento em que a segurança pública passa a ser comandada por militares, gera desconforto” 
Orlando Zaconne, delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada
 [esse delegado perdeu a oportunidade de ficar calado; falou e falou bobagem. Os civis tiveram sua oportunidade, não foram competentes.]

O Delegado do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), Orlando Zaconne, 54 anos, disse à ISTOÉ que o clima entre os policiais também é de inquietação: ”O delegado é uma autoridade jurídica. A partir do momento em que a segurança pública passa a ser comandada por militares, gera desconforto.” O delegado lembra que a intervenção está sendo discutida e espera-se que haja “garantia democrática do exercício da função policial.”

Julita Lemgruber, ex-diretora do sistema penitenciário do Rio e coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), diz que a intervenção pode momentaneamente transmitir sensação de segurança. “Mas se não resolvemos algumas questões básicas, não vamos a lugar nenhum.” Questões básicas são a corrupção dentro da polícia e a estratégia de enfrentar o varejo do tráfico à bala. No início da semana, uma operação policial em Caxias, na Baixada Fluminense, deixou um homem morto e outras duas pessoas feridas, entre elas uma criança. Revoltados, moradores atearam fogo em um ônibus ­­— cenas que a intervenção ainda não foi capaz de suprimir da rotina do Rio.

 IstoÉ - Eliane Lobato

 

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O ajuste moral



Os políticos brasileiros têm uma dívida moral gigantesca com o país. Precisam começar a saldá-la
A palavra de ordem no Brasil de hoje, mais que ajuste fiscal, é  “ajuste moral”. Por isso o novo slogan nas redes sociais é #ForaLadrao, apartidário e impessoal. Ele abarca a todos. Não só aos ladrões de bilhões de reais ou dólares, mas aos vândalos de sonhos, ideais e convicções. Ladrões da inclusão social, das estatais, dos direitos a um voto limpo, ladrões da paz, da educação e da saúde. Os presidentes – a destituída e o entronado –, os governadores, os prefeitos, os senadores, os deputados, os vereadores, todos têm uma dívida moral gigantesca com o país. Algumas medidas são urgentes para começar a saldar essa dívida.

A cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. É uma ironia que possa ser cassado apenas por “quebra de decoro”, mas é assim que a banda toca. Acusado de mentir à CPI da Petrobras ao negar conta na Suíça em seu nome, Cunha esperneia há dez longos meses. Precisa ser punido exemplarmente, em nome da moralidade. Que Cunha não seja apenas suspenso, como quer. O Brasil deseja que ele perca seu mandato e se torne inelegível.

O veto ao aumento indecente para o Judiciário num momento de crise econômica profunda, em que a comida desaparece da mesa do povo e o emprego some do cotidiano. A nova presidente do STF, a mineira Cármen Lúcia, que assume na segunda-feira, é uma esperança de austeridade, com sua dedicação quase monástica à vida pública. “Não gosto muito de festas. Eu gosto é de processo”, disse a ministra do Supremo, que já se expressou contra altos gastos no Poder Judiciário. [Nota do Blog Prontidão Total:  exceto se a ministra Cármen Lúcia assumir no estilo Lewandowski – já estuprando a Constituição – o aumento dos servidores do Judiciário não poderá ser vetado – a Lei concedendo reposição PARCIAL das perdas salariais dos servidores do Poder Judiciário já foi sancionada, promulgada, não podendo mais ser vetada.
O que a ministra Cármen Lúcia pode fazer é tentar impedir o aumento para os ministros do Supremo Tribunal Federal – que ainda não é lei, estando apenas sendo cogitado.
Apesar de toda sua disposição em colaborar com Temer a ilustre presidente vai ter contra ela ‘apenas’ dez SUPREMOS MINISTROS.]

O cerco implacável às doações ilegais nas próximas eleições municipais. Continua a festa das fraudes e dos laranjas, mas o Tribunal de Contas da União e o Tribunal Superior Eleitoral estão de olho. O TSE identificou mais de 21 mil pobres que transferiram ao todo R$ 168 milhões a campanhas municipais. O TCU detectou irregularidades em mais de um terço de 114 mil doações a candidatos a prefeito e vereador. Até morto aparece como doador. 

Beneficiário de Bolsa Família também. Chega de propina.  O desmascaramento dos desvios bilionários de quatro dos principais fundos de pensão do país, que atingem 1,3 milhão de trabalhadores. Rombo de mais de R$ 50 bilhões, provocado por investimentos fraudulentos, superfaturamento de contratos. Envolvendo energia, petróleo e infraestrutura. Maiores lesados são funcionários da ativa e aposentados das estatais. A operação foi batizada pela Polícia Federal com base numa modalidade de investimento. Nome chique: Greenfield. E nem Dilma Rousseff nem Michel Temer sabiam de nada. Que se abram agora as caixas-pretas do BNDES. #ForaLadrao.

A redução do patético número de partidos políticos. São 35 – e deles, 27 com representação na Câmara. Muito mais que um fatiamento de siglas, é um esquartejamento do sistema partidário, que dificulta a formação de uma consciência política. Não há coerência a princípios ou a programas. Essa pulverização desmobiliza o eleitor. Cada vez menos se vota por partido no Brasil. O PT destruiu a força da sigla com sua avalanche de erros éticos e de gestão. Os políticos trocam de filiação partidária como quem troca a gravata ou o corte de cabelo. As maiores manifestações de rua, a favor ou contra, nada têm a ver com um partido específico. Acordem para sua falta de sintonia e seu isolamento. E #ForaLadrao.

O despertar para o maior desafio e única esperança das futuras gerações: a educação universal e de qualidade, em horário integral. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mostrou que, em dez anos, a nota do ensino médio avançou em 0,3 ponto. Ou seja, próximo de nada. O Brasil continua a avançar nos primeiros anos do ensino fundamental. Mas o que proporcionamos a nossos adolescentes? Por ano, 700 mil alunos abandonam o ensino médio. Estamos condenando mentes jovens à mediocridade ou a coisa pior.

Um choque na gestão de Saúde e no calamitoso índice de saneamento básico. Basta de ver famílias sofrendo em filas de hospitais, morrendo por falta de remédio, de médico ou de internação. Saneamento é um tema que não rende leitura. Fede demais. Mas é preciso se indignar: metade da população brasileira ainda não tem esgoto coletado em suas casas. 

Nesse item que compromete a qualidade de vida e a saúde, o Brasil está em 11o lugar na América Latina. Medalha de incompetência e negligência. Em um mês que tanto se falou de superação e inclusão pelo esporte, em que nos emocionamos com tantos atletas que transformaram adversidades financeiras e físicas em histórias de sucesso, ouro, prata e bronze, os políticos brasileiros precisam compreender que merecem todas as vaias do mundo. Até prova em contrário, são culpados.

Fonte: Ruth de Aquino – Época