Poucas atividades no Brasil, se é que há alguma, desfrutam hoje de tantas salvaguardas legais e ideológicas, dentro e fora do Estado, quanto o crime.
A
violência no Brasil, com índices anuais de massacre (já que apenas um dos lados,
o do crime, está armado), não é obra do acaso. É uma
gradual e contínua elaboração, a que se associam políticos, ONGs (nacionais e
internacionais) e formadores de opinião (artistas, jornalistas, acadêmicos e
quem mais aí figure). Consiste
em atenuar progressivamente a legislação penal, ao ponto de torná-la
inoperante, figurativa, mera abstração. É construção de fundo ideológico, que
vê no crime um sucedâneo inevitável da pobreza, o que imporia proteção moral
aos criminosos.
A Lava
Jato, nos seus quatro anos de ação, desmente essa vinculação socioeconômica,
que, no entanto, prossegue. E o resultado é uma legislação que, em vez de freio
ao crime, garante-lhe salvo conduto. Poucas atividades no Brasil, se é que há
alguma, desfrutam hoje de tantas salvaguardas legais e ideológicas, dentro e
fora do Estado, quanto o crime. Quem se
der ao trabalho de pesquisar as mudanças operadas na legislação nas duas
últimas décadas, há de entender o que se passou com aquilo que um dia se chamou
de segurança pública.
Da progressão
da pena, que a pode reduzir a um nada, à audiência de custódia, que liberta em
24 horas, sem inquérito ou processo, criminosos recorrentes, presos em
flagrante (ideia genial de Ricardo Lewandowski, quando presidente do STF),
chegou-se a limitar o direito de o policial valer-se da arma para enfrentar
bandidos – em regra, mais bem armados. Por essa
lógica, o correto é o policial evitar a iniciativa e limitar-se a responder ao
agressor, isto é, só atirar depois que o bandido o fizer. Ano passado, mais de
uma centena de policiais, somente no Rio de Janeiro, foram parar no cemitério
na tentativa de cumprir esse regulamento; neste semestre, já são mais de 70.
Nesse
processo, chegou-se à tipificação bizarra do “excesso de legítima defesa”, em
que se pretende limitar o número de tiros dados em pleno confronto. Além de
cuidar da pontaria, o policial tem que contabilizar os tiros; caso contrário,
pode ser – e é – punido. Como tais
limites só valem para um lado – o que defende a sociedade -, o crime agradece e
segue ganhando de goleada. Os números oficiais – e que, por serem oficiais, não
expressam plenamente a realidade – falam em mais de 61 mil homicídios no ano
passado, marca que se repete há pelo menos uma década.
Esses
números contabilizam apenas os que morrem no local do crime – e os
especialistas avaliam que pelo menos metade disso morre depois ou padece de
sequelas graves e irreversíveis. A
intervenção militar no Rio não mudou o quadro: a MP que a instituiu nega ao
soldado o poder de polícia. Torna-o, e ao aparato bélico que o acompanha, mero
adorno, que não assusta o bandido. Estudiosos
da cena – em regra, acadêmicos e teóricos que jamais subiram um morro – sugerem
investimentos em saúde, educação, saneamento básico, o que, sem dúvida, é
fundamental, mas não exerce efeito de curto (ou mesmo médio) prazo – e nem
conflita com o que a urgência da situação requer.
Em meio a
balas perdidas (e achadas), impõe-se o enfrentamento, com a devida retaguarda
jurídica, recusado em nome dos direitos humanos, que obviamente não são os das
vítimas. Os mesmos
personagens que sustentam essas teses horrorizam-se com os índices crescentes
da candidatura presidencial do deputado Jair Bolsonaro. Não percebem que ele
nada mais é que fruto político desse quadro bizarro, que por anos, ainda que
com linguagem rude, excessiva ou inadequada, denuncia obsessivamente. O público
perdoa os excessos da linguagem, não os da burrice, alienação ou cumplicidade;
quer socorro, não conversa fiada.
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