Tenha valores sólidos, e lute para preservá-los e perpetuá-los. O resto é narrativa.
Assisti ao
filme O GUIA DA FAMÍLIA PERFEITA (Le Guide de La Famille Parfaite), na
Netflix. Uma família de classe média canadense, que vive refém das redes
sociais e dos conselhos de “especialistas”, depara-se com situações que
a modernidade não resolve, e com a necessidade de reconhecer a falência
da educação atual.
Louis Meteorismo vive o pai de meia idade, que está no segundo
casamento, e tem dois filhos que residem consigo: uma mocinha de 16 anos
(fruto da primeira união) e um menino de 5, nascido na constância do
segundo matrimônio, com uma mulher mais jovem. O
protagonista é um tipo conservador, criado nas regras da educação
convencional, que se horroriza com as novas formas de lidar com as
questões adolescentes e com os jovens de hoje. Para ele, é como se
estivesse eternamente em uma “festa estranha com gente esquisita”,
definição essa na qual inclui-se sua atual esposa.
Quando sua filha mais velha começa a apresentar problemas na escola, os
quais envolvem mau desempenho, venda e consumo de drogas e ausência de
amigos, ele se desespera em busca de uma solução, não contando com o
apoio da mãe da menina, que é bailarina em Barcelona e considera-o
“muito severo e radical”. Sentindo-se perdido e sem respostas, com vários “especialistas”
ditando-lhe regras de ação e de comportamento, as quais não fazem
qualquer sentido, ele parte em uma busca solitária por respostas, que
inevitavelmente, levam-no à conclusão de que a sociedade está doente,
vivendo de imagens e ilusões que não correspondem à realidade.
Quando tenta dialogar com a ex esposa e com a atual, sobre como os
filhos reagem à estrutura em que estão inseridos, na qual as crianças
têm seu “lugar de fala” (expressão da moda cultuada pelos moderninhos de
plantão), é repelido de forma brusca, com frases de efeito do tipo: “se
todos fazem, por que eles não podem fazer?”, “o mundo mudou”,
“precisamos respeitar os desejos e sentimentos dos nossos filhos”, “a
sociedade está obcecada pelo sucesso” e outras pérolas da modernidade.
Sempre fui uma mãe rigorosa, zelosa e ciente do meu papel. Não deleguei
as responsabilidades de educar e dar exemplo, tampouco furtei-me a
ensinar o que é certo e errado. Cobrei desempenho e corrigi atitudes,
deixando claro para meus filhos que todas as nossas escolhas trazem
consequências, e que meu objetivo primordial é formar homens preparados
para a vida adulta. Evidentemente, dentro da inversão de valores a que estamos submetidos
diariamente, fui muito criticada, apontada como autoritária, insensível e
vários outros adjetivos. Mantive-me firme no propósito de conduzi-los à
maturidade e à realização de sua vocação, mesmo quando ouvi que o
regime da minha casa era ditatorial. Não me arrependo.
Ao ver filhos mandando nos pais, que foram esvaziados de sua autoridade,
como os do filme, agradeço a Deus, por ter-me intuído no caminho que
escolhi seguir, na educação dos meus filhos. No filme, o menino de cinco anos bate nas pessoas, joga-se no chão
fazendo pirraça, não dorme sozinho no próprio quarto, não come o que lhe
é servido, e ainda assim, os pais promovem uma festa por sua formatura
na creche, com direito a beca e chapéu (oi?). Qualquer semelhança com as
crianças que vemos por aí não é mera coincidência.
O
que a estória da tela aponta é a falência do modelo aplaudido pela
sociedade, por não dar limites às crianças e jovens, formando adultos
confusos, perdidos em suas trajetórias, mimados, exaltados, egoístas e
descompromissados com qualquer coisa, que não seja o próprio umbigo. A
esposa do protagonista passa as duas horas de filme filmando e
fotografando todos os eventos do cotidiano, para postar no Instagram com
a hashtag #família perfeita#. Enquanto a vida doméstica desmorona, o
que importa, para ela, é a forma pela qual ela é vista nas redes
sociais.
Viciada em ginástica e dietas, vê-se comendo sozinha a comida que
prepara em casa, pois ninguém suporta comer folhas e pão sem gluten as
24 horas do dia. Envolta em sua própria superficialidade, não enxerga um
palmo à frente do nariz, e não percebe o mal que faz a si mesma e aos
outros, tornando-se um peso a mais para o marido suportar.
A
adolescente da trama, dividida entre uma mãe que se comporta como se
tivesse a mesma idade dela, e um pai que tenta, desesperadamente,
impor-lhe limites e rotina, oculta suas reprovações nas provas,
fechando-se um um mundo particular, no qual oscila entre a aprovação e a
reprovação do comportamento da mãe, que não assume qualquer
responsabilidade por sua criação, sob o argumento de que “trabalha fora
do país”. Quando
essa tese da mãe é confrontada pelo terapeuta da menina, que diz-lhe que
ela “fez uma escolha, e que essa escolha não inclui a filha”, esta fica
indignada, sentindo-se injustiçada e incompreendida. Leva a filha para
passar uns dias consigo, arrasta-a para bares e boates, fica com homens
na sua frente, dá-lhe bebidas, dorme fora de casa e acredita firmemente
que está “ensinando-lhe a viver”.
Um
acontecimento dramático chama todos à reflexão. E essa família precisará
repensar seus valores e suas atitudes, para que consiga sobreviver à
civilização moderna. Que saudades do tempo em que jovens de dezoito anos
já eram homens feitos, preparados para a guerra ou para o trabalho,
para o casamento e para a criação dos próprios filhos. Vivemos num mundo de gente feita de geléia, que desmonta com um leve
empurrão, busca aprovação e reconhecimento o tempo todo. Conduzem-se
como se o mundo devesse-lhes alguma coisa, correndo das
responsabilidades e tratando bichos de estimação como se filhos fossem.
É
preciso acordar. Não há mais tempo para as esquisitices da atualidade. A
vida não espera, e Deus deu a cada um de nós uma missão, que é
necessário que identifiquemos, para podermos cumprir. Nenhuma vida pode
ser em vão, ou baseada tão somente em prazer e hedonismo. O
homem moderno está cada vez mais perdido, esquizofrênico, egoísta,
refém da aprovação pública e carente de limites. O que o filme que ora
descrevo nos traz é , tão somente, um fiel e triste retrato do que nos
tornamos.
Dá pra mudar isso? É claro que sim! Como sempre disse meu pai, “onde há
vontade, há um caminho”. Não tema desagradar a audiência, ser julgado ou
mal interpretado. Tenha valores sólidos, e lute para preservá-los e
perpetuá-los. O resto é narrativa.
Publicado originalmente em Tribuna Diária - Erika Figueiredo é Promotora de Justiça, escritora, mãe,
cristã e conservadora. Fala de história, filosofia, política e direito.